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Enquanto São Paulo sofre a maior crise de abastecimento de sua história, os rios que cortam o Rio Grande do Sul, agora cheios graças à chuva abundante dos últimos meses, têm um problema crônico à espreita. Estudo da Agência Nacional de Águas (ANA) mostra que, depois da região do semiárido (grande parte do Nordeste e o norte de Minas Gerais), está em território gaúcho o maior desequilíbrio entre oferta e uso de recursos hídricos no país.
O quadro, visível nos mapas da agência responsável por coordenar a gestão e o acesso à água no país, aponta grande parte da metade sul do Estado como zona considerada crítica. Apesar das recorrentes secas que assolam o Rio Grande do Sul, também mencionadas no relatório da ANA, o problema gaúcho está mais relacionado à demanda, principalmente ao uso de rios e arroios para irrigar lavouras de arroz, explica Alexandre Lima, especialista em recursos hídricos da agência.
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- O Rio Grande do Sul tem disponibilidade de água superior à do Nordeste, mas o balanço hídrico é crítico devido à demanda - sustenta Lima.
A ANA divide o Brasil em 12 regiões hidrográficas. Dessas, duas - Uruguai e Atlântico Sul - ficam em grande parte no território gaúcho. A do Uruguai tem 32% dos trechos dos mananciais que a compõem considerados em situação crítica quanto à quantidade. Na do Atlântico Sul, a taxa chega a 35%. Apenas duas regiões hidrográficas, no Nordeste, são consideradas mais frágeis do que as gaúchas.
Além do risco de escassez e desabastecimento, que agora assusta São Paulo devido a um longo período de baixas precipitações, o Rio Grande do Sul tem, principalmente na Região Metropolitana, problemas associados à qualidade da água, ressalta a ANA. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dos 10 rios mais poluídos do Brasil, três estão no Estado - Sinos, Gravataí e Caí.
O diagnóstico faz com que o Rio Grande do Sul deva ser uma das regiões prioritárias no Plano Nacional de Segurança Hídrica, também capitaneado pela agência. Apresentado no dia 20 passado, definirá em até dois anos ações e obras prioritárias, como barragens, adutoras e canais, para garantir água para abastecimento e uso na produção industrial e agricultura até 2035. Outra proposta é tentar prevenir episódios extremos como secas e cheias e suas consequências.
Para Marco Mendonça, diretor do Departamento de Recursos Hídricos (DRH) do Estado, as prioridades para o Rio Grande do Sul deverão ser a construção de barragens para abastecimento e para lavouras de soja e milho no norte gaúcho.
- Aqui no Estado, as barragens são para irrigar arroz na Metade Sul e gerar energia no norte. Precisamos garantir água para as culturas de sequeiro e abastecimento nas cidades onde a situação é mais crítica. E em paralelo, investimentos para tratar a água e o esgoto - afirma Mendonça.
Para o DRH, as três bacias mais problemáticas do Estado são as dos rios Santa Maria, na Campanha, e Sinos e Gravataí, na Região Metropolitana. As três tiveram conflitos ligados a lavouras de arroz e ao abastecimento público.
Um agravante, lembra Mendonça, é que os rios gaúchos costumam ter grande oscilação do volume de água. No verão, quando não é raro diminuir a chuva, cresce o uso tanto para consumo quanto para irrigação. Nos mananciais onde há problema de qualidade, a escassez se traduz em maior concentração de poluentes, o que torna mais difícil e encarece o tratamento da água.
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Lavoura diminui consumo
Apesar da busca por um uso mais racional, culpar as lavouras pelo problema dos rios é um equívoco, afirma o pesquisador do Instituto Rio Grandense do Arroz Elio Marcolin, especializado em irrigação. Segundo o agrônomo, apenas 32% da água utilizada pela cultura no Estado vem de rios e arroios. O restante tem origem em barragens (48%), lagoas (19,4%) e poços (0,6%).
Segundo Marcolin, para se produzir um quilo de arroz na década de 1970 eram necessários 4 mil litros de água durante todo o ciclo da lavoura. Com avanço das pesquisas, agora a média é de 1,25 mil litros, informa o especialista.
- Nossa meta é chegar a um por um. Em áreas experimentais conseguimos até 1,5 quilo com mil litros - acrescenta.
Perdam chegam a metade
Quando, há alguns anos, começou o debate sobre o risco da falta de água potável, o cenário parecia ser o de um futuro distante. Além de mananciais poluídos, o desperdício do líquido tratado desafia o abastecimento. Levantamento do Instituto Trata Brasil divulgado na semana passada com base em dados de 2012 mostra que 23 das cem maiores cidades do país perdem mais da metade do volume distribuído. Além de reduzir a receita, o quadro encolhe a capacidade de investimento para melhorar o sistema.
Entre os municípios com o pior desempenho nesse quesito estão Canoas e Gravataí, ambos atendidos pela Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan). O diretor de operações da estatal, Antonio Carlos Martins, afirma que, como os dados são de dois anos atrás, estariam defasados. A perda em Gravataí, de 56%, seria de 45%. No caso de Canoas, teria baixado de 54% para 35%.
O indicador de perdas não reflete apenas a água que acaba desperdiçada por vazamentos e rompimentos de rede. Segundo Martins, metade do problema ocorre por outras causas como hidrômetros desregulados e ligações clandestinas, como em áreas de ocupação irregular nas cidades.
A estratégia da Corsan para combater o problema consiste em investimentos para qualificar a rede e parcerias com as prefeituras para regularizar as áreas. Conforme a estatal, o índice médio de perdas da companhia nos 325 municípios onde atua é de 37% e a meta é chegar a 30% até 2018.
O trabalho do instituto aponta ainda que, na comparação com o levantamento anterior, com base nas informações de 2011, as cidades avaliadas evoluíram pouco. De um ano para outro, a diminuição das perdas foi inferior a 10% em 90 municípios.
- Isso também causa um problema ambiental, porque é preciso captar mais água para compensar a perda - diz o presidente executivo do Trata Brasil, Édison Carlos.
Segundo o instituto, um patamar considerado razoável para o país seria de 20% de perdas. A média brasileira é de 37%. Na Europa, a média cai para 15% e, no Japão, abaixo de 10%. Para o presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental no Estado (Abes-RS), Darci Campani, as perdas de água podem ser combatidas com medições mais precisas, para localizar os pontos de vazamentos, e troca da canalização antiga, por onde ocorrem fugas.
Sudeste trava guerra por gotas
A crise hídrica que afeta o Estado de São Paulo está ligada à falta de chuva, mas analistas apontam também falhas de planejamento e gestão na origem do problema. Conforme levantamentos extraoficiais, 2,1 milhões de paulistas - um a cada 20 -, enfrentam interrupções diárias no abastecimento que duram de quatro horas a dois dias, mesmo sem racionamento oficial.
A escassez provocou até conflito com o Rio de Janeiro. São Paulo havia reduzido a vazão do Rio Paraíba do Sul, o que afetava a geração de energia no Rio. Foi necessária intervenção de Brasília para obter um acordo que garantisse água aos dois Estados até o final do ano. A seca ainda ameaça o abastecimento em cidades de Minas Gerais. No Sudeste, o período em que chove menos é de abril a maio, enquanto no Rio Grande do Sul, a precipitação é menor no verão.