
Não são poucas as inconveniências que três dias sem luz e sem água podem causar: uma panela de feijão feita no dia anterior que se torna inútil ou um tombo aqui e outro acolá causados pelo breu são o mínimo. Só que, além dessas chateações da rotina, necessidades sérias foram suprimidas da vida dos moradores das ilhas do Pavão e dos Marinheiros, que desde quinta-feira têm problemas nos abastecimentos da CEEE e do DMAE. Para tentar resolver a situação, eles interromperam o trânsito da BR-290, uma das principais vias de acesso a Porto Alegre, durante cinco horas na noite deste sábado.
Residentes das ilhas contam que as aulas nas escolas e creches da região foram suspensas, muita comida apodreceu e crianças e idosos que precisam de cuidados médicos mais complexos sofreram com dias de muita preocupação. A situação se manteve até a madrugada deste sábado, quando, por volta das 2h15min, a luz foi restabelecida. Como no local são comuns os "gatos", ligações elétricas irregulares, a CEEE chegou a dizer que não poderia fazer nada para normalizar a situação - podia, tanto que algumas horas depois, quando recebeu chamada da BM, foi até lá. O abastecimento de água já havia sido normalizado no início do dia.
Veja como foi a cobertura ao vivo do protesto feita por ZH
- Meu sobrinho usa nebulizador e está passando dificuldade. A sensação que passa é de um pouco de descaso, né? - reclamava Ricardo Gonçalves, uma das centenas de pessoas que resolveram sair do escuro de suas casas e andar alguns passos até a beira da BR-290 para tentar chamar a atenção da imprensa ou de alguma autoridade.
Desde às 17h, Ricardo e seus vizinhos usaram algumas táticas para manifestarem-se: primeiro, as duas pistas da rodovia foram fechadas em intervalos de 15 minutos. Uma hora depois, resolveram interromper o trânsito por completo. Com a Polícia Rodoviária Federal e a Brigada Militar no local, alguns montes de vegetação e lixo foram incendiados.
- Em época de eleição, o que mais apareceu por aqui foi político pedindo voto. Agora, quando a gente mais precisa, dá uma olhada: não tem um para nos dar uma força! - bradava Amilton Antônio da Silva, um dos mais agitados do grupo de moradores.
As manifestações duraram até a madrugada de sábado, causando muita lentidão nos dois sentidos da estrada, nas regiões da Arena do Grêmio, da ponte do Guaíba e do km 98 - chegou a haver mais de 13 km de congestionamento. Apesar de alguns motoristas relatarem momentos de tensão, a polícia não tem registro de furtos ou agressões - só a incomodação de ficar cinco horas parado no mesmo lugar.
Num dos momentos mais tensos do protesto, moradores voltaram a ocupar a pista e foram repreendidos pela polícia com gás de pimenta. Como havia muitas crianças junto ao grupo, houve revolta dos moradores, mas nada além disso.
- Eles prometeram que a CEEE ia vir aqui e resolver o problema. Já passou mais de uma hora e nada. Não estamos aqui querendo prejudicar ninguém, mas nós não somos tratados como cidadãos - ponderou Amilton, antes de se juntar ao grupo que iria novamente tentar bloquear o fluxo de carros.
Acabou não precisando. Alguns minutos depois, uma equipe da CEEE encontraria o problema - causado por uma soma de chuva forte, ventos e os conhecidos gatos - e restabeleceria parte da luz no local, pouco depois da 1h da manhã. Não demoraria para o restante da região ter energia novamente. Primeiro, foi nas casas do lado Interior-Capital da BR-290. Depois, quando as luzes do lado Capital-Interior se acenderam, todas de uma vez, os moradores que ainda resistiam à beira da rodovia, mesmo que a chuva estivesse recomeçando, comemoraram. Com gritos, batuques e danças, voltaram para suas casas.
A questão foi solucionada por enquanto - como a maior parte do abastecimento elétrico da região é irregular, a CEEE não pode garantir que uma nova chuva não vá causar nova queda. Enquanto o problema não é resolvido, os moradores das ilhas do Pavão e dos Marinheiros tem que torcer por uma coisa: sol.
- Sempre foi assim. Parece que não somos gente. Aqui na ilha, nós somos cachorros - resignava-se Janete Santos, moradora da Ilha do Pavão, mostrando a perna esquerda machucada, que, por causa da falta de energia, ainda não pôde receber um curativo.