Ricardo Chaves
Fazia muito tempo que um cofre, alojado no Gabinete da Prefeitura Municipal de Tapes, era cercado por mistério. Ninguém sabia o segredo, e nem sequer alguém tinha a chave. Existia, inclusive, a lenda de que um ex-prefeito, já falecido, ali havia guardado substanciosa quantidade de dinheiro. Isso até que, meses atrás, um conhecido chaveiro da cidade foi desafiado, por amigos ligados à prefeitura, a fazer uma tentativa de abrir a tal inexpugnável caixa de aço. A operação foi coberta de sucesso, mas, ao invés de cédulas ou moedas, o que veio à luz, de interessante, foram dois documentos do período de trevas da Ditadura, que agora estão expostos no acervo da Casa de Cultura Ruy de Quadros Machado. Com carimbos de CONFIDENCIAL, os papéis datilografados e dirigidos à autoridade municipal, alertavam: "O Cap. Carlos Lamarca, autor de desvio de armamento FAL, munição e fardamento do 4º RI, no dia 24 de janeiro de 1969, continua desaparecido." Identificava, também, três outros militares como membros do grupo de Lamarca: o 3ºSgt. Carlos Alberto dos Santos Ferreira e os cabos Carlos Enéas de Araújo e Geraldo de Oliveira Nunes. Uma breve descrição do principal procurado, além de dados físicos informava que ele era "excessivamente magro, excelente atirador, e proprietário de um VW com amassamento no paralama direito." Como "providências solicitadas" constava: "Se encontrado, bem como qualquer elemento do seu grupo, deverá ser prêso e a comunicação feita a esta CSM em caráter urgentíssimo." Ambos documentos são assinados pelo Cel. Mario Ribeiro Miranda Junior, chefe da 8ª CSM. Além do "Pedido de Busca nº 2-S2-69" com data de 31 de janeiro de 1969, que tentava localizar Lamarca, o outro papel alerta para a necessidade de "máximo empenho na guarda e controle" de documentos da situação militar (em branco) e afirma: "A posse de um documento de situação militar por parte de um elemento subversivo, inclusive estrangeiro, lhe é de alta valia para a prática de ações criminosas contra a Segurança Nacional." O Coronel Miranda Jr. sugeria no texto que esse tipo de documento fosse guardado "no cofre do vosso gabinete", e que "procedais a um contrôle dos mesmos, no mínimo mensalmente", no que deve ter sido prontamente atendido, é claro. Aquela não era uma época para desobediências. Lamarca foi encontrado e morto no sertão da Bahia em setembro de 1971.
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