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Desde que foi adotado, em maio de 2013, o monitoramento de presos à distância registrou falhas que permitiram a apenados roubar, traficar e até matar um policial militar sem que os crimes fossem percebidos a tempo pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). Agora, um exemplo inusitado do descontrole - a apreensão de uma tornozeleira pendurada no pescoço de um galo - suscita críticas da Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre, órgão da Justiça que deu aval para que o sistema fosse implantando de forma pioneira no Estado.
- O que preocupa é a incapacidade da Susepe de capturar o sujeito. Não adianta registrar a fuga e lavar as mãos. É preciso se antecipar e prender antes que ele pratique um novo crime - lamenta Sidinei Brzuska, juiz da VEC.
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Na noite de quarta-feira, quando policiais militares (PMs) entraram em uma casa em Canoas e prenderam Isaac Selau, 27 anos, sob suspeita de tráfico de drogas, haviam se passado 58 horas desde que ele rompera a tornozeleira - sem que a Susepe fosse atrás do apenado. Assim que os PMs souberam que Selau constava na lista de detentos monitorados, passaram a procurar a tornozeleira pela moradia. Encontraram o equipamento em um galinheiro, enfeitando o gogó de um galináceo. A Susepe instaurou uma auditoria para apurar a falha e considerou o episódio uma afronta.
- É um deboche à sociedade. Não é para rir, mas ficar triste - comentou César Moreira, chefe da Divisão de Monitoramento Eletrônico da Susepe.
Aparelho é alvo de batalha jurídica
O juiz Brzuska lembra que o monitoramento surgiu como alternativa à falta de vagas em albergues do regime semiaberto, nos quais o descontrole gerava fugas, roubos e mortes. Agora, 1,4 mil apenados usam tornozeleira, e o problema se transferiu de lugar.
- A mesma incapacidade que se tinha de pegar o sujeito que fugia do albergue está se repetindo com as tornozeleiras. Em uma comparação rasteira, a tornozeleira no pescoço do galo é o buraco na tela do Instituto Penal de Viamão (recordista em fugas, pior albergue do Estado, fechado em 2013) - compara o juiz.
Além de evidenciar descontrole, o projeto das tornozeleiras é alvo de uma batalha jurídica cujo desfecho é incerto. Todas as autorizações para presos usarem tornozeleiras na Região Metropolitana são contestadas pelo Ministério Público, e o Tribunal de Justiça do Estado (TJ) tem acolhido os pedidos, mandado tirar o equipamento e prender o apenado. Mas, depois, os presos recorrem ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), e, em determinados casos, o STJ manda os detentos para casa por falta de vaga nos albergues.
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O EQUIPAMENTO
Como funciona
- À prova dágua e lacrada, a tornozeleira é fixada no detento. O aparelho, conectado a uma bateria, emite sinais semelhantes ao de um celular, captados por uma central no prédio da Superintendência de Serviços Penitenciáriaos (Susepe). A central monitora os passos do apenado por um computador. Na tela, aparece como um ponto que se move dentro de uma mapa.
- Se o preso sair da área permitida ou o sinal desaparecer do mapa (por rompimento ou falta de carga), imediatamente um alerta dispara na Susepe. O preso é considerado foragido e deve ser capturado.
Falhas recentes
- Em maio, com a bateria descarregada, o apenado Gerson da Silva matou o sargento da Brigada Militar Mário da Rocha, 52 anos.
- Rocha foi morto após um assalto, na Capital. A central de monitoramento não tinha percebido que o apenado estava sem controle.
- Na manhã de segunda-feira, Isaac Justo Selau, 27 anos, rompeu a tornozeleira que usava, em Canoas.
- O alerta soou na Susepe, mas a irregularidade também não foi percebida. Na noite de quarta-feira, PMs prenderam Selau.
CONTRAPONTO
O que diz César Moreira, chefe da Divisão de Monitoramento Eletrônico da Susepe
Foi registrada a fuga na hora e estamos investigando o que aconteceu. A Susepe entende que o sistema é muito eficiente. Já monitoramos mais de 3 mil presos, e a reincidência é de apenas 4%. Tivemos um caso emblemático (assassinato de um PM) motivo pelo qual o sistema está sendo melhorado, e a falha será corrigida. Não podemos julgar um sistema por causa de uma, duas ou três falhas. Nunca teremos 100% de resultados positivos. Não concordo que os problemas dos albergues estão se reproduzindo entre os presos com tornozeleiras. A Susepe prende apenados, sim. Não conseguimos prender todos.
Muitas vezes, pedimos ajuda para a BM, mas ela nem sempre pode ir lá na hora. Toda as fugas são analisadas e comunicadas para a Polícia Civil e para a BM por telefone, por e-mail e lançadas no Infopen (banco nacional de dados prisionais). A Susepe vai continuar apostando nesse sistema. Mil vezes melhor o preso monitorado do que solto, e nem se saber onde ele está.