Bruna Scirea
A morte de um jovem negro que estaria desarmado por um policial branco causou um série de manifestações nos Estados Unidos. No pano de fundo para os fatos que eclodiram a partir de 9 de agosto, o dia do crime, está a questão racial - um problema histórico do país.
Segundo sociólogos e cientistas políticos ouvidos por Zero Hora, a onda de protestos tem causas que vão além do próprio episódio: estão enraizadas na desiguladade econômica e cultural entre brancos e negros nos Estados Unidos.
Veja abaixo a sequência dos fatos e a avaliação de especialistas sobre o assunto.
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O estopim
No sábado 9 de agosto, um policial branco matou a tiros o jovem negro Michael Brown, de 18 anos, em Ferguson, município norte-americano localizado no Missouri. De acordo com um relatório preliminar de uma necropsia solicitada pela família do jovem, Brown recebeu pelo menos seis tiros.
Os dois lados da história
De acordo com uma testemunha, Michael Brown ia visitar sua avó e estava desarmado. Caminhava pela rua quando um policial o interceptou e atirou, apesar de o jovem estar rendido, com as mãos para cima. A versão do chefe de Polícia de St. Louis, Jon Belmar, é diferente: Brown teria sido atingido depois de agredir o policial e tentar roubar sua arma.
Repercussão
Um dia depois da morte do jovem, uma onda de agressões, roubos e saques resultou em 32 pessoas presas e dois policiais feridos. O início do segundo semestre letivo nas escolas locais, programado para segunda-feira, foi postergado por razões de segurança. Na terça, o presidente Obama lamentou a morte do jovem e pediu "calma" e "diálogo".
Nomeação de um policial negro
Na quinta-feira, o capitão Ronald Johnson, um negro que cresceu na região de Ferguson, foi nomeado para chefiar a operação. Johnson ordenou a saída dos blindados e de policiais com roupas camufladas e se comunicou pessoalmente com manifestantes. A reação foi imediata. Na madrugada de quinta, as manifestações foram em sua maioria pacíficas.
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O nome do autor dos disparos
O chefe de polícia de Ferguson, Thomas Jackson, declarou à imprensa que o nome do agente que atirou em Brown é Darren Wilson e que ele trabalha na força policial há seis anos. A família de Brown e outras pessoas haviam pedido a divulgação do nome do policial, citando a necessidade de transparência em meio às tensões que se seguiram a sua morte.
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Toque de recolher
Os protestos voltam com intensidade e, no domingo 17 de agosto, o governador do Missouri, Jay Nixon, declarou estado de emergência e impôs toque de recolher em Ferguson. A medida veio em resposta à onda de saques. O novo chefe de polícia, Johnson, declarou que ficaria no local "o tempo que for necessário" e se desculpou pelas ações do policial branco.
Ordens desobedecidas
Pouco tempo depois do início do toque de recolher, cerca de 200 pessoas se reuniram na região em que Brown foi assassinado e se negaram a dispersar-se, segundo a imprensa local. A polícia usou gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral para dispersar os manifestantes.
Guarda Nacional chega a Ferguson
Nesta segunda-feira, 18 de agosto, o governador de Missouri, Jay Nixon, ordenou o uso da Guarda Nacional para ajudar a polícia a restabelecer a ordem na cidade de Ferguson.
O que dizem especialistas
Dois terços da população de Ferguson, de 21 mil habitantes, são negros, ao passo que 50 dos 53 policiais da cidade são brancos. Esse, entre outros, teria sido um dos principais motivos pelos quais a morte de Brown ganhou tanta repercussão nos dias seguintes, acredita Rodrigo Gonzalez, pesquisador na área de Cultura Política e professor de Ciência Política na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
- A população tem motivos para descontentamento, mas a explosão para a manifestação de rua e de confrontos com a polícia tem a ver com a não solução de um problema histórico, que é o tratamento diferenciado entre brancos e negros pela polícia. Não é só o fato de ter sido um jovem negro morto, mas também de uma polícia quase que integralmente branca - afirma Gonzalez.
O conflito étnico nos Estados Unidos teve um declínio a partir de 1960, com a atuação de Martin Luther King. No entanto, não se extinguiu por completo e, nos últimos anos, até acabou se elevando, avalia Aloísio Ruscheinsky, professor de Ciências Sociais na Universidade do Vale do Sinos (Unisinos).
- Ferguson é um pequeno povoado onde tem crescido a segmentação e o empobrecimento geral. Nos últimos 20 anos, brancos saíram e mais negros acabaram voltando para lá. A questão do protesto é mais ampla. É contra a pobreza, o não reconhecimento da cultura negra e o desempenho da polícia militarizada no combate aos movimentos sociais. A morte de um jovem de 18 anos, pela polícia branca, é o estopim para uma série de manifestações, que vão além desse próprio episódio - diz Ruscheinsky.
No contexto em que manifestações se espalham por todos os cantos do mundo, com bandeiras variadas - como a Primavera Árabe, o Occupy Wall Street e os protestos de junho de 2013 no Brasil -, Gonzalez vê as atuais reclamações no sul dos Estados Unidos como algo à parte:
- Se tomarmos o padrão de reivindicação desse movimento, vemos que ele não tem um viés ideológico claro, ele não é contra um sistema econômico ou político. Eles não querem mudar a estrutura do Estado. Eles querem é que o Estado os trate como iguais. Não se trata de manifestações antissistêmicas, mas contra uma distorção do próprio sistema.
* Zero Hora