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À frente da Delegacia da Mulher de Porto Alegre, que investiga crimes de gênero cometidos na Capital, Rosane de Oliveira recebeu duas meninas, em maio deste ano, que relataram diferentes casos de assédio e tentativa de estupro em táxis. Preocupada com a baixa procura, a delegada estimula as vítimas a perderem o medo de represálias e irem até a polícia para registrar ocorrência. Só assim é possível levar adiante um inquérito e indiciar o suspeito pelo crime.
Rosane de Oliveira está em alerta para crimes sexuais dentro de táxis em Porto Alegre desde a prisão, há duas semanas, de Luiz Fernando Miranda, suspeito de estuprar uma garota de 16 anos em dezembro de 2014 no bairro Bom Jesus, zona leste da Capital. Segundo ela, os relatos colhidos (veja um no vídeo abaixo) apontam que não se tratam de casos isolados, e sim de prática rotineira. A seguir, confira os principais trechos de entrevista concedida a Zero Hora.
O que as vítimas desse tipo de crime relatam nas conversas com a senhora?
O que eu observo é que, quando elas pegam o táxi, não têm noção do que pode acontecer. Inclusive uma das vítimas deveria ter tomado uma atitude e não tomou. Esperou para que se desenrolasse tudo.
Que atitude ela deveria tomar?
Talvez por educação ou pela cultura de que não haveria problema, elas acabam não tomando uma atitude mais precipitada. Muitas vezes é melhor se precipitar e evitar um fato grave. Ou seja, ao perceber, por qualquer motivo, que está sendo constrangida dentro de um táxi ou levada para um lugar que não conhece, deve imediatamente tomar uma atitude. Pegar o telefone, ligar para os parentes, dizer que vai chamar a BM, tomar todas as medidas necessárias, mesmo que, de fato, a suspeita não se concretize. Tudo para evitar uma situação de ficar à mercê de um indivíduo que não conhece, sendo levada para um local que não conhece.
O número de denúncias ainda é baixo?
O que causa estranheza é o fato de que somente duas vítimas vieram até a delegacia no intuito de registrar a ocorrência. Pelo que pudemos apurar, são dois acusados desconhecidos, e são diferentes. Da forma como foram feitos os delitos, parece uma prática comum desses motoristas. Porque eles falaram e agiram com tanta desenvoltura e naturalidade que parece ser comum, não casos isolado. Por que não é denunciado? Por que as autoridades públicas não têm o conhecimento disso? Tem o caso de uma taxista que trabalha no aeroporto e sofria bullying de outros colegas, que diziam que ela não deveria trabalhar naquele local por ser mulher. Ela é mal quista pelos colegas talvez por essa prática. Eles querem ter mais liberdade para conversar as coisas e mostrar esse tipo de comportamento, e ali ela restringe a conduta deles. Mas onde estão as outras vítimas?
O que configura o assédio sexual dentro de um táxi?
Para ser tentativa de estupro, a vítima tem de sofrer um assédio mais forte: uma passada de mão, um beijo lascivo, algo que possa configurar a satisfação da lascívia do motorista. Não se punem atos preparatórios, e sim o início da execução em diante. O uso de aplicativos agora é importantíssimo, porque mostra a foto do motorista e nome completo. Então, os usuários sabem quem está levando a determinado local. É muito melhor do que entrar em um veículo de motorista desconhecido.
O que passa pela cabeça de um taxista, sabendo que está identificado, ao cometer um crime desses?
Ele pensa que está acima do bem e do mal e que, pelo simples fato de ameaçar, como efetivamente ocorre, a vítima vai ficar com medo, recuar e sequer registrar ocorrência policial. Talvez porque ele se sinta à vontade para fazer esse tipo de coisa intimidando quem usa táxi.