Eram 7h do dia 11 de setembro, uma quinta-feira, quando os namorados Dante Farinello Cardoso e Tainá Palheta chegaram à fronteira de Sunauli, no norte da Índia, de onde seguiriam ao Nepal. Após os guardas fronteiriços indianos alegarem problemas no sistema de imigração, fizeram um breve interrogatório sobre a procedência dos documentos de Dante e pediram que o casal aguardasse no local.
Foram quase 12 horas de informações desencontradas até que a polícia fosse chamada e, sem muitas explicações, levasse Dante embora. Tainá cruzou a fronteira e, com o visto vencido há um dia, precisou deixar o país sem o namorado. Foi a última vez que eles se viram.
O tatuador de 42 anos cresceu em Florianópolis com a irmã, Ana Farinello Cardoso - que viajava com o casal dias antes. Os irmãos têm uma casa no bairro Armação, recebem aluguel e passam pouco tempo na cidade. Dante morou na Inglaterra e viajava pela Índia há seis meses.
Ele está preso há quase 80 dias na região de Maharajganj, uma das mais pobres do norte do país. Autoridades indianas acusam o brasileiro de estar irregular no país, pois teria tentado cruzar a fronteira com um visto falsificado.
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A namorada e a irmã de Dante, entretanto, dizem que ele foi vítima de um golpe. Com o visto de turista já vencido, o brasileiro resolveu contratar um agente turístico - um sulafricano que se dizia naturalizado na Índia - para atualizar a permissão. Ao cruzar a fronteira, ele descobriu que o documento era falso.
- É bastante comum na Ásia ver agentes ajudando turistas a renovarem os vistos. Dante pagou 1 mil euro (R$ 3,2 mil) pelos documentos. De fato, o rapaz trouxe o passaporte, nos recomendou sair pela região de Sunauli e tudo parecia certo até alcançarmos a fronteira - relata Tainá.
A irmã Ana (E) e a namorada Tainá (C) tentam trazer Dante ao Brasil
Após seguir ao Nepal, ela ainda tentou contato com o chefe da imigração que resolveria o "problema" - como foi orientada no local -, mas não conseguiu. Uma saga se iniciou a partir daí na tentativa de trazer Dante de volta ao país de origem.
A embaixada do Brasil em Nova Déli e o Itamaraty acompanham a situação. Eles afirmam que o brasileiro foi detido "em situação migratória alegadamente irregular".
Irmã teme que Dante não tenha se curado de febre tifoide
Assim que ficou sabendo do fato, Ana Cardoso retornou à Índia para tentar ajudar o irmão. Sozinha em uma região avessa a estrangeiros, ela diz ter sido ameaçada e que precisou fugir de ao menos dois povoados do Estado de Uttar Pradesh, onde Dante está preso. Sem a companhia de nenhum homem, também diz sentir na pele o forte machismo na sociedade indiana.
- É praticamente impossível para uma mulher conseguir informação, ainda mais sendo estrangeira. Só me deixaram falar com meu irmão quando fui até a prisão com dois diplomatas brasileiros - conta.
Ana relata que Dante contraiu febre tifoide durante a viagem e, quando conseguiu ver o irmão pela primeira vez, se assustou: o tatuador havia perdido 10 quilos. Ele contou que só o levaram para atendimento hospitalar depois que desmaiou na prisão, mas que não estava tomando remédio para a doença, tratável com antibióticos.
Ana começou então a levar comida, roupas e remédios para Dante duas vezes por semana. Um dia encontrou Dante assustado, implorando para que ela não voltasse:
- É uma região muito pobre, em um nível que não conhecemos, e a cadeia reúne as pessoas mais esquecidas do lugar. São 700 presos e ninguém recebe visita ou ganha nada de fora. Logo ele começou a receber ameaças de outras presos, falaram que iam me sequestrar e que sabiam tudo sobre mim - relata a irmã.
Segurança migratória indiana se tornou mais rigorosa
Chefe-adjunto da embaixada brasileira em Nova Déli, capital da Índia, César Bonamigo afirma que a acusação contra Dante foi oficializada esta semana e é baseada no visto falso apresentado pelo brasileiro ao cruzar a fronteira. Ele acredita que a maioria das afirmações "devem ser rapidamente descartadas".
O rigor na questão migratória da Índia pode surpreender os brasileiros, mas de acordo com Bonamigo é uma consequência direta dos atentados de novembro de 2008 à capital financeira indiana, a cidade de Bombaim.
Na ocasião, a investigação apontou que alguns dos responsáveis pelas 195 mortes e mais de 300 feridos teriam cruzado a fronteira do país em diversas ocasiões, levando a um endurecimento da política de migração do país.
- No Brasil, um estrangeiro com visto irregular é um problema administrativo, ele é colocado em um avião e deportado. Na Índia, trata-se de uma questão de segurança nacional - analisa Bonamigo.
Entrevista:
André Lupi
Advogado, especialista em Direito Internacional e professor do Centro de Ensino Unificado de Brasília (UniCEUB)
"Quem decide é a lei local"
Diário Catarinense - O que deve ser feito no caso de um brasileiro preso no exterior?
André Lupi - Duas providências são necessárias: comunicar a embaixada do Brasil para que ela acompanhe a situação, e contratar um advogado no país em que ele foi preso, para que auxilie no processo. O detido está sujeito à legislação comum do país e a soltura ou deportação vai depender do trabalho de um advogado e do Judiciário local.
DC - Cada país decide sozinho como lida com problemas de imigração?
Lupi - Alguns tratados eliminam a necessidade de visto ou diminuem o rigor com estrangeiros, como é aqui no Mercosul, mas cada país tem absoluta liberdade para definir sua política migratória.
DC - A situação de Dante se complica pelo fato dele ter sido preso com um visto falso?
Lupi - Estamos tratando de uma acusação de falsidade documental, algo diferente da simples irregularidade migratória. Se eu ultrapasso o tempo que me foi permitido ficar no país, minha pena será a deportação. Agora, se eu burlo um documento oficial, é um crime bem mais grave. No caso deste brasileiro, quem vai decidir se ele foi vítima ou culpado é o Judiciário local.
Linha do tempo: entenda o caso
1) A viagem pela Índia
Dante Farinello Cardoso, a irmã Ana F. Cardoso e a namorada Tainá Palheta viajavam pela Índia. Ele já estava no país há cerca de seis meses, tempo máximo do visto de turista.
Para atualizar a permissão, Dante contratou um agente turístico para o ajudar com a documentação e pagou cerca de R$ 3,2 mil.
Durante a viagem Dante contraiu febre tifoide e iniciou tratamento em Nova Déli, capital da Índia.
2) O dia da prisão
Dante e a namorada Tainá chegaram no dia 11 de setembro à fronteira de Sunauli, no norte da Índia, de onde seguiriam em direção ao Nepal.
Guardas indianos fizeram um interrogatório sobre a procedência dos documentos de Dante e pediram que o casal aguardasse.
Cerca de 12 horas depois, a polícia foi chamada e levou o brasileiro para uma prisão na região de Maharajganj, a 80 quilômetros de Sunauli. Tainá seguiu para o Nepal.
3) Tentativas de libertação
Nos dias seguintes, Tainá telefonou para o chefe da imigração da Índia, conforme a orientaram na fronteira. O agente repassaria o valor de uma multa a ser paga e Dante seria solto em seguida. O guarda nunca atendeu ou retornou as ligações. Tainá precisou voltar ao Brasil para renovar o visto.
A embaixada do Brasil em Nova Déli e o Itamaraty foram acionados por Tainá logo após a prisão e acompanham a situação. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, Dante foi detido "em situação migratória alegadamente irregular".
A irmã de Dante, Ana Cardoso, retornou à Índia para tentar ajudar o irmão.
4) O cotidiano na prisão
O tatuador passou um mês preso até que alguém tivesse notícias de seu paradeiro.
Com a ajuda de diplomatas brasileiros, a irmã Ana conseguiu entrar na prisão para ver Dante. Descobriu que o irmão ainda não estava curado da febre tifoide e emagreceu 10 quilos. Conseguiu documento de um médico que certificava a condição da saúde de Dante (foto ao lado).
Durante algumas semanas, Ana conseguiu levar comida, roupas e remédios para o irmão. Um dia encontrou Dante assustado, implorando para que ela não voltasse mais pois havia recebido ameaças. Em seguida, precisou viajar à Tailândia para renovar o visto.
Como foi ameaçado, Dante foi transferido para um pavilhão somente para estrangeiros.
5) Últimos acontecimentos
A irmã Ana continua na Índia. Ela deve visitar o irmão novamente no domingo.
A namorada Tainá tentou voltar para a Índia esta semana. Não conseguiu entrar no país, pois quando saiu na última vez estava com o visto vencido. A reportagem conseguiu o último contato com ela na madrugada desta quinta (final da tarde na Índia). Tainá estava detida na Tailândia e seria deportada para o Brasil.
Reportagem do DC conversou ontem com a embaixada brasileira na Índia. O chefe adjunto César Bonamigo afirmou que a acusação foi oficializada esta semana e é baseada no visto falso apresentado por Dante. Ele acredita que a maioria das afirmações possam ser contestadas.
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