Bruna Scirea
Pelo direito à moradia, um grupo de manifestantes trancou vias do acesso a Porto Alegre, no dia 8 de dezembro - uma segunda-feira -, e provocou transtornos no trânsito que se refletiram por toda a cidade. Moradores da Região Metropolitana perderam compromissos, trabalhadores não conseguiram chegar ao Centro, acumularam-se ônibus e carros - e tensão. A Capital parou. E o Fórum de Ocupações Urbanas da Região Metropolitana, criado em julho de 2014, atingiu o auge da sua visibilidade.
- O Fórum e a força dele foram devidamente apresentados - comemorou um dos manifestantes.
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Opinião: o direito de prejudicar os outros
Zero Hora conversou com lideranças do fórum e com o advogado que representa 35 das 40 ocupações do movimento e traz a visão dos integrantes sobre suas reivindicações:
O movimento reúne cerca de 40 ocupações, a maior parte delas se originou nos últimos dois anos em resposta ao que chamam de "inércia do poder público". São cerca de 15 mil famílias que, de acordo com o fórum, recebem entre um e três salários mínimos e viviam de aluguel ou então de favor em casa de familiares.
Impulsionados por um movimento que voltou com força em 2012, na zona norte de Porto Alegre, passaram a se organizar em cooperativas e associações e ocupar terrenos que consideram ociosos - ou no discurso que têm na ponta da língua: vazios urbanos, espaços que não cumprem sua função social, a de moradia.
- São espaços usados exclusivamente para especulação imobiliária. Estamos indicando vazios urbanos para o poder público, ajudando o governo a promover habitações - afirma Juliano Frippe, camelô e uma das lideranças da ocupação São Luiz.
No vídeo, confira o momento em que manifestantes receberam a notícia de que a reintegração de posse estava suspensa por 24 horas:
Em regra, vão chegando aos poucos, dividem o lote em outros menores, financiam casas pré-fabricadas de valor médio de R$ 7 mil, negociam água e luz com um vizinho que tenha um terreno regularizado na prefeitura e, se a proposta não for aceita, apelam para "gatos".
Constituem então uma comunidade e, a partir daí, todas as características poderiam ser as mesmas dos movimentos de moradia que há décadas enfrentam a questão do déficit habitacional no país (só em capital gaúcha, são 38 mil domicílios). Não fosse por novos elementos: essas recentes ocupações da Região Metropolitana juntam "mensalidade" de cerca de R$100 para contratar uma assessoria jurídica e passam a lutar judicialmente pela área, uma tentativa de negociá-la com os proprietários.
- O movimento está mais intenso também porque a Justiça está encontrando um outro tipo de ocupante. Cuido de cinco casos em que está sendo negociado o contrato de compra e venda com os proprietários, porque existem propostas. O judiciário gaúcho está vendo o interesse social das coisas e as decisões começam a mudar. Aí, claro, outras ocupações acabam entendendo como funciona o processo e se estruturam para fazer o mesmo - avalia Paulo René, advogado especialista em Direito Urbanístico que representa 35 ocupações.
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Na incerteza das decisões judiciais, os manifestantes dizem que novos protestos podem ocorrer, inclusive nos próximos dias.
- Essa foi a mobilização mais forte até agora, mas não foi a primeira, nem será a última. Enquanto a Justiça decretar reintegração de pose, vamos resistir. E, para resistir, temos que vir para a rua - afirma Frippe.
Confira onde estão algumas das ocupações que fazem parte do fórum:
HISTÓRICO
1. Em julho de 2012, mais de 100 famílias ocuparam um terreno no Rubem Berta, zona norte de Porto Alegre, dando início a São Luiz, a primeira das ocupações que hoje formam o fórum. Meses depois, era fundada, no mesmo bairro, a ocupação Marcos Klasmann, configurando o início de um movimento.
2. Enquanto a São Luiz e a Marcos Klasmann ganham força e se estruturam como cooperativas - cadastrando interessados e realizando o loteamento dos terrenos - outras grandes ocupações pipocam de forma autônoma em Porto Alegre, como a Nossa Senhora Aparecida, na Zona Norte, e a Morada dos Ventos, no sul da Capital.
3. A partir de 2013, cresce o movimento que segue, em regra, os seguintes passos: formação de um grupo interessado (geralmente pessoas que vivem de favor na casa de familiares, pagam aluguel e/ou estão na fila do Minha Casa, Minha Vida), ocupação de uma área considerada ociosa, divisão do terreno em lotes, instalação de água e luz (com consenso de vizinhos ou por meio de "gatos" - o DMAE e a CEEE só fornecem energia e água para terrenos regulares) e organizando lideranças para defesa e articulação da ocupação.
4. Diante da possibilidade de uma reintegração de posse no início de 2013, a ocupação São Luiz contrata um assessor jurídico, o advogado Paulo René, especialista em Direito Urbanístico, que passa a prestar atendimento técnico também às demais ocupações. Ele se encarrega de colocar as lideranças em contato, estudar a questão judicial de cada caso e as possibilidades de fomentar um movimento organizado.
5. Em julho deste ano, cerca de 40 ocupações - 35 delas aos cuidados de René, a maioria organizada nos últimos dois anos - se reúnem e formam o Fórum das Ocupações Urbanas de Porto Alegre. O objetivo é organizar o movimento e, a partir de estratégias (abaixo), articular forças para reivindicar o direito à moradia e derrubar decisões de reintegração de posse na Capital e cidades vizinhas.
Confira imagens do protesto no centro de Porto Alegre:
ESTRATÉGIAS
- Reuniões semanais entre lideranças das ocupações.
- Comunicação interna por meio de redes sociais e aplicativos, como o WhastApp, com o objetivo de difundir informações, tomadas de decisões e horário e local de manifestações.
- Encontros com órgãos públicos com o objetivo de chamar atenção para a questão da moradia na Região Metropolitana. Lideranças do fórum participaram, por exemplo, da produção do projeto de lei que visa transformar terrenos ocupados em áreas especiais de interesse social (AIES) em Porto Alegre.
- Fomentação de pautas específicas para o Judiciário, como a reivindicação, no Tribunal de Justiça, de uma vara especializada em conflito fundiário e o encaminhamentos de casos para um núcleo de mediação e arbitragem, que possa resolver negociações e agilizar conflitos extrajudicialmente.
- Organização em associações e cooperativas para que possam firmar uma proposta de compra durante a negociação com os donos dos terrenos.