O jovem se sentou de pernas cruzadas em um divã almofadado no palco ricamente decorado, cercado por outros monges jainistas envoltos em panos brancos. Seus lábios se moviam de vez em quando, as mãos repousavam em seu colo e seus olhos estavam fechados na maior parte do tempo.
Um locutor repreendia a multidão repetidamente por qualquer ruído. Do nascer do sol até o meio da tarde, integrantes do público se aproximavam do palco, um de cada vez, e mostravam ao jovem monge um objeto aleatório, um problema de matemática, e diziam uma palavra ou frase em uma de pelo menos seis línguas. Ele absorvia tudo silenciosamente, deixando as informações penetrarem sua mente, e os espectadores, em seus lugares, anotavam tudo.
Depois de seis horas, o 500º e último item era pronunciado - foi o número 100.008. Um silêncio ansioso tomou conta da multidão. Então, o monge abriu os olhos e calmamente recitou todos os 500 itens, em ordem, parando apenas uma vez para nomear algo que havia pulado. Quando acabou, e as anotações da plateia confirmaram seu feito, o clima tenso se dissipou e o locutor conduziu a multidão em uma série de cânticos triunfantes.
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A oportunidade de testemunhar tal façanha de memória atraiu uma multidão de seis mil pessoas ao estádio Sardar Vallabhbhai Patel em Mumbai, em novembro. A exibição foi parte de uma campanha para incentivar as crianças a meditar para ampliar seus recursos intelectuais, como monges jainistas fazem há séculos na Índia, um país dividido entre antigas práticas religiosas e outras ambições mais modernas.
Mas mesmo para os padrões jainistas, o jovem monge de 24 anos, Munishri Ajitchandrasagarji, é especial. Seu guru, P.P. Acharya Nayachandrasagarji, disse que, há anos, nenhum outro monge havia chegado perto de sua capacidade.
- A mente de Munishri é como um computador durante o download. Muitos processos podem acontecer em sua mente ao mesmo tempo, o guru disse em entrevista em um templo no centro de Mumbai, no dia seguinte ao evento.
Munishri contou:
- Como quando esqueci nº 81. Os outros processos continuaram e, mais tarde, aquele começou e eu me lembrei. Não é preciso nenhum esforço. Eu sou simplesmente capaz de extrair coisas do meu subconsciente, onde armazeno tudo.
No entanto, acredita que o poder da mente é diretamente proporcional ao sacrifício e ele e seu guru se sacrificaram bastante. O guru, agora com 58 anos, disse que trabalhou em uma oficina de corte de diamante quando era jovem, mas aos 23 anos, se desiludiu com o mundo material e renunciou a ele, inclusive sua família e sua profissão.
Três anos mais tarde, fez voto de silêncio e solidão quase completos e começou a vagar descalço por toda a Índia, vivendo de esmolas, cantando, rezando e traduzindo escrituras jainistas do sânscrito para o gujarati. Passou por Unjha, cidade no estado de Gujarat, em 2000, onde Munishri Ajitchandrasagarji era um menino de 10 anos de idade, conhecido como Ajay.
O guru impressionou tremendamente o menino, que acabou ganhando a bênção de sua família para se juntar a ele em suas viagens, e dois anos mais tarde, também, começou uma vida de solidão itinerante, meditação - e memorização total.
Munishri Ajitchandrasagarji memorizou mais de 20 mil versos das escrituras jainistas, disse o guru, acrescentando que, na privacidade do templo, ele consegue reter até 800 itens aleatórios em ordem. O monge não se considera especialmente dotado, ou algum tipo raro de gênio.
- Eu sacrifiquei tudo, e é por isso que consigo. Qualquer um pode conseguir, não é um milagre. Minha mensagem é a seguinte: quando descobrir sua própria capacidade, quando se livrar das distrações, verá que o poder da sua mente é imenso, ele disse.
Muitos seguidores do Jainismo foram bem sucedidos na política, ciência e negócios na Índia, particularmente no setor de diamantes. O evento de memorização foi financiado por um grupo privado sem fins lucrativos chamado Fundação de Pesquisa Saraswati Sadhna, com doações de uma longa lista de benfeitores jainistas. A fundação diz que mais de 14 mil crianças receberam treinamento de meditação em seus centros e que o objetivo é chegar a um milhão de crianças nos próximos 10 anos.
O Jainismo é a menor das grandes religiões organizadas da Índia, com cerca cinco milhões de adeptos. Alguns fiéis veneram deuses e deusas que os hindus também idolatram, incluindo Saraswati, a personificação do conhecimento, da criatividade e da iluminação intelectual.
Munishri Ajitchandrasagarji segue um método de memorização centralizado na devoção a Saraswati. Um administrador da Fundação, Girish Shah, disse que, para a Índia, país cujo sistema de educação é amplamente baseado na memorização por repetição, a meditação é uma forma de fortalecer a mente, para que as horas que os alunos passarem estudando sejam proveitosas.
- Memória, QI, capacidade de concentração, interesse em estudar e elevação moral sempre aumentam com a meditação. Ela oferece muitas vantagens práticas aos jovens, Shah disse.
Quatro outros jovens discípulos do guru do Munishri também realizaram proezas de memorização, mas até agora chegam a apenas 100 ou 200 itens. Munishri está tentando chegar aos mil. Citando um texto histórico pouco conhecido, o guru contou que a última vez que alguém conseguiu essa façanha foi na corte de Subahdar de Cambaia, seis séculos atrás.
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