
A menos de três semanas do fim do ano, é inevitável que comece a sessão retrospectiva. Num ano agitado, principalmente para o Brasil, é até difícil lembrar de tudo de importante que aconteceu. Por isso, pedimos ajuda para personalidades da política, cultura e empresariado do Rio Grande do Sul. Aqui, eles escrevem sobre o tema "o 2014 que eu vi".
Confira os textos abaixo:
Humberto Gessinger, músico, líder dos Engenheiros do Hawaii
"2014 começou com a perda dos mestres Nico Nicolaiewsky e Giba Giba e terminou com a partida do Alemão Luciano Leindecker. Seria o suficiente para condená-lo a ser lembrado como um ano infeliz para a música gaúcha, não fosse nossa obrigação de ajudar a vida a ser um lance bacana. Sim, às vezes ela precisa de um empurrãozinho pro lado certo. Um canhão de luz mirando as coisas boas.
E muita música boa foi feita em 2014 no Estado! Por uma molecada que está começando e por veteranos que estão começando a entender como funciona um mundo pós-indústria-fonográfica, com uma mídia fragmentada e de mão dupla.
Particularmente, desde que caí na estrada, raras vezes iniciei um ano tão esperançoso e feliz com minha arte e ofício quanto iniciarei 2015. Espero que todos os colegas estejam nessa vibe quando erguerem as taças para o brinde do dia 31. Não podemo se entregá pros homi, amigo e companhero!"
Daniel Galera, escritor de Barba Ensopada de Sangue
"Não sei se é apenas a tendência de cada geração de pensar que os anos de sua juventude foram os últimos antes da derrocada final de tudo, ou se meus 35 anos de idade combinados com certas leituras pessimistas mudaram minha forma de perceber o mundo, mas o que vi em 2014 foi uma certa tensão pré-crise e um clima ominoso de desgaste civilizatório. Foi o ano em que o verão tórrido, a ausência de inverno, a seca no Sudeste e diversos outros sintomas fizeram até os céticos e indecisos começarem a temer as consequências da mudança climática. O ano em que o crescimento do consumo e da população desafiou seriamente a ideologia de que os avanços tecnológicos nos salvarão para sempre de nossos impulsos irracionais de crescimento econômico e proliferação infinitos. Em que muita gente saiu da pobreza apenas para se promover a uma classe média desqualificada e maltratrada pelo Estado capitalista. Jogo sujo em campanhas políticas e corrupção sistêmica não são novidades, mas ganharam contornos mais nítidos. Ficando em Porto Alegre, não lembro de ter visto esta cidade tão suja e com tantos moradores de rua. Não conheço ninguém que não tenha sido assaltado. O comércio no meu bairro passou o ano instalando grades de proteção em calçadas antes disponíveis aos cidadãos. O consolo é que parece haver uma geração mais jovem consciente e preocupada com muitos desses problemas. Somos cada vez mais narcisistas, e o uso egoísta dos nossos direitos é um traço cultural que parece não ceder nunca, mas vejam essas pessoas ocupando praças e velhos prédios para tentar transformá-los nos espaços de convívio que sempre deveriam ser, pessoas preocupadas com sustentabilidade, debochando dos preconceitos sexuais e raciais que nos marcam. Eu dispensaria o politicamente correto, como também dispenso o moralismo, mas 2014 também é o ano em que enxerguei alguma esperança em gente mais jovem que eu. Que não sejam ideais quixotescos, os dessa gurizada, ou sei lá, estamos enrascados."
Tarso Genro, governador do Rio Grande do Sul
"O ano de 2014 foi um ano atípico para todos os gaúchos, pois foi aquele em que foram sentidos todos os efeitos da crise econômica mundial, com as consequentes reduções nas taxas de crescimento do país e do Estado. O crescimento que esperávamos foi bom e forte na agricultura e nos serviços, comparativamente ao país, mas medíocre na indústria. Mas o mais importante: o emprego, o aumento da renda dos gaúchos, e a alocação de empresas de alta qualificação tecnológica - de fora do Estado e do país - foi excelente. E isto quer dizer - sem a menor sombra de dúvida - que reagimos muito bem perante a crise. O ano de 2014 será lembrado, também, como o ano em que implementamos a primeira grande mudança nas condições da dívida pública do Rio Grande. Um feito extraordinário, que agora precisa ser dirigido, com força política e energia, para um novo momento, que será tão difícil de construir como foi aquele primeiro passo: ou seja, agora, reduzir as prestações mensais da amortização da dívida para dar folga de caixa imediatamente ao novo governo. Finalmente, embora não tenhamos conseguido esvaziar o Presídio Central, esta chaga medieval que atormenta o Estado há mais de 50 anos, 2014 também será lembrado como o ano em que ela começou a ser apagada e que foi, finalmente, encaminhada a solução deste grave problema da nossa segurança pública. Para nós, do governo, também será lembrado o ano de 2014, como aquele em que o povo gaúcho, mais uma vez, democraticamente resolveu mudar de rumos para responder aos nossos problemas comuns. Veremos nos próximos quatro anos."
Carla Tellini, headchef do grupo Press Gastronomia
"2014 foi para mim um ano de muitas surpresas. Uma Copa do mundo surpreendentemente linda e pacífica - e uma terrível derrota. Uma Polícia Federal eficiente, atuante e descomprometida com a política - e a vergonha ao ver a Petrobras despencar em meio a tanta corrupção. Uma eleição democrática como merecemos - e uma boa parcela desmemoriada da população pedindo a volta dos militares ao poder. Milhares de pessoas das mais variadas nacionalidades caminhando em festa pelo lindo Caminho do Gol - e algumas mulheres correndo nuas pelas ruas de Porto Alegre. Termino 2014 com a certeza de que 2015 será um ano igualmente desafiador e ainda mais surpreendente!"
José Fortunati, prefeito de Porto Alegre
"O ano de 2014 colocou Porto Alegre definitivamente no mapa mundial, por realizar, junto com as demais sedes, a Copa das Copas, com iniciativas inéditas, como o Caminho do Gol, premiado com o Top de Marketing. As inesquecíveis imagens da onda laranja, descendo a Borges de Medeiros, rumo ao Beira-Rio, ficarão para sempre em nossa memória. Mas as conquistas não pararam aí. 2014 também foi o ano da concretização de um sonho, com o início da primeira fase do projeto do metrô; das 14 obras que mudarão a cara da cidade, e a conclusão da etapa mais importante do PISA (Projeto Integrado Sócio Ambiental). Um ano que entrará para a história como aquele em que estamos em plena realização da primeira licitação para o transporte coletivo da Capital, em quase um século. Apesar de todas as dificuldades orçamentárias, Porto Alegre tem respondido com medidas positivas aos seus desafios, tendo recebido também o Prêmio Cidade Sustentável e o de Cidade Inteligente nas últimas semanas."
Rui Spohr, estilista
"O ano foi difícil. Tivemos de engolir um inimaginável 7 a 1 e descobrir que o mensalão era apenas o começo de todo um rol de decepções e preocupações. Profissionalmente, enfrentamos Nova York, Miami e outros mercados como concorrência, atraindo um novo e deslumbrado consumidor. Isso assustou e abalou a muitos, incluindo o mundo da moda, em especial a área infantil. Como para toda a ação há uma reação contrária, chegamos ao final do ano com otimismo. Unimos as mãos, repensamos os rumos e pudemos contar com o apoio de nossos melhores colaboradores e juntos retomar a rota do otimismo. Sabemos que tudo passa, que o fantasma de Nova York foi um susto passageiro. Nosso cliente não se deslumbra. Constatamos que nossa verdade aqui no Sul é realmente mais europeia. É um público que valoriza a excelência de atendimento, a prestação de serviço e a qualidade do produto que recebe, isso conta muito e não tem comparação com o que é oferecido no mercado externo. Entre o melhor e o pior de 2014, fico com o melhor: a união, o dar as mãos e se reinventar, se redescobrir. Vamos para 2015 com muita fé na recuperação de nossa economia, mais fortes, mais otimistas e renovados. Feliz ano novo!"
Fabrício Carpinejar, escritor e colunista de ZH
"2014 foi o ano estilhaçado. Ano do tumulto, da revolta, ano que o sangue estava quente e vai fervendo para 2015. Brasil recebeu uma Copa do Mundo, Porto Alegre - assim como no Fórum Mundial - comprovou sua vocação turística internacional, facilitou a vida dos alemães, argelinos, franceses, argentinos com o Caminho do Gol. Foi um ano eleitoral, em que a oposição acordou, e o país se dividiu fragorosamente, despertando preconceitos regionais antes extintos. Foi um ano em que Grêmio e Inter perderam chances de obter um Brasileirão fácil. Foi um ano em que descobrimos que a compra da refinaria americana de Pasadena era um dos menores escândalos da Petrobrás - a euforia do pré-sal de 2013 terminou soterrada pelo maremoto da corrupção de diretores, lobistas e deputados. Foi o ano em que Diana Corso publicou seu primeiro livro de crônicas com um título pra lá de sugestivo: Tomo Conta do Mundo. É o que devemos fazer urgentemente."
Leia todas as colunas de Fabrício Carpinejar