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Entrevista

"Estamos cansados de tantas novidades", afirma o filósofo Gilles Lipovetsky

Lipovestky volta a Porto Alegre em palestra no dia 24 de setembro

Divulgação / Divulgação

O filósofo Gilles Lipovetsky volta a Porto Alegre para falar da sociedade de hiperconsumo em uma palestra no dia 24 de setembro, no 23º Congresso de Marketing da ADVB. Autor de livros como Os Tempos Hipermodernos e O Império do Efêmero: a Moda e seu Destino nas Sociedades Modernas, o francês conversou com ZH por telefone sobre a leveza - assunto do livro que acaba de concluir -, e temas de obras anteriores, como a aceleração do ritmo de vida, o risco da hiperindividualização e a volatilidade eleitoral. Confira, a seguir, trechos da entrevista:

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Sobre o que o senhor falará em Porto Alegre?

Vou tratar da sociedade do hiperconsumo. Há, hoje, uma individualização crescente em relação ao consumo, ligada às novas tecnologias - mídias, televisão, telefones, internet - que permite aos indivíduos consumos à la carte. Antes, na sociedade de consumo em massa, tudo era sincronizado. Agora, não somos obrigados a ver os mesmos programas no mesmo momento. Cada um gere seu tempo e seu espaço em função de seu desejo. Igualmente, os grupos sociais exercem menos limites de comportamento, o papel das marcas se destaca nas compras e cresce o fascínio dos jovens pelas marcas. Além disso, o consumo passou a ser mais emocional. Antes, as pessoas compravam para serem valorizadas em seu ambiente, era um consumo de status. Isso existe ainda, e provavelmente sempre existirá, mas, ao mesmo tempo, temos um consumo cada vez mais voltado ao prazer. Quem escuta música pelo iPod, por exemplo, faz um consumo hedonístico, para sentir as coisas. É a dimensão das experiências que ganha importância.


Estamos no caminho de viver em uma bolha, isto é, há um risco de as pessoas terem menos variedade no consumo de cultura e informação?

Sim. É um risco dessa hiperindividualização. As pessoas podem escutar sempre as mesmas músicas, procurar as mesmas informações. Pode ser um encerramento dos indivíduos em seu próprio mundo. Se, de um lado, o hiperconsumismo abre (as possibilidades), também fecha algumas aberturas. As duas dimensões coexistem.


Assim como há o mercado de luxo, há pessoas que buscam experiências diferentes, como o Couchsurfing (viajar hospedando-se na casa de outros), grupos para doar ou compartilhar bens. Como o senhor enxerga este outro fenômeno?

Com as opções múltiplas e também a crise econômica, há novas formas de consumo que aparecem - como compartilhamento, aluguel de bens, comércio de itens de segunda mão. Tudo isso leva alguns a elaborar a hipótese de que o fascínio do consumo estaria recuando. Não penso assim. Acho que, muitas vezes, esses comportamentos são uma expressão do hiperconsumismo, porque as pessoas fazem economias em uma área para poder continuar consumindo. Querem, por exemplo, dividir o carro ao viajar para viabilizar essa viagem. Utilizando novas maneiras de consumir, nós continuamos sendo consumidores. A recusa do consumo ocorre, sim, mas em grupos bem menores, militantes, ideólogicos, que creio ser algo relativamente pequeno.


O senhor concluiu há pouco um novo livro? Qual é a sua temática?

Sim. Deve ser lançado em janeiro na França. É sobre a leveza, que se tornou um fenômeno central na sociedade contemporânea. O tema compreende corpo, produtos lights, novas tecnologias, como a nanotecnologia, que busca reduzir e tornar tudo mais leve, o smartphone, o design, a decoração. É um setor econômico extremamente desenvolvido, e isso está apenas começando.


A sensação de que o tempo passa mais rápido e nos atropela não é nova. O romantismo já exprimia esse desejo de escapar deste ritmo intenso. Hoje, há pessoas que buscam meios para desacelerar, como ioga e viagens. A leveza, tema de seu próximo livro, é uma reação a essa tendência de acelerar?

Exatamente. Há, cada vez mais, demanda por novidade. Fazemos mil coisas ao mesmo tempo, mas há também gente que sofre com isso porque tudo vai muito rápido. Temos o sentimento de estarmos cansados de tantas novidades e observamos o cultivo de práticas em busca de uma paz interior, de uma leveza da vida, de ioga, de formas de religiosidade, de massagem, de spa, de relaxamento. Vale observar que esses comportamentos são opostos ao consumismo, mas não completamente. A meditação é muito praticada em Nova York e em Londres por pessoas que têm ritmos de vida terríveis, e a meditação é uma maneira de repor as forças para poder continuar nesse sistema. Não é um modelo alternativo. Está a serviço da performance.


A aceleração vai continuar?

Acho que sim. Vemos isso com as novas tecnologias e a informática. Agora que temos o 4G, quem tem 3G reclama que não pode baixar filmes. Vivemos cada vez mais rápido. Há cada vez mais ofertas e tecnologias que permitem ir rapidamente a qualquer lugar. Não sei como isso pode diminuir. A aceleração ganha cada vez mais setores de nossa existência. Isso gera problemas, pois nem tudo pode ir mais rápido. Na educação, por exemplo, não podemos ir mais rápido. Aquisição de conhecimento demanda paciência. No futuro, acho que, além da aceleração, teremos todo um conjunto de técnicas que nos permitam aceitá-la.


Em A Era do Vazio (1983), o senhor escreveu que Narciso era o símbolo da revolução individualista. Àquela época, poderia imaginar que haveria hoje quem publica fotos de si mesmo?

O selfie é um exemplo desse individualismo. É um prolongamento desse narcisismo. Contudo, é um individualismo paradoxal, pois ele está em uma busca incessante da aprovação dos outros. Faço uma foto, coloco no Facebook, mas aguardo a reação dos outros. É um Narciso incompleto. Posso me amar, mas me amo mais ainda se os outros me amam, se dizem que sou bonito, que a foto é interessante. As pessoas tiram selfies para ter uma recompensa simbólica, da parte dos outros. Com o Facebook, cada um é um publicitário de si mesmo. Cada um faz seu próprio marketing. É um marketing narcisístico.


No livro Metamorforses da Cultura Liberal, o senhor aborda a volatilidade eleitoral. Acredita que a facilidade de mudar de lado nas eleições vai crescer?

Há uma volatilidade dos eleitores porque as grandes ideologias são mais fracas. Quando não há grandes ideologias, as pessoas mudam em função dos líderes. Acho que, no caso do Brasil, a candidata evangélica (Marina Silva) está se saindo bem nas pesquisas porque parece autêntica, e tem uma personalidade que seduz, é isso que li pela imprensa. Na sociedade atual, direita e esquerda continuam existindo, é claro, mas há uma proporção cada vez maior de pessoas que mudam de lado de uma eleição a outra, prova da sociedade do efêmero. Isso não quer dizer que, necessariamente, a cada eleição, as coisas vão mudar completamente.


O senhor acredita que a mídia, dando destaque a escândalos políticos, é também causa dessa volatilidade?

Com certeza. Ela tem um papel, mas acho que a causa principal é que as grandes opções ideológicas não têm mais força. Não acreditamos mais nelas. Nos anos 1950, se éramos comunistas, éramos totalmente comunistas. Havia bipolarização e uma adesão forte às ideologias políticas. Hoje em dia, tudo isso é "light". E direita e esquerda fazem políticas parecidas. Assim, um escândalo pode mudar as opiniões. Mas é a personalidade do líder que se torna cada vez mais importante.


23º Congresso de Marketing da ADVB

Gilles Lipovetsky fará o primeiro painel do Congresso, que será realizado no dia 24 de setembro, no Teatro do Bourbon Country (Túlio de Rose, 80), das 8h às 18h30. Lipovetsky dividirá a mesa com o diretor de Shopper Marketing Brasil da Coca-Cola, Marcelo Barreto. O painel tem duração prevista das 9h15min ao meio-dia. Inscrições podem ser feitas até 23 de setembro (terça), pelo site advb.com.br. Mais informações pelo telefone (51) 3290-6300

 

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