
Escondido no extremo nordeste de Porto Alegre, fruto do urbanismo desordenado em uma das regiões mais pobres da cidade à beira do Arroio Feijó, o bairro Mario Quintana vem sendo afogado pela violência crescente, resultado do tráfico de drogas.
Cenário de constantes assassinatos, chacinas e execução de um adolescente por vingança, a região agora padece com o recrudescimento da criminalidade que expõe corpos mutilados nas ruas como só visto em morros do Rio de Janeiro ou na famigerada Penitenciária de Pedrinhas, no Maranhão.
O esquartejamento de um homem, com a cabeça e membros jogados em uma parada de ônibus para todo mundo ver no amanhecer da última segunda-feira, e o toque de recolher, mandando fechar comércio e escolas, são os capítulos mais recentes de uma guerra civil travada entre quadrilhas que brigam pelo controle de bocas de fumo nas vilas Safira e Timbaúva.
Desavenças no Mario Quintana remontam à criação do bairro, em 1998, com a transferência de diversas vilas e invasões na Capital sem a estrutura adequada. Até então, alguns lugares eram "poupados", mas nos últimos dias extrapolou limites.
Há cerca de duas semanas, um homem em uma motocicleta invadiu a Escola Municipal de Ensino Fundamental Timbaúva. Deu uma volta pelo pátio e foi embora. A suspeita é que estava à procura do filho de alguém, eventualmente envolvido com o tráfico ou, simplesmente, mostrar poder de força. A "visita" provocou pavor. Alunos relataram dores de barriga e professores precisaram servir chá para acalmá-los.
- A fronteira do crime organizado é infinita. Não respeitam mais escolas, igrejas nem hospitais. A violência é como água, vai escoando por onde consegue avançar - observa o sociólogo Juan Mario Fandino, do Núcleo de Estudos sobre Violência da UFRGS.
Atuando há mais de 10 anos em varas do júri da Capital, a promotora Lúcia Helena Callegari afirma que a violência no bairro é intensa e sem tréguas, e a lei do silêncio é mais forte do que em outras regiões:
- Testemunhas vão às audiências e ficam caladas ou desmentem o depoimento que prestaram à polícia.
As raízes desse fenômeno seriam maior oferta de drogas, combustível para a disputa por territórios, combinada com a dificuldade de punir criminosos. A Brigada Militar tem déficit de quase 40% no efetivo, e a Polícia Civil, por décadas, contou apenas com duas delegacias especializadas para investigar assassinatos na Capital. No fim de 2012, já eram seis DPs.
Até meados de 2009, 75% dos inquéritos de homicídios que chegavam ao Judiciário não apontavam autoria, lembra a promotora. A deficiência, constata Lúcia Helena, estimula a sensação de impunidade.
- Se passou muito tempo com estrutura policial precária - observa a promotora.
Para major da BM, ordem é boato
Uma viatura da BM amanheceu ontem em frente à Escola Municipal de Ensino Fundamental Timbaúva, atingida pelo toque de recolher de traficantes do bairro Mário Quintana, na Capital. Foi a resposta das autoridades à situação limite na região.
O efetivo de PMs foi triplicado, assegura o major André Ribeiro, comandante interino do 20º Batalhão de Polícia Militar, responsável pelo patrulhamento da área. É uma medida temporária, mas que não tem prazo para término. Durará enquanto prosseguirem os enfrentamentos de quadrilhas e as pessoas se sentirem intimidadas pelos criminosos, pondera o oficial da BM.
Ribeiro visitou ontem cinco das sete escolas do bairro e fez reuniões com diretores e representantes da Secretaria Municipal de Educação. O objetivo é tranquilizar alunos e professores, além de estancar a onda de boatos. Entre o que o major considera "exageros" está o toque de recolher:
- Nossa equipe de inteligência circulou pelo bairro e não constatou determinação de traficantes para que comércio e escolas fechem. Pode existir, mas creio que é mais boato do que informação concreta.
O oficial ressalta que, além da Patrulha Escolar e das três patrulhas convencionais do 20º BPM, o bairro tem duas Patrulhas Tático Móveis (Patamo), com armamento reforçado. Além disso, foram enviados cavalos para o policiamento nas estreitas vielas da região e até um helicóptero realizou sobrevoos de monitoramento. Ribeiro garante que desde o início do ano, o 20º BPM realizou 80 prisões, apreendeu 15 veículos e 28 armas.
Retratos da violência no bairro
Sequência de crimes assusta moradores (Foto: Adriana Franciosi)

- Em novembro de 2012, a BM descobriu um cemitério clandestino na região com seis corpos de supostas vítimas de traficantes. O lugar já servia como descarte de carros roubados.
- Uma guerra de traficantes matou seis pessoas em apenas dois dias, em janeiro de 2013. Um traficante foi executado no Hospital Conceição.
- No mês seguinte, um criminoso, foragido da Justiça, foi morto a tiros dentro de um ônibus lotado de estudantes ao meio-dia.
- Em abril de 2014, um adolescente de 15 anos foi espancado e executado a tiros depois de golpear à faca o peito do irmão de cinco anos em uma suposta briga doméstica.
- Em junho, o corpo de um homem foi encontrado esquartejado no Parque Chico Mendes.
- Há 10 dias, dois jovens envolvidos com um grupo de traficantes desapareceram do bairro Mario Quintana. Os responsáveis seriam de uma facção rival, e o pagamento do resgate, a entrega dos pontos de venda de droga por parte dos grupo ao qual pertencem as vítimas.
- Desde outubro, a região registra 10 assassinatos. Na madrugada de segunda-feira, Alexandro Ribeiro Mangold, 27 anos, teve o corpo esquartejado em seis partes. A cabeça e um braço foram deixados diante de uma parada de ônibus na Avenida Delegado Ely Corrêa Prado, um dos pontos mais movimentados do bairro.