Em um país que clama pela honestidade de seus políticos e agentes públicos, é curioso imaginar qual seria a atitude de um cidadão ao encontrar na rua algo que não lhe pertence. Para estimular essa reação, a reportagem "perdeu" carteiras praticamente idênticas em diferentes pontos da área central de Caxias do Sul, semana passada. Dentro havia R$ 10 em dinheiro, fotos, cartões de visita, recortes de jornal com vagas de emprego e outros papeis aparentemente sem importância.
Das oito carteiras encontradas aleatoriamente sobre as calçadas de ruas e praças, três foram devolvidas poucos minutos depois. As boas ações pararam por aí. Cinco carteiras catadas no chão por homens e mulheres de diferentes idades não reapareceram.
Não seria difícil devolver o prosaico objeto. Orientações sobre como achar o proprietário estavam bem à vista de quem fosse remexer na carteira. Um bilhete dizia: Se você encontrou essa carteira é porque ela está perdida. O dono pode ser encontrado no telefone (...).
>> MURAL: O que você faria se encontrasse uma carteira perdida na rua?
>> "Achei um gesto nobre", conta mulher que recebeu carteira perdida
>> "Penso em mim", diz estilista que se esforçou para devolver carteira
>> "Se tem só dez reais, não é meu", opina mulher
A reportagem não teve a pretensão de medir se somos mais ou menos honestos, mas apenas constatar se há espaço para gestos nobres numa cidade onde a pressa e o individualismo avançam a passos largos.
- O Brasil tem uma formação cultural que não poderia ser enquadrada dentro dos padrões mais éticos. As atitudes de honestidade e da boa ação são uma excepcionalidade muitas vezes, tanto que vira notícia. Isso não quer dizer que alguém que comete um pequeno delito fará um grande delito. Mas talvez não o faça porque não tem oportunidade - teoriza o sociólogo João Ignácio Pires Lucas.
ROTA DAS CARTEIRAS "PERDIDAS"
Entre os dias 26 e 27 de março, a reportagem abandonou oito carteiras pela cidade. Veja o que aconteceu:
Dia 26 de março
Praça Dante Alighieri: carteira deixada na praça às 10h28min, perto do chafariz. Em menos de dois minutos, cinco pessoas passaram pela carteira. Uma mulher viu-a, parou e ameaçou retornar, mas seguiu adiante. Dois minutos depois, uma mulher e um rapaz apanharam a carteira e telefonaram para o celular anotado num papel.
Garibaldi quase esquina com Sinimbu: perdida às 10h55mim. Em três minutos, seis pessoas passaram pela carteira, mas somente um homem juntou-a e se esforçou para encontrar o dono.
Sinimbu quase esquina com Garibaldi: duas carteiras abandonadas ao lado das obras do corredor de ônibus 11h08min. Em menos de um minuto, um homem recolheu a primeira carteira. Duas mulheres pegaram a outra às 11h16min. Ninguém telefonou para devolvê-las.
Sinimbu quase esquina com Marechal Floriano: duas carteiras deixadas perto de uma parada de ônibus. A primeira, às 11h30min. De quatro pessoas que passaram, apenas um casal viu e recolheu-a. A mulher guardou a carteira dentro de uma bolsa e seguiu adiante. Três minutos depois, a reportagem largou outra carteira na beira da calçada, recolhida em seguida por três rapazes. O trio observou o conteúdo, e um dos jovens sacou o celular para ligar para o número descrito na carteira, mas desistiu. O grupo foi embora com a carteira.
Praça da Bandeira, na Rua Moreira César: carteira deixada junto a um parquímetro às 11h41min. Um homem encontrou-a, juntou-a e levou-a até uma banca de revistas. A dona da banca ligou para o telefone que constava na carteira e conclui a devolução.
Dia 27 de março
Coronel Flores, entre a Avenida Júlio e Pinheiro Machado: carteira deixada na calçada da Coronel às 16h15min ficou poucos minutos exposta. Um homem pegou-a, remexeu no conteúdo e levou-a embora. Ele não manteve contato para devolver a carteira.