Rodrigo Lopes
Há um lugar em Havana onde a revolução iniciada na última quarta-feira, com o anúncio histórico de Barack Obama e Raúl Castro, não ecoou. Pelo menos aparentemente. No antigo Palácio Presidencial, a cortesia e os gestos de aproximação dos dois presidentes em seus pronunciamentos na TV são substituídos por expressões como "agressão ianque", "ditadura imperialista" e "golpismo praticado pela CIA", termos que remetem aos odiosos dias da Guerra Fria.
Aqui, o regime está sólido, impenetrável. E o ódio que vigorou por 53 anos é concretizado pelos objetos. O prédio imponente encravado em Havana Velha, próximo ao Malecón, abriga o Museu da Revolução. É assim, com "R" maiúsculo, que o governo refere-se à guerra de 1959, quando as tropas de Fidel Castro, Ernesto Che Guevara e Camilo Cienfuegos tomaram, de assalto, Havana, invadindo o palácio pela porta sul, cravejada ainda hoje de tiros, para derrubar a ditadura apoiada pelos EUA.
Dia seguinte ao anúncio foi de expectativa nas ruas de Havana
Na entrada do museu, um dos exemplos das tantas diferenças de tratamento entre cubanos e estrangeiros - raramente favorável aos cubanos: o ingresso para turistas custa 8 pesos (algo como US$ 8); os cubanos pagam menos da metade. Em poucos lugares de Cuba o cidadão tem mais vantagens do que o estrangeiro. Em geral, a casta dos turistas, cada dia mais presente, tem direito à internet, à TV a cabo e à comida de boa qualidade, algo renegado à maioria dos cubanos.
À luz dos novos fatos, observar o passado heroico que o regime propagandeia confunde os visitantes. Vive-se hoje em uma país onde vigoram ícones da Revolução tão esmaecidos pelas realidades dos últimos dias quanto as fotos do museu. Estão aqui reproduções de imagens de Fidel e Che em Sierra Maestra e de momentos como a assinatura do decreto de estatização de todas as empresas estrangeiras.
Figuram em um local emblemático, o gabinete de Fulgêncio Batista, "o lugar onde se referendaram os mais antipopulares, pró-imperialistas e macabros decretos e leis que regeram vida nacional antes de 1959", conforme a descrição na porta. Relíquias de um movimento que inspirou a esquerda nos anos de Guerra Fria, a boina preta e o fuzil de Che e o cape verde-oliva de Fidel são atrações na entrada.
Também figuram bonecas usadas pelos guerrilheiros para transportar mensagens estratégicas e saias em que as mulheres escondiam armas. Na área externa do prédio, aos fundos, por onde entraram os rebeldes em 13 de março de 1959, uma estrutura destoa da arquitetura espanhola do palácio.
Assinado pelo arquiteto Eduardo Losada, a área é um grande memorial. Guarda veículos militares, como o tanque usado por Fidel no disparo a um navio americano, Houston, e destroços da fuselagem de um bombardeiro B-26 americano, abatido em 1961. A joia castrista é uma reprodução da lancha Granma, usada pelos rebeldes que saíram do México para invadir Cuba. A operação terminou em fracasso - quem não foi morto, acabou preso. Mas é considerada o início da Revolução.
Aproximação de Cuba e EUA: um passo na abertura dos países comunistas
Quanto o anúncio de Obama e Castro, na quarta-feira, encerra este período de rixas que para gerações pareceram eternas? São dúvidas que estão nas cabeças dos turistas que passam pelo museu, com câmeras fotográficas, com gestos muitas vezes irreverentes, que destoam da sisudez dos militares que fazem guarda em frente aos veículos.
- Afaste-se - gritou um militar para uma turista chinesa.
Ela posava para foto, fazendo um "V" de vitória, perto demais de um caminhão de entrega de comida - supostamente utilizado pelos rebeldes para fazer ingressar tropas no interior do palácio, em 1959. Passado e presente se misturam muitas vezes na história, mas em poucos momentos eles estão tão fundidos quanto nesses dias em Cuba: vive-se de um passado heróico, presencia-se uma prometida abertura, mas nem estrangeiros nem cubanos sabem para onde mira o futuro.
- Cuba vai mudar muito rápido. E tenho medo disso. Olhe esses carros: são velhos. Daqui um, dois anos, não vão ser suficientemente bons para tantos turistas que irão chegar. Então, serão comprados novos, dos EUA, da Europa - diz a francesa Nadine Guichard, de Paris.
Eoin Wynne, de Galway, Irlanda, está há 32 dias em Cuba. Viu a festa dos cubanos na quarta-feira, e acredita que a mudança será positiva.
- Veja aquele restaurante (aponta para um bar ao lado do museu). Se você pedir um refrigerante ali, eles darão copos, te tratarão bem. Os cubanos não têm dinheiro para comprar. É um país pobre.