Há anos arqueólogos cavam diligentemente, abrindo caminho entre as camadas pré-históricas, para revelar os segredos da caverna de Qesem. Localizada nos arredores de Tel Aviv e descoberta sem querer durante a construção de uma estrada no ano 2000, a caverna recentemente ofereceu pistas sobre a vida há centenas de milhares de anos, contraponto a pelo menos um aspecto da vida moderna. Parece que os primeiros habitantes da região adoravam a reciclagem - o que serve de importante lição para Israel.
- A reciclagem era um modo de vida, era parte da evolução e da natureza humana - disse Ran Barkai, professor associado no Departamento de Arqueologia e Civilizações Antigas do Oriente da Universidade de Tel Aviv que, juntamente com Avi Gopher, seu professor, vem pesquisando a caverna de Qesem desde que foi descoberta.
- Em algum momento, nos ensinaram a deixar esse hábito de lado - acrescentou.
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Depois de 14 anos, os arqueólogos penetraram cerca de dez metros abaixo do que foi o teto original. No percurso, encontraram milhares de ferramentas recicladas, incluindo martelos de ossos e pedras de sílex retrabalhadas. Com a superfície envelhecida desgastada por lâminas mais novas, as ferramentas de pedra eram parte de uma vasta coleção de facas aparentemente usadas para matar e limpar animais e cortar vegetais. Algumas são tão afiadas quanto um bisturi e do tamanho de uma unha.
A reciclagem era natural para esses primeiros humanos, um hábito negligenciado hoje em Israel, onde uma campanha de conscientização nacional veiculada pela TV mostra crianças fantasiadas de super-heróis roubando garrafas de plástico de seus pais. Amir Peretz, Ministro da Proteção Ambiental até novembro, estava prestes a avançar com projetos de legislação para eliminar o uso de sacolas plásticas nos supermercados israelenses; no entanto, a iniciativa foi engavetada quando ele renunciou, citando sua oposição ao orçamento do Estado para 2015 e a falta de negociações de paz com os palestinos.
No local onde fica a caverna, há evidências de que os seres humanos pré-históricos não foram sempre tão parcimoniosos, mas esse comportamento evoluiu. A vida na região remonta a pelo menos 1,5 milhão de anos, mas Barkai acredita que uma mudança drástica ocorreu aqui há 400 mil anos. Ele disse que, por alguma razão desconhecida, os elefantes que eram a principal fonte de alimento aparentemente desapareceram, levando a uma mudança no cardápio e no estilo de vida dos habitantes da caverna de Qesem, perto da cidade de Rosh Haayin.
Na busca pela sobrevivência, dizem os arqueólogos israelenses, os homens das cavernas da região começaram a caçar cervos em vez de elefantes. Ao mesmo tempo, descobriram as delícias de uma refeição caseira quente - e aparentemente inventaram o churrasco. Esses primeiros humanos tinham a inteligência para tirar o máximo de cada produto.
- Depois de cozinhar a carne e quebrar os ossos para extrair a medula, usavam os fragmentos de osso para criar ferramentas para cortar o próximo cervo - disse Barkai.
- Eles fecharam o círculo - ele disse.
A caverna fica cerca de dois quilômetros a leste do movimentado centro de Tel Aviv, a metrópole do Mediterrâneo. Ela foi exposta por acaso quando os operários que alargavam a estrada para o povoado de Ariel, na Cisjordânia, explodiram uma encosta, revelando o teto. Outro arqueólogo que por acaso estava nas proximidades, trabalhando em sua própria caverna, viu pedaços de rocha embalados com ossos e sílex e imediatamente percebeu que o sítio era pré-histórico.
A estrada foi desviada, mas até hoje a caverna enfrenta os caminhões que passam li ao lado. Ela agora está sob uma tenda, a apenas alguns passos da estrada de quatro pistas. Escadas e tábuas estreitas conectam os vários níveis do sítio arqueológico que foram expostos. Como não há escavação no inverno, muitas das descobertas foram removidas e levadas para laboratórios ou depósitos da universidade, mas fragmentos de sílex e ossos permanecem alojados em todos os recantos da terra bege da caverna.
A caverna causou agitação em 2010 quando foi noticiado que vários dentes encontrados por lá haviam fornecido evidência da existência do Homo sapiens, ou humanos modernos, 200 mil anos antes do que na África e antes do que em qualquer outra parte do mundo. Até agora, treze dentes humanos foram encontrados e Barkai disse que os habitantes podem ser uma espécie de elo perdido - mais avançados do que o Homo erectus e precursores do Homo sapiens e do Neandertal.
A última novidade vinda de lá foi a reciclagem entre os inovadores da Idade da Pedra, que viveram aqui entre 400 mil e 200 mil anos atrás. Esse fenômeno foi documentado há pouco em uma série de artigos que os professores de Tel Aviv escreveram com outros especialistas para o jornal acadêmico Elsevier Quaternary International, com títulos como "Reciclagem de ossos em meados do Pleistoceno: Reflexões de Gran Dolina TD10-1 (Espanha), caverna de Bolomor (Espanha) e caverna de Qesem (Israel)" e "A Função dos itens líticos reciclados na caverna Paleolítica de Qesem, Israel: visão geral sobre os objetos".
Os primeiros seres humanos tiveram que se adaptar ao seu ambiente em mudança - outra boa lição para o mundo moderno. Eles desenvolveram uma cultura independente, local, disse Barkai, que se estendia pelo território que hoje inclui a Jordânia, o Líbano e a Síria. Os caçadores precisavam ficar mais exigentes, ágeis e eficientes. Em média, 80 cervos eram necessários para se conseguir a mesma quantidade de alimento fornecida por um elefante.
Os habitantes das cavernas também colhiam nozes e pequenos frutos e juntavam madeira para o fogo. Esta área era uma espécie de Éden, com nascentes e sílex em abundância. Eles começaram a elaborar suas afiadas ferramentas de sílex, de acordo com especialistas, muito antes de seus contemporâneos humanos na Europa e África.
- Essa era a alta tecnologia do homem antigo - disse Barkai.
Em um local que já serviu de forno, camadas de cinzas endurecidas datam de 300 mil anos. Ali, a terra está repleta de fragmentos de ossos, incluindo a mandíbula de um cavalo com dois dentes da frente. Embora o uso esporádico do fogo existisse muito antes, a caverna de Qesem provou ser o sítio com as evidências mais antigas de seu uso sistemático para assar a carne diariamente - "como nós usando fogão a gás", comparou Barkai.
Os antepassados dos moradores de caverna provavelmente comiam carne de elefante crua. A organização da caverna era parecida com a de uma casa, ele disse, com diferentes recantos servindo como cozinha, área de trabalho e outra onde parecia que as crianças praticavam a produção de seus próprios instrumentos. O forno também parece ter servido como uma espécie de fogueira central. Barkai disse que provas do mesmo comportamento, tecnologias e métodos foram encontradas em locais distantes como a Síria e que deve ter havido algum tipo de comunicação entre os primeiros humanos da região.
- Não sei como. Não havia Wi-Fi, mas eles se conheciam - disse o professor.
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