Ultimamente esses bordões viraram moda. Do "Somos todos macacos" - abraçado pela massa como resposta a atos racistas e no dia seguinte rejeitado, quando se descobriu que o refrão estampado em camisetas era uma estratégia de marketing - ao "Somos todos Charlie" - repetido até por gente que nunca sequer viu uma das caricaturas da revista francesa atacada pelo terrorismo, mas que apoia a liberdade de expressão.
Acho que está na hora de lançar um novo slogan, que ainda não vi ninguém empunhar: "Somos todos corruptos".
No país em que pipocam escândalos de corrupção (qual foi o dos últimos 15 minutos?), a lista dos envolvidos parece não ter fim. Aí vem a patrulha denunciando a petrorroubalheira, tudo culpa dos "petralhas". Depois vem a turma petista, gritando que tudo começou muito antes na história deste país, e que atravessa toda a "tucanalha".
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Aí as duas turmas ficam digladiando-se sobre as cinzas de sua credibilidade: ah, o meu mensalão foi menor do que o teu! Eu só desviei R$ 14 milhões para um aeroportozinho familiar, você levou US$ 50 milhões de propina para a Suíça!
Pode até ser que todos tenham razão. Que todos sejam julgados e, os que merecem, condenados. É a lei. Só que o furo é bem mais embaixo (deve andar lá pelas últimas camadas do pré-sal). A corrupção é tão disseminada, que deveria ser tombada como patrimônio nacional. É fácil apontar o dedo para políticos desonestos, mas quem foi mesmo que os colocou lá como nossos representantes?
E aqueles empreiteiros, que pagam propina em troca de obras, são mais ou menos culpados? E os médicos que fazem cirurgias desnecessárias para ganhar comissões? E você aí, que naquela viagem da firma coloca uma nota de táxi num valor mais alto, para receber um troquinho a mais? E quem sonega imposto de renda? E eu, que baixo filmes da internet? Quem nunca? Quem de nós resistiria a uma investigação com lupa?
Claro, alguém vai dizer que não se pode comparar, porque as proporções de dano público são muito diferentes. Mas será que não é por meio desses pequenos desvios que a cultura da corrupção se reproduz, se instala e se incrusta na nossa sociedade? De tão desacreditados no sistema, cada um tenta fazer valer a sua própria vantagem. Quanto maior o poder, maior o naco abocanhado. Qual a distância que separa o jeitinho do próximo escândalo nacional?
Precisamos aceitar essa constrangedora verdade. Os políticos corruptos não são ETs perversos que chegaram e se apoderaram das nossas instâncias superiores. São legítimos representantes da ética em nossa sociedade. Vamos lá, pessoal, chega de hipocrisia. Somos todos corruptos. Quem vai fazer a camiseta?
Opinião
Letícia Duarte: somos todos corruptos
Leia a coluna publicada nesta terça-feira em ZH
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