
O fim de ano exige cuidados redobrados com segurança por causa da mais grave de todas as crises em albergues da Região Metropolitana. Sem novas unidades e ainda interdições e fechamentos das existentes, as trancas de celas foram abertas permitindo a 2,3 mil presos dos regimes aberto e semiaberto voltarem às ruas na Grande Porto Alegre.
São condenados por roubos, furtos, homicídios e tráfico de drogas que estão, em sua maioria, em prisão domiciliar (cerca de mil) ou usando tornozeleira eletrônica (900) por falta de vagas nas cadeias. Em seis albergues sob fiscalização da Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre deveriam ter 2,8 mil detentos recolhidos, mas há espaços apenas para 389.
Conforme juízes da VEC, a situação é gravíssima. Eles apontam como raiz do problema o desinteresse do Estado em recuperar ou construir albergues. Somente em duas unidades na Capital, os institutos penais Padre Pio Buck e Irmão Miguel Dario, quatro prédios estão abandonados desde 2010, e poderiam abrigar 500 detentos.
- A situação já passou de caos. Entrou em colapso total - afirma o juiz Alexandre de Souza Costa Pacheco, da Vara de Execuções Criminais (VEC), de Porto Alegre,
Na noite do dia 19 de novembro, Pacheco e o colega Paulo Augusto Oliveira Irion cumpriram o "terceiro turno" de trabalho do dia em uma inspeção nos dois albergues.
E, em seguida, anunciaram a interdição no Pio Buck, onde presos dormem amontoados em triliches em alojamentos sem ventilação e fiação de luz exposta. Existe apenas um vaso sanitário para 30 pessoas, e, em média, um agente penitenciário para vigiar o grupo.
- É a pior casa do semiaberto, um depósito humano - lamenta Irion.
Saiba como é usar tornozeleira eletrônica para monitoramento de presos
Fragilidade no regime semiaberto faz com que detentos consigam fugir
À medida que os atuais 95 apenados forem soltos, o albergue será fechado por causa da precariedade estrutural e de segurança - em condições normais o Pio Buck poderia abrigar 370 detentos.
- É preciso uma condição mínima de atendimento, sob pena de reverter contra a própria sociedade. Estamos chamando a atenção. O Estado que investiu no regime fechado, mas para o semiaberto, lavou as mãos - acrescenta Pacheco.
A escassez de vagas vem obrigando os juízes a escolher quem vai para a cadeia.
- Hoje, se uma pessoa for condenada por assalto a cinco anos e quatro meses de prisão, que é pena básica, não tem lugar onde cumprir a pena. Adotamos a política de menor dano à sociedade, reservando as vagas em albergues para condenados com saldo maior de pena a cumprir - assegura Irion.
É por causa disso que prisões domiciliares são concedidas, e a VEC aceitou a adoção do controvertido sistema de tornozeleiras eletrônicas proposto pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). Cada caso é analisado em minúcias. Em geral, ganha direito à prisão domiciliar o apenado com pena menor a quatro anos. Se a condenação é de até oito anos, tem direito a ir para casa e ser monitorado à distância. Em caso de penas acima de oito anos, o apenado é mantido em albergue.
Pacheco lembra que nem todos os presos podem usar tornozeleiras por causa do perfil agressivo. Diante da crise, ele faz um alerta:
- Se o próximo governo não investir no semiaberto, restará como alternativa o monitoramento eletrônico com limitações para não mandar o preso para casa sem controle algum ou a concessão em massa da prisão domiciliar por falta de investimentos nos últimos governos.

Desde 2009, crise só piora
A decadência dos regimes aberto e semiaberto remonta cinco anos. Naquela época, a Vara de Execuções Criminais (VEC) da Capital intensificou a interdição de estabelecimentos por causa da superlotação, fugas e mortes.
A inércia da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) em realizar melhorias fez represar cerca de mil apenados no regime fechado, que já tinham progressão autorizada pela Justiça para serem transferidos para albergues. A situação quase detonou rebeliões em massa nas cadeias, em dezembro de 2010.
Como paliativo, a VEC liberou 2 mil detentos para prisão domiciliar 2 mil presos do regime aberto. A finalidade era abrir espaço nos albergues para presos do semiaberto. Nada adiantou. No mesmo ano, o governo Yeda Crusius ergueu seis albergues emergenciais na Região Metropolitana e no Vale do Sinos, ao custo de R$ 600 mil cada. Era o projeto chamado "novo paradigma" que levaria ao déficit zero no semiaberto. Mas os pavilhões, com material pouco resistente, acabaram destruídos pelos presos, por vendavais e por incêndios. Um deles, na Capital, nunca foi ocupado.
- O dinheiro consumido neste novo paradigma está fazendo falta para reformas do Miguel e do Pio Buck - lamenta o juiz Alexandre de Souza Costa Pacheco, da VEC da Capital.
Em 2013, o déficit beirava 1,4 mil vagas no semiaberto. Nesse meio tempo, a Susepe anunciou aluguéis e construções de prédio, inclusive com promessa assinada em documento para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, mas nada disso se concretizou. Com o fechamento do Instituto Penal de Mariante, em Venâncio Aires, e do Instituto Penal de Viamão, por causa da fragilidade das instalações e sem capacidade de conter os presos, a falta de vagas só aumentou.
- O quadro é catastrófico. Há um descaso, praticamente, abandono - critica o juiz Paulo Augusto de Oliveira Irion.
CONTRAPONTO
O que diz a Susepe
De acordo com a assessoria de comunicação, a atual administração não prevê construção de albergues. A reforma de prédios no Instituto Miguel Dario está em processo de licitação. Sobre o prédio que nunca foi ocupado por falta de redes de água e luz, há um processo para construção da subestação, do reservatório de água, de telefonia e de projeto de prevenção de incêndio. O local será destinado para salas de aula e espaço para trabalho. O projeto de reforma dos prédios do Pio Buck está na fase de elaboração de orçamento. Sobre críticas de juízes, a Susepe evita se pronunciar.
O tamanho do caos
- São seis albergues sob fiscalização da Vara de Execuções Criminais (VEC) da Capital: instituto penais de Charqueadas, de Canoas, de Gravataí, além de Irmão Miguel Dario, Padre Pio Buck e Patronato Lima Drummond na Capital.
- Essas unidades deveriam abrigar 2,8 mil apenados dos regimes aberto e semiaberto, mas tem apenas 389 vagas.
- São 2,4 mil presos que deveriam estar em albergues na Região Metropolitana, sendo que cem ainda estão em cadeias de regime fechado, aguardando vagas em albergues. Os demais estão assim espalhados:
- 1.076 em casa em prisão domiciliar
- 900 em casa, monitorados por meio de tornozeleiras eletrônicas
- 330 em casa, esperando vagas em albergues
Unidades mais conflagradas
- Instituto Penal Padre Pio Buck: é a pior unidade. Poderia abrigar 370 presos, mas tem dois prédios em ruínas que não são ocupados desde 2010. Tem 95 presos e não pode entram mais, pois foi interditado em novembro por problemas estruturais.
- Instituto Penal Irmão Miguel Dario: tem um prédio em escombros por causa de incêndio em 2010 e outro queimado em agosto por causa de uma rebelião. Esse último é resultado da revolta de presos depois de uma revista que apreendeu uma espingarda, dois revólveres e encontrou cinco mulheres entre os detentos. Um terceiro pavilhão, erguido em 2010, jamais foi ocupado por falta de redes de água e luz. Poderia abrigar 370 presos, mas o máximo permitido pela Justiça é de 68 apenados.