Imagine se o governo argentino anunciasse a prisão de cinco suspeitos pela morte do procurador Alberto Nisman, e a polícia esclarecesse que um deles havia sido integrante de uma força paramilitar de elite uma década atrás. Ou se as autoridades do Líbano informassem a prisão do mesmo número de presumidos responsáveis pelo assassinato do ex-primeiro-ministro Rafiq Hariri, e, em seguida, viesse à tona que um deles, o único a confessar o crime, fosse ex-membro de um batalhão especial ligado à constelação política do Hezbollah. Algo comparável ocorre neste momento na Rússia: o governo do presidente Vladimir Putin informou que um dos cinco presos por suspeita de assassinar o oposicionista Boris Nemtsov é um ex-policial.
E não se trata de qualquer ex-policial. Zaur Dadayev, de origem chechena, é ex-integrante do famigerado batalhão Sever, uma das duas unidades de elite formadas pelo Ministério do Interior em 2004 para reprimir os separatistas chechenos. Desde então, essas forças, conhecidas na Chechênia como Kadyrovistas (de Ahmad Kadyrov, presidente pró-Moscou da República da Chechênia assassinado pelos rebeldes islâmicos em 9 de maio de 2004, durante uma cerimônia pelo Dia da Vitória na II Guerra Mundial), têm sido acusadas de uma série de abusos, torturas, sequestros, terror contra populações civis e violência generalizada.
Na Rússia, como na América Latina, não é incomum que ex-integrantes de unidades de repressão se tornem ativos nas fileiras do crime organizado. Mas o contrário também pode ocorrer: entre os cerca de 500 integrantes do Batalhão Sever, a maioria era de capangas armados mobilizados após a morte de Kadyrov e só mais tarde integrados às forças regulares, quando Moscou finalmente decidiu transferir às autoridades chechenas a responsabilidade pela segurança. Observadores afirmam que uma onda dura de repressão contra civis iniciou-se durante o regime de Kadyrov (2000-2005), que chegou a ser descrito como uma marca do início da Era Putin. "Os sucessos da Rússia na Chechênia (...) não são apenas importantes em si mesmos, mas no sentido de que estruturaram e legitimaram as mudanças políticas que Putin introduziu durante sua presidência", escreveram em 2008 os pesquisadores Roland Dannreuther e Luke March, especialistas em Rússia e Islã da Universidade de Edimburgo.
O fato de Dadayev ter se dedicado a perseguir inimigos de Putin em Grozny e, em fevereiro, passado a empregar seus conhecimentos em Moscou pode não passar de coincidência. Trata-se, contudo, de um detalhe incômodo para o Kremlin, especialmente se for levado em conta que o mesmo Ministério do Interior que empregou o assassino confesso hoje é encarregado de investigar o crime. Assim é a Rússia de Putin.
Leia todas as colunas de Luiz Antônio Araújo
Leia as últimas notícias sobre Mundo
- Mais sobre:
- mundo
- luiz antônio araujo
- olhar global