
Zero Hora ouviu Elena Lazarou, professora da Fundação Getúlio Vargas e pesquisadora visitante do Instituto Helênico de Política Externa, de Atenas, Grécia, sobre as eleições deste domingo:
Como a senhora definiria o quadro político que vai culminar com a eleição?
Em primeiro lugar existe a análise, a questão de qual tipo de governo vai surgir depois de domingo, qual estrutura do governo. A segunda questão são os objetivos, qual vai ser a estratégia dos dois principais partidos, o Syriza e o Nova Democracia. A terceira questão, talvez, seja o que isso significa para a União Europeia e para a Grécia dentro da União Europeia. Então, acho que tem três categorias interligadas, mas também diferentes. Começando pela estrutura, pela análise das eleições do domingo. No momento, com base de análise de pesquisas de opinião, existe uma certeza de que o primeiro partido vai ser o Syriza. Isso, sem dúvida, apesar de ser um acontecimento em que todas as pesquisas de opinião erram, mas parece que é muito certo que o Syriza vai ser o primeiro partido.
Existe algum instituto que não esteja mostrando o Syriza em primeiro lugar?
Não. Só que temos grandes diferenças entre os percentuais de diferença entre o Syriza e a Nova Democracia. Eu tenho visto diferenças de entre 2,5% até 5% ou 6%. Existem, informalmente, vários rumores, eu diria, de que a atual diferença seria superior 6%, mas isso não tem sido mostrado em pesquisas de opinião. São vários rumores, não é uma coisa que eu tenha visto como pesquisa. Não existe nenhuma pesquisa de opinião que diga o oposto. Agora, dependendo dessa diferença, existe a questão de se o Syriza vai conseguir formar um governo autônomo, independente, ou seja, sem fazeruma coalizão com os outros partidos. A legislação eleitoral grega diz que o primeiro partido ganha 50 cadeiras no parlamento. Então existe essa questão se vai conseguir um percentual do número de votos que, adicionado aos 50 assentos que vão ganhar por ser o primeiro partido, vão conseguir um número de cadeiras acima de 151 dentro do parlamento, o que garantiria uma independência. Parece que isso não vai acontecer. Nas pesquisas mais otimistas sobre o Syriza, parece que vai ter, no máximo, 146. Então, não vai conseguir formular um governo autônomo. Daí para a frente, existem questões ligadas às coalizões que o Syriza pode fazer. Porque o Partido Comunista, que é mais à esquerda do que o Syriza, tem declarado muito abertamente que não compartilha as posições do Syriza. Os outros partidos socialistas, o Pasok, e o novo partido do antigo primeiro-ministro (Georgios) Papandreu também não compartilham as posições do Syriza. Então toda população tem a ver com o partido ToPotami, que é um partido do centro, um pouco centro-esquerda, criado nas últimas eleições do Parlamento Europeu, e que parece estar pronto para colaborar com qualquer dos dois que ganhe, na base de algumas posições do próprio partido, mas, realmente, é um partido que parece mais provável para uma coalizão com qualquer dos dois, e que também está na luta para ganhar a terceira posição. Parece que vai ser ou o ToPotami ou a Aurora Dourada, que apareceu bastante na imprensa brasileira nos últimos anos.
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A Aurora Dourada deve fazer, de acordo com as pesquisas, um percentual de que tamanho?
5,2%, pelo que me lembro. O que é interessante é que a Aurora Dourada, nas pesquisas, aparece estar exatamente no mesmo nível do ToPotami. É uma competição pelo terceiro lugar. E existe uma outra questão: dependendo dos percentuais dos três primeiros partidos, é possível que entrem três ou mais partidos no parlamento. Isso significa que, em caso de poucos partidos no parlamento, o Syriza vai ter menos opções de colaboração e de coalizão. No caso de os votos serem mais distribuídos entre o quarto, o quinto e o sexto partido, pode ser que existam mais opções de colaboração e coalizão.
Agora a questão da estratégia dos partidos. Me parece que, como se diz no Brasil, a bola está com Syriza neste momento.
Parece que é. Eleições são sempre imprevisíveis. Em primeiro lugar, é importante dizer que, na Grécia, estamos vivendo uma situação muito dinâmica. Todos os dias há novos anúncios de de planos, de estratégias, então é tudo muito dinâmico. Todos os dias há posicionamentos dos vários candidatos sobre os planos. O que eu acho que diferencia bastante o Syriza e a Nova Democracia é essa posição do Syriza de rejeição do memorando de colaboração, o acordo com a Troika. Eles rejeitam esse acordo.
Eles não consideram a possibilidade de haver uma mudança pontual no acordo?
Eles rejeitam o acordo inteiramente e propõe, uma nova negociação com a União Europeia. Eles consideram ilegal essa implementação das medidas previstas dentro do acordo. Então, o que o Syriza propõe é uma renegociação com a União Europeia, um corte da dívida negociada com a União Europeia. E também existe uma ênfase na retórica do Syriza sobre o fato de que as medidas macroeconômicas previstas não são realistas, então não é possível ter a expectativa de que a Grécia vai conseguir atingir as medidas que agora são previstas para os números macroeconômicos. Em segundo lugar, eles discordam da posição de que qualquer superávit da economia grega deve ir para o pagamento dos empréstimos antigos. Eles dizem que, se existem ganhos no superávit público na Grécia, isso deve ser gasto dentro da Grécia, não para pagar a dívida.
O que diz Nova Democracia em relação ao acordo?
Nova Democracia diz que o país está muito perto de conseguir fechar os compromissos do acordo já feito, com as reformas que já aconteceram, que incluíam alguns cortes no setor público, alguns impostos, mas também uma grande ênfase na atração de investimentos estrangeiros que já conseguiram atingir várias das medidas e compromissos exigidos. Isso significa que logo vai fechar essa parte da grande austeridade grega com resultados que vão satisfazer a troika e isso significará um refinanciamento da economia grega, vai significar que os bônus do governo grego vão ter uma capacidade de ser vendidos e ter uma capacidade de criar dinheiro público e que isso vai significar que vão poder, também, diminuir a austeridade e os impostos que foram criados. Agora vai começar a fase de maior crescimento.
Claramente, essas duas posições significam que o eleitorado está diante de uma opção política que pode implicar, ou não, a permanência do país na zona do euro. Nós assistimos no ano passado, por ocasião do plebiscito de independência da Escócia, uma ação muito forte da parte não só de Londres, mas das grandes companhias e dos grandes bancos escoceses, dizendo que, caso a independência fosse aprovada, haveria desinvestimento, fuga de grandes companhias e desemprego. Esse tipo de retórica tem sido utilizado no caso da Grécia?
Claro que tudo isso que você descreveu faz parte do discurso existente, eu acho que justifica muito e explica muito porque existe uma parte da população que, mesmo tendo sido vítima da austeridade como todos, ainda continua querendo um governo da Nova Democracia, ou uma coalizão da Nova Democracia porque, realmente, o discurso de uma saída da Grécia, não da União Europeia, mas mesmo da zona do euro, significaria, primeiro, uma grande grande desvalorização de qualquer moeda nova, ou seja, uma incapacidade do país de importar, o que é um grande problema para a Grécia, que não produz tudo de que precisa. Também uma instabilidade econômica, o que significaria uma fuga de investidores estrangeiros, que seria um grande problema para as empresas gregas. Então, tudo isso que você descreveu já faz parte do grande medo que existe no momento aqui e que leva a uma discordância com as políticas do Syriza, que criam essas dúvidas sobre se uma política baseada nas linhas do Syriza vai conseguir manter a Grécia dentro da zona do euro, porque não há nenhum sinal de que os europeus vão aceitar o que o Syriza propõe. No caso de isso não acontecer, uma possível saída da zona do euro ou da União Europeia, vai ter todos os resultados que você descreveu. E até posso adicionar que a Grécia tem tido sorte: por razões geopolíticas, tem atraído investimento de países como China e Arábia Saudita, porque, geopoliticamente, a Grécia constitui um lugar, é o único país dentro da União Europeia que também constrói uma ponte entre Oriente Médio, Ásia e União Europeia, fazendo parte da União Europeia e da zona livre de comércio que a UE é e da zona do euro. Toda essa grande importância geopolítica que a Grécia tem é ligada ao fato de a Grécia ser membro da União Europeia. Então existe um grande medo de que investidores chineses, investidores da Arábia Saudita, de países da Ásia podem sair da Grécia se a Grécia não oferece mais esse benefício de acesso aos mercados europeus.
A senhora conhece o Brasil, um país governado desde 2002 por um partido de esquerda que já teve um perfil que se não é exatamente igual, é semelhante ou foi semelhante em seu início nos anos 1980, pelo menos do ponto de vista ideológico, ao que é o Syriza hoje. O PT questionava diretamente não apenas os acordos, mas a legitimidade da dívida externa brasileira. As primeiras eleições de Lula foram marcadas por essa posição de suspensão, auditoria, inclusive moratória e não pagamento da dívida. Como a senhora compararia o Syriza em relação à esquerda brasileira? Como a senhora explicaria o fenômeno Syriza à luz do exemplo brasileiro?
É interessante que você pergunte isso, porque teve na semana passada um relatório do Banco da América, o Merrill Lynch, que argumentava que o Tsipras pode surpreender os mercados internacionais se ele seguir o exemplo do Lula. Mas o que eles estavam dizendo, para quem leu o relatório inteiro, é que o Lula foi eleito numa plataforma do espelho que você descreveu, mas, na verdade, quando sendo governo, implementou políticas de privatização, abriu mercado para investidores estrangeiros. O Lula como presidente não seguiu a mesma plataforma do Lula candidato. Eu acho que, nesse sentido, é muito possível que o único jeito do Syriza governar, assim que for eleito, seria fazer uma política muito mais moderada do que foi descrito na retórica na época pré-eleitoral. Agora, essas comparações com o Brasil e outros países da América Latina, o populismo latino-americano, têm ganhado muito espaço na Grécia, na mídia, nos eventos, no discurso do próprio partido, na verdade, as referências no Brasil, na Argentina, até na Venezuela, foram feitas pelos próprios membros do partido Syriza como exemplos. Na minha opinião, talvez ideologicamente, vêm de uma direção muito parecida. Vale a pena mencionar que a Grécia também tem um passado muito polarizado, de ditadura, de guerra civil nos anos 1930, então, a ideologia é a mesma. Mas a comparação deve parar aí, porque a Grécia não é o Brasil. É um país que não produz commodities, que no momento não tem nenhum jeito de manipular a moeda, moeda que faz parte de uma união monetária. Quando o Lula foi eleito era um tempo muito benéfico no cenário internacional para o Brasil. As importações da China, commodities, o clima econômico foi bom. Aqui não existe. A Grécia não é um país que produz e não existe esse clima favorável no momento para comércio internacional. Então, eu acho que o que o PT fez de aproveitar o clima econômico para basear política social nas exportações não pode acontecer aqui. Existe outra coisa também: se você olhar o PIB per capita do momento aqui na Grécia e o do Brasil na época da eleição de Lula, vai ver que a diferença é enorme. É um país totalmente diferente. Essas comparações, mesmo para o Syriza, que utiliza a América Latina como exemplo, não presta a atenção nos fatos muito importantes que diferenciam os países.
Como a senhora definiria Tsipras como indivíduo, do ponto de vista da sua história, e como político nesse momento? Que tipo de político é Alexis Tsipras?
Tsipras é um figura muito interessante. Primeiro, não tem nenhuma filiação com uma grande família da política grega. E isso é uma inovação, porque a maioria dos políticos gregos que foram candidatos fortes para primeiro-ministro desde a década de 80, na verdade desde a democratização, tem sido parte de uma grande família de políticos conhecida. Em segundo lugar, é um grande diplomata, no sentido de que conseguiu pegar um partido de 3%, muito dividido, e conseguiu aumentar muito a popularidade e resolver, até certo ponto, as diferenças dentro do partido para unificar as várias vertentes, as várias correntes dentro do partido. E nesse sentido o Syriza é muito parecido com o PT, na minha opinião. Existem dentro do partido várias correntes diferentes, porque o partido original era chamado Synaspismos. O Syriza é uma versão nova do Synaspismos. E Synaspismos significa coalizão, porque era uma coalizão das forças da esquerda. Então, ele conseguiu criar um partido com coesão. Ele é um grande diplomata dentro do espaço da esquerda. Ele é carismático como pessoa. Não fala tão bem, mas tem uma capacidade de se relacionar com uma parte da sociedade grega menos privilegiada. Eu acho que ele cria uma afinidade. Fala no singular, informalmente. Tem essa característica. Ele saiu do movimento da extrema esquerda da universidade na Grécia, uma universidade pública com muito espaço de criação de juventudes dos partidos. Foi um desses jovens muito ativos dentro dos partidos da extrema esquerda na universidade. Então, ele tem um passado, uma trajetória longa no espaço da extrema esquerda, eu diria.
Como a senhora define neste momento a atitude dos governos europeus, da União Europeia em relação ao Syriza, especialmente eu pediria que a senhora explorasse as possíveis nuances. Porque a gente conhece, ouve muito, o discurso da chanceler alemã, que é um discurso ortodoxo que representa o eixo da política europeia, mas há setores que seriam mais permeáveis, mais propensos ao diálogo?
Antes de responder, eu gostaria só de adicionar uma coisa que eu disse antes sobre o Tsipras, porque eu acho que é importante mencionar. Ele também tem muito característico de política não de estado, ou seja, uma pessoa como vários membros do partido dele. Os políticos de mais experiência estão mais moderados no discurso na Grécia. Eu acho que o Syriza tem uma dinâmica, uma forma que por um lado inspira uma grande parte da população e do outro lado vem de uma falta de experiência com a política e os problemas reais. E eu acho que ele também tem esse otimismo, de não ter sido testado. Acho que isso também é uma grande diferença também entre o Syriza e os outros partidos que já tiveram ministros e etc. Agora, sobre a questão de europeia. Eu acho muito nebuloso clima, porque temos visto estas declarações do governo alemão que você mencionou, mas de um outro lado, existem vários lados do esquema europeu que apresentam discursos diferentes. Por exemplo: dentro da união europeia como um todo, existem forças, dentro do Parlamento europeu, particularmente, que estão argumentando que a Grécia sim, precisa de um corte na dívida porque não pode sobreviver assim. Então existe uma parte do Parlamento europeu, o Martin Schulz também teve essa visão, que parecem estar prontos para negociar. Então, existe um nível europeu, que até o momento me parece ser muito diplomático em relação a uma possível renegociação, mas dos membros individuais - da Alemanha, da Áustria, de cada país - eu acho que lá existe uma grande reticência, uma grande falta de vontade de ajudar a Grécia, de flexibilizar os termos de relação com a Grécia, de ajudar mais financeiramente, de prolongar a dívida. Eu acho que existe um cansaço no nível nacional dos estados europeus com a Grécia e isso porque no nível nacional, especialmente nos países mais ricos, uma ajuda adicional na Grécia significa um peso nos cidadãos. E nos períodos eleitorais isso pesa muito, a ideia que o cidadão alemão tem de que, por exemplo, pagar parte dos impostos alemães vai ajudar a Grécia novamente. Então, eu acho que o nível nacional dos membros individuais é muito diferente que a reação no nível das instituições europeias. Como isso vai desenvolver, eu não sei. Ontem ou anteontem a Marina, da França, que é uma força da extrema direita, disse que ela estaria muito satisfeita se o Syriza ganhasse as eleições, o que parece totalmente paradoxo. De outro lado, a Marina argumentou que uma vitória do Syriza seria uma demonstração de que a União Europeia não funcionou bem. Então, para ela, a extrema direita pode achar alguns pontos de como, com o Syriza, a Europa não achou o melhor jeito de gerenciar a crise. Então, é uma coisa muito complexa. Quando nós chegamos no ponto da extrema-direita francesa apoiar um partido como o Syriza, eu acho que as ideologias e os interesses estão tão misturados e os níveis estão tão complicado e interligados que é impossível saber qual será a reação depois.
Mas parece ao mesmo tempo que é uma situação que não é inédita no caso da Europa e eu tenho em mente especialmente os anos 20, após o Tratado de Versalhes que foi questionado, assim como a Liga das Nações, tanto pela extrema direita como pela extrema esquerda de todos os países europeus. Essa percepção de que a União Europeia é um mecanismo que não funcionou não apenas no caso da Grécia, mas não funcionou de uma maneira geral, está mais presente na sua opinião?
Não é só em minha opinião, com certeza as análises e pesquisas de opinião da União Europeia, o European Barometer, tem mostrado que o euroceticismo cresceu bastante nos últimos anos, especificamente nos anos depois da crise. Então não é uma opinião, isso é uma verdade. De outro lado, a Grécia sempre era um dos países mais pró-europeus dentro da União Europeia e até hoje, mesmo que com números muito mais baixos que há 10 anos atrás, continua um país pró-Europa, para qual a participação da União Europeia é muito importante, principalmente porque a Grécia é um dos grandes beneficiários da chamada política de coesão _ política da União Europeia que financia projetos de infraestrutura em países mais economicamente fracos. Portugal também. O sul da Europa, em geral, são países que têm se beneficiado muito disso. Hoje em dia, ainda, empresas pequenas e médias na Grécia aproveitam de subsídios europeus. O setor de universidades, saúde, são grandes beneficiários desses programas da União Europeia. Então, acho que temos grandes razões do porquê continuar um país pró União Europeia. Mas, sim, o euroceticismo tem crescido muito e mais do que a União Europeia tem crescido. Tem crescido muito o ceticismo sobre a união monetária.