Enquanto o Palácio Piratini ressuscita a intenção recorrente de se socorrer dos apuros da crise financeira com o aumento de ICMS, imposto responsável por 75% da receita tributária gaúcha, alternativas que poderiam ajudar o Estado no médio prazo e ter efeitos duradouros, apesar de volta e meia serem cogitadas, normalmente não avançam. Param nos obstáculos burocráticos e na resistência das categorias.
Extinção da licença-prêmio, mudanças nas funções gratificadas (FGs) para que não impactem aposentadorias, venda ou liquidação de estatais, autarquias e fundações deficitárias ou que não têm mais sentido e alienação dos imóveis de propriedade do Estado não utilizados são apenas algumas possibilidades elencadas.
Na visão de especialistas em direito administrativo, é necessário criar consensos em torno desses temas e evitar paralisação de processos a cada troca de governo. Para Ronaldo Gatti, professor de direito administrativo da Unisinos, a raiz do problema é a descontinuidade devido à tradição gaúcha de alternância no poder, o que leva os governantes a apelarem a saídas de curto prazo e paliativas, como aumento de ICMS.
- Cada vez que um governo começa a tomar pé da situação dos imóveis, que são milhares, e das estatais, cada uma com sua complexidade, vem uma mudança de gestão e boicotes. Para avaliar imóveis, é preciso uma pesquisa profunda, conhecimento. Para cada ato há 500 pontos que precisam ser observados. E todos os que chegam pegam o governo na pindaíba, com a necessidade de verbas urgentes - avalia Gatti, lembrando que essas alternativas demandam prazo mais largo por necessitarem de um conjunto de passos como autorização da Assembleia e licitações para serem concluídas.
As mudanças que seriam opções ao aumento de alíquotas, entende Juarez Freitas, presidente do Instituto Brasileiro de Altos Estudos de Direito Público, também necessitam da formação de consensos, o que só seria viável com total transparência, diálogo racional e compreensão da crise no Estado. Dessa forma, seria possível vencer resistências ideológicas e de classes, aponta Freitas, também professor de direito administrativo em cursos da PUCRS e da UFRGS.
- Quanto aos servidores públicos, entendo que é viável construir consensos sem autoritarismo ou o simplismo de culpá-los pela crise. Por exemplo, é possível rever a política de pensões para pessoas muito jovens. Talvez a licença-prêmio possa ser convertida, como na esfera federal, em licença para capacitação - avalia o especialista.
Para Freitas, muitas mudanças são obstaculizadas por erro de estratégia pela intenção de remeter à Assembleia pacotes de medidas em que pontos mais polêmicos acabam trancando questões. O ideal, reforça, seria selecionar temas em que há concordância entre as forças políticas para aprová-las.
- Muitas vezes, trancam porque quer se meter goela abaixo outras coisas. Microrreformas a partir de consensos passam - afirma Freitas.
O fundo do poço das finanças públicas, com a ameaça de faltar dinheiro até para pagar salários em dia, pode ser capaz de gerar resistências menores, sustentam os especialistas.
- Talvez nesse momento de caos isso seja possível pela sensibilização. O que é melhor? Não pagar salários ou tirar privilégios? - questiona Gatti.
Opções ao aumento da carga tributária
- Mudar a licença-prêmio, concedida a cada cinco anos de trabalho. Especialistas lembram que o governo federal já trilhou esse caminho, transformando o benefício em licença para qualificação. Um obstáculo é a resistência das categorias beneficiadas.
- Levantamento dos imóveis do Estado, que seriam cerca de 1,2 mil, muitos sequer utilizados. Além de ociosos, geram custos. O raio X permitiria vender o patrimônio sem utilidade.
- Solidariedade na crise. Sensibilizar para que outros poderes - Judiciário e Legislativo - também façam a sua cota de sacrifício na redução de despesas.
- Alterar o sistema de pensões, que abre a possibilidade de que viúvas consideradas jovens e com condições de trabalhar recebam os benefícios de forma vitalícia, assim como outros privilégios que permitem aposentadoria de pessoas com menos de 50 anos. Para isso, é necessário o apoio da Assembleia e dobrar também a resistência de categorias do funcionalismo. Uma saída para passar no Legislativo seria fazer microrreformas em questões previdenciárias específicas que gerem consenso, evitando que pacotes com pontos polêmicos acabem inviabilizando o todo.
- Formatar um sistema de parcerias público-privadas (PPPs) para que o Estado diminua a responsabilidade financeira em setores que vão de presídios a estradas.
- Mesmo que no curto prazo gere passivos, vender ou extinguir estatais deficitárias, como a Companha Estadual de Silos e Armazéns (Cesa), ou que - embora até apresentem lucro - não tenham mais sentido, a exemplo da Companhia Rio Grandense de Artes Gráficas (Corag). Em alguns casos, os entraves são tamanhos que chegam a exigir plebiscito.
- Fazer com que o recebimento das funções ratificadas (FGs) não impactem mais as aposentadorias, uma vez que a previdência é um dos maiores nós financeiros do Estado
- Combater desperdícios e melhorar a qualidade do gasto público. Uma rodovia mal feita terá, no longo prazo, custos bem maiores em manutenção e reconstrução.