De seu posto de comando incrustado bem fundo em uma montanha de quartzo e ardósia ao norte do círculo Ártico, o comandante do quartel general de operações militares de Bodo, na Noruega se sente voltando no tempo graças à atividade militar russa que lembra a briga entre o leste e o oeste durante a Guerra Fria.
- Eu sou o que você poderia chamar de guerreiro frio e experiente - diz o tenente-general Morten Haga Lunde, de 54 anos, falando de um complexo subterrâneo construído para resistir a uma explosão nuclear. Por isso, ele não está muito preocupado com o aumento da atividade militar russa ao longo do flanco norte da OTAN.
- É mais ou menos a mesma coisa de quando comecei - conta, já que iniciou sua carreira acompanhando o percurso de aviões de guerra soviéticos como navegador da força aérea da Noruega no começo dos anos 80.
Depois de um longo período que se seguiu ao colapso da União Soviética, em dezembro de 1991, quando Moscou deixou no chão seus bombardeiros estratégicos por falta de combustível, peças e vontade para afirmar poder, a nova Rússia assertiva do presidente Vladimir Putin "voltou ao comportamento normal", afirma.
No ano passado, a Noruega interceptou 74 aviões de guerra russos em sua costa, 27 por cento a mais do que 2014, o que levou os caças F-16 da base militar de Bodo a monitorá-los e fotografá-los. É muito menos do que as centenas de aviões soviéticos que a Noruega acompanhou em suas costas no auge da Guerra Fria. No entanto o total do ano passado foi um aumento drástico dos 11 aviões de guerra russos que a Noruega contabilizou 10 anos antes.
Na Noruega, um país que se orgulha de fomentar a paz - testemunhada em sua intermediação de pactos entre israelenses e palestinos e do fato de ser o país que entrega o Prêmio Nobel da Paz - o que Lunde chamou de "volta ao normal" veio como um choque. Fez aumentar os debates sobre os gastos militares e deixou claro quão rapidamente Putin acabaria com as certezas da era pós-Guerra Fria.
- A Rússia criou incertezas sobre suas intenções, então há uma imprevisibilidade - explica a ministra da Defesa norueguesa, Ine Eriksen Soreide, em uma entrevista em Oslo, acrescentando que as forças armadas estavam sendo reestruturadas para melhor lidar com os riscos, especialmente no Ártico.
Ninguém espera uma invasão russa. Até agora, seus aviões de guerra tomaram o cuidado de não entrar no espaço aéreo da Noruega, ao contrário das fronteiras dos países do Báltico, regularmente violadas.
A Rússia tem alimentado o alarmismo com linguagem beligerante, como o recente comentário do embaixador de Moscou que afirmou em Copenhagen que os navios de Guerra dinamarqueses "serão alvo das armas nucleares da Rússia", se o país contribuir com um radar para um sistema de defensa antimísseis planejado pela OTAN que ficará na Europa. O ministro do Exterior da Dinamarca, Martin Lidegaard, descartou a ameaça como "inaceitável".
Essa demonstração de força da Rússia deve-se em parte simplesmente ao fato de que o país está gastando mais em suas forças armadas e reestabeleceu as habilidades perdidas durante o caos da era pós-soviética dos anos 90.
Quando Putin se tornou presidente pela primeira vez em 2000, a Rússia gastou 9,2 bilhões com as forças armadas, mas desde então esse valor subiu dez vezes e vai aumentar de novo este ano apesar de a economia estar em depressão, derrotada por um colapso no preço do petróleo e por sanções do Oeste.
- O sinal que estão mandando é que a situação nos anos 90 era uma exceção - afirma Lunde.
Jens Stoltenberg, ex-primeiro ministro da Noruega que se tornou secretário-geral da OTAN no final do ano passado, explica que a nova assertividade da Rússia não foi apenas um resultado do aumento dos investimentos e do renascimento da capacidade. Ele afirma que foi também "parte de um quadro mais amplo onde vemos que a Rússia está querendo usar a força", o que ficou claro na Geórgia em 2008 e, mais recentemente, na Ucrânia.
- É nessa imagem geral que vemos motivos para preocupações - avisa Stoltenberg.
A Ucrânia, explica ele, é muito diferente da Noruega, que é membro da OTAN. Ela não está na organização e não tem qualquer perspectiva de se tornar membro em breve. No entanto, diz Stoltenberg, a Noruega e outros países da OTAN que fazem divisa com a Rússia também têm que lidar com os esforços desse país para "intimidar seus vizinhos", qualquer que seja seu status.
Katarzyna Zysk, pesquisadora do Instituto Norueguês de Estudos de Defesa, diz que Putin enfatizou o fortalecimento da presença das forças armadas russas no Ártico; equipando a esquadra do norte, que fica em Murmansk, com novos submarinos nucleares; construindo uma série de bases na grande costa norte; e reabrindo instalações abandonadas da era soviética, como a base de Alakurtti, perto da Finlândia.
A Noruega, afirma ela, "não é vista pela Rússia como Noruega, apenas como um membro da OTAN".
- Para eles, é a porta da OTAN - continua.
Em uma ocasião pelo menos, um avião de guerra russo chegou perigosamente perto de bater em uma aeronave norueguesa em um evento que alguns veem como um padrão de voos imprudentes. Em janeiro, dois bombardeiros russos Tu-95 voaram até a costa da Noruega, e lá, com os transponders desligados, cruzaram o Canal da Mancha, brincando perigosamente com o tráfego aéreo civil e fazendo com que a Força Aérea Real se mexesse.
O que acontece, no entanto, é que o comportamento da Rússia tem prejudicado seu claro e constante objetivo de longo prazo - enfraquecer a OTAN, que o chefe da propaganda do Kremlin, Dmitry K. Kiselyov, descreveu no ano passado como um "tumor canceroso" que precisa ser extirpado.
A Noruega, como todos os outros membros da OTAN menos três, ainda gasta menos de dois por centro de seu produto interno bruto com as forças armadas, a meta que todos os 28 membros da organização devem alcançar.
Mas, Ine Eriksen Soreide, a ministra da Defesa, afirma que o país poderia aumentar o gasto nas forças armadas em 3,3 por cento, apesar dos problemas econômicos causados pelo colapso no preço do petróleo, o principal produto de exportação da Noruega.
- A Rússia não é vista como uma ameaça militar - afirma ela, mas mudou as regras do jogo ao criar tantas incertezas sobre suas ações. - Até que a ameaça chegue à sua porta, não dá para saber o que vai acontecer.
As preocupações da OTAN estão em exibição diária na base aérea de Bodo, onde pilotos de caça noruegueses, ociosos durante anos porque não havia necessidade de seguir os passos dos aviões russos, mais uma vez, passam a ter um senso de propósito.
Importante posto avançado da OTAN durante a Guerra Fria, Bodo serviu como um centro para voos de aviões de espionagem U-2 sobre a União Soviética. Francis Gary Powers, o piloto do U-2 preso em Moscou, em 1960, estava seguindo para Bodo quando seu avião foi abatido.
Mas quando a União Soviética se desfez, Bodo caiu em marasmo, deixando os pilotos de guerra noruegueses sem muito o que fazer.
- Depois que o muro de Berlim caiu, tudo ficou muito quieto - conta o comandante veterano do esquadrão aéreo 331, cujos caças f-16 estão em alerta 24 horas por dia como parte de uma rede de defesa aérea da OTAN.
- Agora está muito mais interessante.