A Comissão Estadual da Verdade do Rio (CEV-Rio) apresentou em audiência nesta terça-feira, prontuários médicos de três ex-presas políticas torturadas em 1970, durante a ditadura militar. Os documentos foram localizados no acervo do ex-presidente da República Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), que estava em uma sala trancada "não oficial" no prédio anexo do Hospital Central do Exército (HCE). Cópias dos documentos foram entregues às famílias das vítimas.
Um dos prontuários é o de Maria Dalva Leite de Castro, que ficou no HCE de março a junho de 1970. Hoje com 68 anos, ela fez um depoimento emocionado:
- O ditador Médici, qual um criminoso, orgulhoso de suas vítimas, colecionou em um livro de capa preta e letras douradas as provas de seu próprio crime - declarou durante a audiência.
Leia todas as últimas notícias de Zero Hora
Dalva relatou torturas com espancamentos, pau-de-arara, choques elétricos e afogamentos, entre outras práticas.
- Parece um troféu de psicopata. Porque psicopata é que faz isso. Mata as vítimas e coleciona. Era o presidente do Brasil, que guardou cuidadosamente prontuários de três jovens brasileiras para exibir como troféu. Isso me deixou num estado... Eu vivi os horrores da época. Quarenta anos depois ter uma notícia dessas é uma coisa que te deixa fora do ar. Estávamos sendo monitoradas pelo ditador de plantão. Não tem outra explicação - afirmou Dalva.
No prontuário de Dalva, que era apontada como "membro de organização terrorista", os militares descrevem seu estado: "os exames médicos revelaram que Maria Dalva não apresenta vontade de locomover-se, procura queixar-se de tudo e de todos, é impertinente e astuciosa, costuma ser acometida de pesadelos". Por causa das sessões de tortura, Dalva desenvolveu epilepsia e ficou quase seis meses sem conseguir andar.
Os outros dois dossiês localizados, de Abigail Paranhos e Vera Sílvia Magalhães, que teve participação no sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, foram entregues a parentes. O acesso a prontuários de presos políticos internados no HCE durante a ditadura já havia sido solicitado pelas comissões Estadual e Nacional da Verdade. Diante das negativas, o Ministério Público Militar realizou, com o apoio da Polícia Federal, em 14 de novembro, uma busca e apreensão no hospital autorizada pela Justiça.
Lá, foram encontrados dossiês com informações sobre integrantes das Comissões da Verdade e prontuários datados de 1940 a 1969 e 1975 a 1983. O presidente da CEV-Rio, Wadih Damous, disse que a comissão fará uma nova diligência no HCE.
- Era do conhecimento dos ditadores o que acontecia nos porões - disse Damous.
Dados podem levar a restos mortais de desaparecidos da ditadura
A Comissão Nacional da Verdade (CNV) localizou documentos que podem auxiliar na localização dos restos mortais de dois estudantes desaparecidos durante a ditadura. De acordo com André Saboia, secretário-executivo da CNV, há cerca de um mês foram encontradas fichas datiloscópicas de pessoas enterradas como indigentes no Rio de Janeiro. Com base nessas informações, a comissão espera chegar aos locais onde os corpos de Paulo Torres Gonçalves e Joel Vasconcelos Santos foram ocultados.
- Nós descobrimos esse fichário no Rio de Janeiro, que nunca tinha sido acessado. São várias fichas datiloscópicas - disse Saboia.
Com o cruzamento de dados como os das datas de morte, do desaparecimento e do laudo com a comparação das digitais foi possível identificar os cemitérios para onde os corpos foram enviados. Com isso, será possível investigar os livros dos cemitérios de Ricardo de Albuquerque e da Cacuia, para encontrar o local exato onde os restos mortais foram enterrados.
Paulo Torres Gonçalves desapareceu em março de 1969, depois de sair de casa para ir ao colégio. Joel Vasconcelos Santos fazia parte do Partido Comunista do Brasil (PC do B). Ele foi preso em 1971, próximo ao Morro do Borel, na Tijuca, e nunca mais foi visto.
Arquivos podem ajudar na busca por corpo de filho de Zuzu Angel
A CNV localizou também uma imagem que pode auxiliar na procura pelos restos mortais de Stuart Edgar Angel Jones, filho da estilista Zuleica Angel Jones, conhecida como Zuzu Angel. Segundo o perito da Polícia Civil e integrante da CNV, Mauro Yared, foram encontradas semelhanças entre uma foto de Stuart e outra tirada em 1976 de uma ossada achada em uma obra, no Rio. As imagens foram analisadas na Inglaterra.
O perito ressalta, porém, que ainda não é possível confirmar que a ossada era de Stuart, já que o laudo foi feito com base apenas nas imagens. Informações levantadas pela Comissão apontam que Stuart Angel pode ter sido levado para a Base Aérea de Santa Cruz, na capital fluminense.
- Não quer dizer obviamente que seja ele pelo relatório que recebemos da Inglaterra, mas eles não conseguiram fazer essa exclusão, e existiam semelhanças claras - declarou Yared.
Segundo o perito, as buscas pelos restos mortais de Stuart permanecem até que se identifique o local exato onde o corpo foi ocultado. Depois, a intenção é que a CNV peça a exumação dos restos mortais para confirmar a identificação. Stuart Angel começou sua militância na Dissidência Estudantil do PCB, que posteriormente passou a ser chamada de MR-8.
Nesta quarta-feira, a CNV entregará à presidenta Dilma Rousseff o relatório com o resultado de mais de dois anos de trabalho.
*Agência Brasil