
O projeto de um novo aeroporto na região metropolitana de Porto Alegre pode ser um complicador na tentativa de atrair interessados ao leilão do Salgado Filho, planejado para decolar em 2015. Com um concorrente na mesma região, mesmo que daqui a 10 anos, o grupo privado disposto a administrar o atual terminal tende exigir um modelo diferente de concessão para o negócio ficar rentável. A Secretaria da Aviação Civil pode ser obrigada a modificar o modelo já adotado.
Até agora, nos contratos em Guarulhos (SP), Campinas (SP), Galeão (no Rio), Brasília e Confins (MG), o grupo vencedor fica sócio majoritário do negócio (participação de 51%) e a Infraero, minoritária (49%) por 20 anos. Especialistas elogiam o modelo pela competição no setor e o avanço no ritmo de obras nos terminais concedidos.
- Cada companhia tenta apresentar o melhor serviço para atrair consumidores - diz Jorge Leal Medeiros, engenheiro aeronáutico e professor da Escola Politécnica da USP.
A disputa tende a favorecer os passageiros, mas há dúvidas se o Estado teria capacidade de abrigar dois aeroportos de grande porte tão próximos. Estudo encomendado pelo governo estadual e entidades empresariais à consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC) indica que o Salgado Filho teria de fechar para que o novo aeroporto fosse viável economicamente.
- Nunca vi no país um aeroporto ser completamente desativado. Pode mudar de perfil de atendimento, mas não ser fechado - afirma Richard Lucht, especialista em negócios da aviação e diretor-geral da ESPM-Sul.
Volney Gouveia, professor de economia da aviação civil, também não acredita em canibalização dos terminais:
- É uma região central no continente. Se melhor aproveitada, poderia aumentar o fluxo de cargas e passageiros ainda mais rapidamente. Além disso, o novo aeroporto vai demorar no mínimo 10 anos para sair do papel. Até lá, a demanda deve crescer muito.
Investimento de longo prazo
Ainda não há definição do governo federal do modelo de concessão que será adotado para o Salgado Filho, mas a Secretaria de Aviação Civil indica que pode acatar a sugestão do governo gaúcho e oferecer o atual terminal a uma empresa que também responda pela construção do novo aeroporto.
- É preciso ser uma proposta interessante para os empresários. Ninguém investe pensando em cinco anos. O horizonte é muito maior, duas, três décadas - pondera Ronald Krummenauer, da Agenda 2020, movimento que busca organizar um planejamento de longo prazo para o Estado.
Outra alternativa seria o governo manter o mesmo modelo de concessão adotado nos demais aeroportos - a empresa privada fica majoritária e a Infraero, minoritária -, mas o contrato provavelmente teria de ser diferente, pondera Cláudia Bonelli, sócia do TozziniFreire Advogados, escritório especializado em contratos e projetos governamentais:
- Como o investimento para construção de um novo aeroporto é muito alto, o tempo de concessão teria de ser maior do que o adotado nos demais Estados, e o valor mínimo de outorga, bem menor. Caso contrário, não fica interessante aos investidores.
Capacidade duplicada até outubro de 2016
Marcelo Monteiro
marcelo.monteiro@zerohora.com.br
Mantida a estrutura atual, em um cenário conservador de projeção, o aeroporto Salgado Filho teria esgotada a capacidade de sua pista em nove anos. A informação consta de nota enviada pelo Departamento Aeroportuário do Estado (DAP) à Secretaria de Aviação Civil (SAC), como parte das tratativas com o governo federal para a construção de um novo terminal aéreo de grande porte na Região Metropolitana.
- O Salgado Filho está estressado e não apresenta boas perspectivas de ampliação à altura das necessidades da economia e do número de passageiros do Rio Grande do Sul - admite o ministro da Aviação Civil, Moreira Franco.
Operando atualmente com 91,1% da capacidade, o aeroporto de Porto Alegre registrou alta de 161,3% na movimentação de passageiros nos últimos 10 anos e deve tornar- se insuficiente para a demanda a partir de 2025, conforme estimativa do DAP. No ano passado, o terminal recebeu 7,99 milhões de passageiros, aproximando-se da capacidade, de 8,77 milhões.
Embora não conteste a ideia de construção de um aeroporto em Portão, o superintendente do Salgado Filho, Wilson Brandt Filho, garante que a capacidade de atendimento será duplicada em dois anos, com conclusão do novo terminal de passageiros. Investimento de R$ 183 milhões, a obra tem passado por percalços no andamento dos trabalhos.
- O pátio onde ficarão as novas pontes de embarque estará pronto até fevereiro - assegura Brandt.
Em relação à capacidade de movimentação de cargas, o Salgado Filho está no limite, reconhece. A dificuldade será resolvida com a ampliação da pista, que tem projeto e orçamento, mas ainda depende da liberação de recursos (R$ 500 milhões), além da construção de um novo terminal de cargas, iniciada em 2010 e paralisada em razão de problemas financeiros da construtora:
- O projeto foi dividido em dois: o pátio, já licitado e em obras, e o prédio, que ainda depende de relicitação - acrescenta.

Obras sem fim
Marcelo Flach
marcelo.flach@zerohora.com.br
Aeroporto bom é aeroporto em obra, já diz uma expressão corrente na aviação. Refere-se a obras que começam e terminam. Não é o que se vê aqui. O Salgado Filho está um verdadeiro canteiro de obras, mas são projetos que se arrastam há tempo. Em um lugar que exige agilidade, tudo demora para decolar. Como exemplo, o ILS2, equipamento para melhorar as operações em dias de nevoeiro, demorou pelo menos 15 anos até começar a funcionar - e ainda foi preciso a pressão da Copa do Mundo.
A ampliação da pista em 920 metros está quase no esquecimento. Residências no caminho da extensão já tiveram os moradores realocados e as casas demolidas, mas nada de o novo pavimento andar um metro. O terminal de passageiros ampliado é outra novela. Era promessa para receber turistas e torcedores durante o Mundial. Agora ficou para 2016.
Quando finalmente chegou a chance de o Salgado Filho trocar de comando, com um grupo privado assumindo a administração, o projeto de um novo aeroporto na Região Metropolitana pode ser um complicador. Falta um GPS para os planejadores. A mesma Secretaria de Aviação Civil do governo federal, que diz não ver mais futuro no atual terminal da Capital e apoia o projeto do novo aeroporto, agora pretende atrair empresas privadas para a administração do Salgado Filho. Para um mercado do tamanho do Rio Grande do Sul, dois terminais de grande porte, e próximos, ficam pouco rentáveis. E complica a vida de companhias aéreas, que precisam dividir as operações entre dois aeroportos na mesma área.