
Passaram-se dois anos do cancelamento da viagem que a presidente Dilma Rousseff teria feito aos Estados Unidos não fosse o constrangimento causado pelas espionagens da Agência Nacional de Segurança (NSA).
O desembarque da presidente, previsto para este sábado em Nova York, é uma tentativa de restaurar a confiança entre os dois países e de atrair investimentos para a economia brasileira, que vive séria crise.
Na última sexta-feira, um dia antes da viagem, Dilma convocou uma reunião de emergência com ministros, no Palácio da Alvorada, e preparou a estratégia de defesa política para o agravamento da crise após a delação premiada do dono da UTC, Ricardo Pessoa. O governo avaliou que perdeu totalmente o controle da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, e teme que a delação de Pessoa acirre o clima de confronto.
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Em relação aos encontros programados para os próximos dias nos Estados Unidos, a ênfase do Itamaraty tem sido dada ao comércio bilateral, que poderia até dobrar. Embaixador brasileiro nos EUA, o ex-chanceler Luiz Alberto Figueiredo deixou isso claro ao falar sobre a viagem.
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- Há uma forte confiança nos dois países sobre os benefícios em aumentar o comércio e os investimentos bilaterais - disse, em pronunciamento, na última quinta.
Assessores temem passeio de bicicleta
Há um apelo, porém, para que o encontro não se limite à economia.
- Quando a presidente do Brasil se encontrar com o dos EUA, fariam bem em discutir dois assuntos urgentes de direitos humanos sobre os quais cada um tem desempenhado papéis centrais - mas opostos: direitos na internet e Venezuela - diz José Miguel Vivanco, diretor da Human Rights Watch.
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Dilma se reúne neste domingo com empresários em Nova York. Na segunda-feira, tentará convencer investidores americanos a participar dos leilões na área de infraestrutura.
Na terça, em Washington, encerrará encontro de empresários na Câmara de Comércio americana e conversará com Obama. Na quarta, falará com executivos do Vale do Silício, na Califórnia. Os seguranças temem pela intenção da presidente de aproveitar a manhã de domingo livre em Nova York para passear de bicicleta. Tentam dissuadi-la da ideia.
A avaliação do Planalto é de que a exposição da presidente pode não ser positiva. Acham que pode ser vaiada ou ouvir manifestações negativas caso encontre turistas brasileiros pelo caminho.
Confira a opinião de Marcos Troyjo, professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas da Universidade Columbia, em Nova York
O que esperar da visita de Dilma aos EUA?
A presidente Dilma Rousseff viaja a Washington no contexto de uma difícil situação econômica no Brasil. Os mais otimistas entendem que, com a visita da chefe de Estado brasileira, as relações econômicas com os Estados Unidos poderiam abrir perspectivas para mudar o pessimismo vigente.
Ao longo dos anos, o Brasil tem oscilado entre momentos de maior ou menor interesse em Washington. Estamos num daqueles períodos de "desapontamento" com o "no profile" da política externa brasileira e a percepção de que o sobe e desce recente de nossa economia configura mais um "voo de galinha".
As relações governo-a-governo estão oceanos aquém das oportunidades. Isso é muito ruim. Em comércio, investimento ou defesa, hoje não há iniciativas de monta entre as duas maiores democracias do Ocidente.
Tal distanciamento representa um dos principais desperdícios de parceria do mundo contemporâneo. E, no potencial irrealizado, perde mais o Brasil. Precisamos, no mais alto nível, afirmar nossa predisposição a trabalhar por um tratado comercial com os Estados Unidos, seja bi ou plurilateralmente.
Hoje, quando avaliamos o nível de interesse de investidores americanos no Brasil para participar, por exemplo, do Programa de Investimentos em Logística ou de outras oportunidades em infraestrutura, percebemos que o Brasil passa por um "rescaldo".
De um lado, há a continuação de investimentos por parte de empresas que decidiram estabelecer ou ampliar suas operações no Brasil naquele momento de "brasilmania" entre 2010 e 2011. Muitas delas programaram seus desembolsos numa escala de tempo que em certos casos dura uma década.
De outro, o subdesempenho da economia brasileira no último quadriênio, e particularmente nos últimos seis meses, tem funcionado como freio a novo fluxo de IEDs (investimentos estrangeiros diretos).
Como resultado, os investimentos atraídos a novos programas de infraestrutura se darão de maneira menos impactante, e portanto mais gradual, do que o governo brasileiro supõe.
É um erro ver o aporte de capital com as concessões como panaceia. Intervenções recentes em políticas de preço na eletricidade e na gasolina; o sucateamento político das agências reguladoras, e a inflexibilidade nas regras de conteúdo local continuam a desestimular investidores norte-americanos. Recuperar a confiança demanda tempo e inflexão de rumo por parte do governo brasileiro.
Nesses próximos 18 meses haverá, contudo, influxo significativo de capital norte-americano visando a transações de M&A (fusões e aquisições). Ele será motivado pela combinação de fatores como o tamanho comparado da economia brasileira (ainda o segundo maior mercado emergente) e o preço relativo mais baixo dos ativos no Brasil - resultante da desaceleração econômica e desvalorização do real. Se isso significa novos aportes, por outro representa transferência de titularidade acionária, e portanto desnacionalização, sobretudo no setor manufatureiro.
No nível político, depois dos atritos decorrentes da espionagem da NSA, o encontro Dilma-Obama deveria fechar o capítulo da desconfiança. Infelizmente, o desperdício de potencial é a marca das relações Brasil-EUA. Na medida em que nenhum tema de relevo encontra-se na pauta bilateral, o peso relativo do episódio da espionagem foi hipertrofiado. O Brasil, em vez de aproveitar a barbeiragem americana para obter vantagens ante a maior economia do planeta, preferiu ficar de mal. O episódio atrasou o que poderia ser ambiciosa agenda de comércio e investimentos.
De agora em diante, forças conjunturais podem empurrar Brasil e EUA a uma reaproximação. Apostas da política externa brasileira mostraram-se infrutíferas. O Mercosul está à deriva. O acordo com os europeus (UE-Mercosul) ainda é incerto. O declínio do preço dos bens primários mundo afora compele o Brasil a alternativas comerciais. E é no mercado americano que o Brasil pode ancorar revigorada receita exportadora de produtos com maior valor agregado.
Para os EUA, é impossível subestimar o Brasil - segunda maior democracia do Ocidente e segundo PIB das Américas. Washington está "tomando um baile" da China na Ásia, para onde supostamente migraram seus grandes interesses estratégicos. A adesão de tantos aliados tradicionais dos EUA ao banco de infraestrutura liderado por Pequim convida Washington a olhar novamente para a América Latina, onde a China também estabeleceu forte cabeça de ponte. E daí ressurge a importância do Brasil.
Dilma tem pela frente a difícil implementação do ajuste fiscal. Obama precisa lidar com uma maioria republicana no Congresso que não lhe garante apoio automático em algumas de suas iniciativas em política externa, como Cuba, Irã, ou mesmo as meganegociações comerciais no Atlântico ou no Pacífico.
A retomada Brasil-EUA é de construção longa e difícil, mas o mais importante agora é apertar o botão de "reiniciar".
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