É estarrecedor. Netos e bisnetos de imigrantes torcendo o nariz para a imigração haitiana. Ainda mais no Brasil. Ainda mais no Rio Grande do Sul.
Durante a semana, ao apoiar o acolhimento aos caribenhos, ouvi te tudo. "Ignorante, mal informado, mal intencionado".
Senti vergonha de ler o que li e de ouvir o que ouvi. Não por mim. Estou acostumado às críticas. Senti vergonha pelo passado. Talvez porque conheça bem duas histórias. A primeira é do Haiti contemporâneo. Estive lá duas vezes na condição de jornalista. Na primeira, em 1995, pensei; " Impossível piorar". Na segunda, assim que desembarquei em Porto Príncipe, vi que eu estava errado.
A segunda história que conheço bem é a da minha família - a mesma das famílias de milhões de gaúchos. Imigrantes miseráveis, sem dinheiro e cheios de esperança que cruzaram o mar e o mundo em busca de uma nova vida. Aqui chegaram, aqui foram acolhidos, aqui viraram iguais aos outro e iguais entre si. Os tempos eram outros, argumentam. Sim, eram outros. Mas os dramas e a essência das pessoas são os mesmos. É por eles que enxergo a questão. O direito à liberdade é o mesmo. O sonho é o mesmo.
Quando os europeus chegaram, faltava mão de obra. Hoje, sobra. Mesmo assim, é impossível que um país desse tamanho não consiga organizar esse novo fluxo imigratório. Criar incentivos para a colonização de áreas menos habitadas, estimular o preenchimento de vagas em locais onde elas estão disponíveis.
Há uma outra questão camuflada nesse debate. Camuflada, mas fundamental. O racismo. Se os novos imigrantes que chegam ao Brasil e ao Rio Grande fossem loiros de olhos claros, a celeuma seria bem menor. Mas são negros, são pobres, são sós. Tem nomes estranhos e falam uma língua estranha, o creole. Outro dia fui abastecer meu carro em um posto de Porto Alegre. A frentista era haitiana. Orgulhosa por estar trabalhando. Vi o brilho no olho dela. Me lembrei dos meu avos. E saí me perguntado como seres humanos podem esquecer tão rapidamente das suas próprias trajetórias.
O Haiti não é aqui. Aqui é o Brasil.
Não temos o direito de negar a essa gente as oportunidades que nossas famílias tiveram em um passado não tão distante. Nem que tenhamos que nos sacrificar um pouco mais para isso.