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Uma sequência de entraves burocráticos arrasta por quase um mês o cumprimento da reintegração de posse de um terreno na zona sul da Capital. Invadida por cerca de 400 pessoas no início de julho, a área já teve desocupação decretada pela Justiça três vezes, mas o enrosco jurídico que impede a medida de sair do papel pode ter sido criado no começo da negociação.
Localizada na esquina das avenidas Cavalhada e João Salomoni, no bairro Cavalhada, a área foi dividida em lotes do tamanho necessário para a construção de uma casa. Outras famílias se somaram à ocupação, que agora reúne cerca de 2 mil pessoas no local.
Dona do terreno (onde antigamente funcionava a Avipal), a construtora Melnick Even obteve liminar de reintegração de posse no dia 10 de julho. Passada uma semana, a medida não foi cumprida, e as famílias, que haviam recorrido, conseguiram suspender temporariamente a desocupação. Desde então, o processo caiu no vaivém burocrático.
Questionado sobre a demora para a reintegração, o comandante-geral da Brigada Militar, coronel Fábio Duarte Fernandes, afirma, por e-mail, que o oficial de Justiça "esteve no local e concedeu 10 dias mais 24 horas para os ocupantes saírem da área". Durante esse prazo, o Tribunal de Justiça (TJ) concedeu "agravo de instrumento" suspendendo a reintegração".
O juiz da 1ª Vara Cível do Foro Regional Tristeza, Alex Gonzalez Custodio, afirma que o oficial de Justiça não tem autonomia para definir prazos.
- É uma novidade para mim. Vou analisar amanhã (hoje) de forma mais detalhada. Se ele (o oficial) fez isso (concedeu prazo), pode responder administrativamente - explica.
Um dos líderes da ocupação, Lenemar Bastos Santos confirma que o oficial esteve no local.
- Ele nos deu um prazo legal para saírmos, mas aí recorremos - conta.
O oficial de Justiça Allan Freitag Reis diz que procurou a BM assim que recebeu o mandado, mas a corporação teria pedido tempo para avaliar a ação.
- Disseram que precisavam fazer um estudo de inteligência para reunir efetivo e apoios necessários. Conduzi uma negociação informal para que os ocupantes saíssem espontaneamente e a BM tivesse esse tempo. Estou pronto para cumprir a medida desde o primeiro dia - argumenta Reis.
Após o TJ ter revogado a suspensão da liminar de reintegração, o juiz Custódio fixou no último dia 31 novo prazo de 24 horas para a desocupação do terreno, a contar da data de entrega do ofício ao comando da BM - o que deve ocorrer a partir desta segunda-feira.
Diretor de incorporações da Melnick Even, Marcos Colvero diz que a demora traz apreensão e insegurança sobre a retomada da área. A expectativa da empresa é de que a reintegração ocorra no início desta semana.
- Estamos com toda a estrutura pronta, caminhões e pessoal, em regime de plantão para encaminhar a ação junto à BM - afirma.
As famílias acampadas mantêm a esperança de ficar com o terreno.
- Não fomos notificados. Vamos criar uma cooperativa e buscar recursos para comprar a área - explica Bastos.
O HISTÓRICO DA POLÊMICA
A ocupação
- No dia 4 de julho, cerca de 400 pessoas ocuparam o terreno da antiga Avipal, na esquina das avenidas Cavalhada e João Salomoni, no bairro Cavalhada, e começaram a dividi-lo em lotes.
A Briga na Justiça
- Proprietária da área, a construtora Melnick Even acionou a Justiça e, no dia 10 do mês passado, o juiz Mário Roberto Fernandes Corrêa, da 1ª Vara Cível do Foro Regional Tristeza, concedeu liminar de reintegração de posse. As famílias acampadas recorreram da decisão.
- O comando-geral da BM informou, por e-mail, que o oficial de Justiça "esteve no local e concedeu 10 dias mais 24 horas para os ocupantes saírem da área". A decisão, contudo, exigiria autorização do juiz responsável pelo processo, que não teria sido solicitada pelo oficial de Justiça.
- Como a medida não foi cumprida, a Melnick voltou a acionar a Justiça. No dia 18 de julho, o juiz Alex Gonzalez Custodio, da 1ª Vara Cível do Foro Regional Tristeza, intimou o secretário de Segurança Pública, Airton Michels, e o comandante-geral da BM, coronel Fábio Duarte Fernandes, exigindo a reintegração com uso da força policial no prazo de 24 horas, sob "pena de crime de desobediência à autoridade civil e insubordinação aos policiais militares".
- No mesmo dia, contudo, o desembargador Luiz Renato Alves da Silva, da 17ª Câmara Cível do TJ aceitou recurso dos ocupantes e suspendeu temporariamente a reintegração para estudar o caso, o que anulou a decisão da 1ª Vara.
- Após analisar as alegações dos ocupantes e da construtora, o desembargador revogou, no último dia 23, a suspensão da liminar. Com isso, voltou a valer a decisão em favor da Melnick Even.
- Com base na medida, o juiz Custodio estabeleceu, no dia 24, prazo de 72 horas para que a Brigada Militar (BM) cumprisse a ordem de reintegração.
- Intimado, o Comando-Geral da BM encaminhou ofício alegando que a ação não havia sido cumprida em razão do efeito suspensivo concedido pelo TJ.
Como está hoje
- No dia 31, o juiz Custodio publicou novo despacho, informando que a liminar voltou a valer e estabeleceu novo prazo de 24 horas para a reintegração de posse, a contar do recebimento da intimação pelo comando da BM, o que deve ocorrer nesta segunda-feira.
- "Ressalte-se que não é a Brigada Militar ou seu comando que designa a data para cumprimento da ordem judicial, mas sim cabe a ela cumprir a ordem de garantir a aplicação da lei e da ordem pública, sob pena de crime de insubordinação ao comandante-geral da Brigada e desobediência ao sr. secretário de Segurança do Estado", escreveu o magistrado na decisão.
Déficit habitacional na origem
No centro da polêmica da chamada Ocupação Avipal, está o déficit habitacional da Capital e a morosidade do poder público para reassentar pessoas retiradas de áreas utilizadas para obras de infraestrutura da cidade.
As cerca de 200 famílias que deram início à tomada do terreno saíram das margens do Arroio Cavalhada. São remanescentes das 1,7 mil famílias que, desde 2008, estão sendo removidas para a realização de obras do Programa Integrado Socioambiental (Pisa). Apesar de a verba federal para as moradias ter sido aprovada em 2009, o reassentamento até agora não saiu. O Departamento Municipal de Habitação (Demhab) diz aguardar aprovação dos projetos pela Caixa Econômica Federal.
Na sexta-feira, representantes da ocupação se reuniram com o vice-prefeito Sebastião Melo, mas o encontro acabou sem solução.