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Sobre a mesa de jantar na sala que acumulava água acima dos tornozelos, um saco plástico preto e pequenas sacolas de supermercado reuniam agasalhos na casa da aposentada Elizabeth Vicente, 72 anos. Tratavam-se de doações recolhidas pela família da dona de casa do bairro Vila Rica, em Gravataí, para as vítimas da enchente que expulsou milhares de gaúchos de suas residências na semana passada. Foi uma iniciativa do neto da idosa que, nesta segunda-feira, viu-se na mesma situação daqueles que pretendia ajudar.
- Meu neto fez uma campanha do agasalho e deixou tudo aqui para doarmos. Agora, até eu estou flagelada - diz Elizabeth.
Moradora da rua homônima ao bairro há 35 anos, a aposentada viu a água ultrapassar o limite da porta de casa pela primeira vez às 10h desta manhã. Em outros temporais, a enxurrada já havia coberto a via, mas nunca o piso de sua casa.
O jeito foi, ainda pela manhã, improvisar uma espécie de segunda andar que salvaria os bens mais valiosos, como a geladeira. A mesma sorte não acompanhou uma de suas netas. Ingrid dos Reis, 18 anos, teve de abandonar a residência ainda na madrugada:
- Todas as minhas roupas estão boiando dentro de casa porque tive de sair com a minha filha. Agora, só de barco para entrar - conta, segurando no colo a pequena Kauani Emanuelli, de sete meses.
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Gravataí soma 18,4 mil pessoas atingidas pela chuva. Mais de 2,2 mil estão dormindo na casa de parentes ou amigos e 820 foram alojadas em escolas e igrejas por não ter para onde ir. O temporal fez com que o Rio Gravataí e dois arroios (o Barnabé e o Demétrio) transbordassem e invadissem parte da cidade - principalmente os bairros Vila Rica e Jardim Palmeiras. Porém, outros, como o Caça e Pesca, também sofrem os efeitos da cheia.
Como podiam, moradores resgataram seus pertences das casas alagadas
Foto: Fernando Gomes / Agência RBS
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Desde as primeiras horas da manhã, ruas se transformaram em rios e impossibilitaram a passagem de carros em ruas do município. No Vila Rica, barcos de madeira e botes infláveis faziam as vezes de caminhões de mudança no começo da tarde, levando moradores a pontos no qual a água ultrapassava a cintura e retornando com eletrodomésticos e itens pessoais. Aqueles cuja situação financeira permitia contrataram caminhões de frete, ao valor de R$ 250 a viagem, para resgatar seus pertences. Mas nem assim foi possível salvar o que se pretendia.
- Minha filha perdeu tudo - relata o aposentado Roberto Vidal, 56 anos, enquanto ajudava a carregar uma carreta.
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Com 30 homens para dar conta de 3,7 mil casas afetadas pela cheia, a Defesa Civil do município garante que realizou 200 mudanças na área. Mas moradores passaram o dia cobrando ajuda maior do poder público.
Parte do déficit foi preenchido por socorristas voluntários como José Assis Machado, do grupo RS Resgate. Ele começou a auxiliar as vítimas da enchente ainda pela manhã em posse de um bote, dois remos e boa vontade.
- Ainda tem muita gente ilhada. Vamos ficar até o fim do dia por aqui, se Deus quiser - disse, depois de retirar uma idosa e uma menina de dentro de uma casa inundada e levá-las à terra firme.
José Assis Machado (à esquerda) fez o resgate de senhora que estava ilhada dentro de casa
Foto: Fernando Gomes / Agência RBS
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Na última medição de Machado, a água havia chegado a 40 centímetros de altura do asfalto na principal rua do Vila Rica. E a previsão de mais chuva desanima quem não para de ver a enxurrada avançar.
* Zero Hora