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Como termina a semana de Renan
Depois de um semestre dedicado a alvejar o Palácio do Planalto, em uma vendeta por ser investigado na Operação Lava-Jato, Renan Calheiros (PMDB-AL) voltou à velha condição de governista, movimento que fortaleceu seu poder. Com discurso de responsabilidade nas contas públicas, o presidente do Senado baixou o tom, abraçou um conjunto de projetos que apetecem o empresariado e ganhou a condição de fiador da estabilidade.
Refinado nos modos, afável no trato e versado na política, Renan reconstruiu pontes. A reaproximação com o palácio foi costurada com o vice-presidente Michel Temer, articulador do Planalto, e senadores petistas. Em conversa reservada, um aliado alertou:
- Nesta linha de bater no governo, o Senado será coadjuvante da Câmara. O atirador está definido e vai ser abatido em pleno voo.
O atirador era Eduardo Cunha (PMDB-RJ), denunciado por suspeita de envolvimento no esquema de corrupção da Petrobras. Renan, de fato, mudou o rumo. Se o rival aprovou projetos que aumentam gastos, o senador pregou austeridade, reuniu-se com o ex-presidente Lula, juntou projetos batizados de Agenda Brasil e reforçou a imagem de "homem-bomba" em Cunha.
- O Senado apenas cumpre sua responsabilidade. Optou por uma postura em favor da retomada do crescimento - diz o senador Jorge Viana (PT-AC).
Renan sustenta que não pediu cargos na Esplanada, pelo contrário, quer cortar ministérios. O Planalto reforça a versão e faz questão de bancar o retorno de um aliado que domina o plenário do Senado, escudo contra ataques da Câmara. No entanto, a equipe de Dilma Rousseff sabe que o alagoano pode mudar a postura em breve - mantém conversas com PSDB e DEM - guiado pelos ventos da crise política.
- Antes de ser governo ou oposição, Renan é Renan - descreve um colega de partido.
A temporada de reaproximações também se estendeu ao Ministério Público Federal (MPF). Emissários do senador enviaram recados de armistício e lembraram: após a denúncia de Cunha no Supremo Tribunal Federal (STF), o Senado é a única ponte do MPF com o Congresso.
Dúvidas sobre ação na Lava-Jato
Na segunda-feira, Renan recebeu a visita de cortesia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, responsável pelos inquéritos contra o senador, suspeito de receber recursos desviados da Petrobras. O encontro faz parte do cerimonial da recondução de Janot ao cargo - o novo mandato precisa ser aprovado pelo Senado e a sabatina será nesta semana. Investigador e investigado sentaram-se lado a lado e posaram para fotos com semblantes descontraídos.
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- Foi uma visita institucional, é muito bom que as instituições conversem - disse Renan.
Nos bastidores, comenta-se que a investigação de policiais federais e procuradores ainda não encontrou elementos robustos contra o presidente do Senado, que teve uma semana leve. Na quarta-feira, quando vazou a informação de que Cunha seria denunciado, ele flanava. Caminhou sem pressa pelo salão azul, visitou a comissão que discute o projeto de responsabilidade das estatais e à noite aprovou a reoneração da folha de pagamento, último item do ajuste fiscal. Na quinta, enquanto Cunha aguardava recluso sua denúncia, Renan lançava o novo site do Senado. Seu momento na Lava-Jato ainda não chegou.
Jucá e Eunício são os fiéis escudeiros
Tratado como grande reforço do semestre no Planalto pelo controle que exerce no Senado, Renan Calheiros conta com dois escudeiros que ajudam a materializar seu poder: Romero Jucá (PMDB-RR) e Eunício Oliveira (PMDB-CE).
Enquanto Renan comanda a pauta de votações e distribui aos dois aliados as relatorias dos principais projetos votados na Casa, a dupla opera no dia a dia. Eunício é líder do PMDB, logo, representa a maior bancada, que ocupa 17 das 81 cadeiras do Senado. Quando o partido pende para um lado, arrasta nas negociações os demais.
Fazendeiro e empresário, Eunício é um dos homens mais ricos do Congresso. Derrotado pelo PT na eleição para o governo do Ceará, em 2014, declarou patrimônio de R$ 99 milhões. Genro do ex-presidente da Câmara Paes de Andrade (morto em junho), foi três vezes deputado federal e está no primeiro mandato de senador. Como não é alvo da Lava-Jato, é apontado para suceder Renan na presidência da Casa, em 2017.
Jucá, por sua vez, faz companhia a Renan no rol de investigados pela corrupção na Petrobras. Também é o desatador de nós do time. Quando um projeto oferece risco, Renan escala Jucá. Romário (PSB-RJ) desejava a relatoria da CPI da CBF, mas no acordo o Baixinho levou a presidência, com Jucá de relator, função que cumpre também na comissão de reforma política.
Jucá é conhecido como um dos camaleões mais competentes da República. Pernambucano, foi nomeado pelo então presidente José Sarney governador do território de Roraima. Em 1994, elegeu-se senador por Roraima - está no terceiro mandato. Em duas décadas no Congresso, foi líder dos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma - e ministro da Previdência de Lula. Na última eleição, apoiou Aécio Neves (PSDB) e, agora, trabalha pelo governo Dilma.
- Jucá costuma dizer que não foi ele que mudou seus ideais, mas sim os governos que mudaram - descreve o ex-senador Pedro Simon (PMDB-RS).
Cunha e Paulinho da Força (esquerda) em encontro da Força Sindical
Foto: Estadão Conteúdo
Como termina a semana de Eduardo Cunha
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De ameaçador-mor do Planalto a desafeto acuado. Presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) segue pronto para disparar o gatilho do impeachment de Dilma Rousseff, mas desde a quinta-feira ganhou outra prioridade: assegurar a própria sobrevivência política. Denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) - é suspeito de receber US$ 5 milhões em propina no esquema de corrupção da Petrobras -, Cunha traça um plano para conservar seu poder enquanto se defende das acusações e tenta evitar que o Supremo Tribunal Federal (STF) o torne réu. Essa maratona jurídica não tem previsão para ser encerrada.
Cunha: "Renúncia não faz parte do meu vocabulário"
Apesar do constrangimento, ele avisou que não vai renunciar. Na quarta-feira, ao saber que seria denunciado na Operação Lava-Jato por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, passou a tarde em conversas com aliados. À noite, aprovou em segundo turno a proposta de emenda à Constituição (PEC) que reduz a maioridade penal e deixou pronta uma nota de defesa, revisada na quinta e divulgada após a confirmação da denúncia. Em seu gabinete, o presidente reuniu parlamentares, leu a peça - mesmo exercício de seus advogados - e disparou:
- É ridícula a denúncia.
Cunha e sua tropa saíram a repetir que faltam provas que sustentem as acusações, como vídeos e escutas. O encontro também fechou o discurso conspiratório sobre um suposto "acordão" entre PGR e Planalto, que poupou petistas e o presidente do Senado (e governista outra vez), Renan Calheiros (PMDB-AL), outro investigado na Lava-Jato - o governo refuta qualquer ingerência e a PGR nega seletividade em seu trabalho. Esse será o tom das falas de aliados do presidente, que destacarão o ritmo intenso de votações que impôs em sua gestão.
- Ele (Cunha) faz a Casa funcionar, os deputados nunca trabalharam tanto. Eduardo tornou a Câmara independente e desagradou o palácio - diz o deputado Mauro Pereira (PMDB-RS).
A situação atual contrasta com a vivida por Cunha há seis meses. Eleito em primeiro turno presidente da Câmara, ao patrolar o candidato do Planalto Arlindo Chinaglia (PT-SP), ele se consolidou como principal ameaça para um eventual impeachment. Sua força derrubou Pepe Vargas (PT-RS) da articulação do Planalto. O véu de neutralidade permaneceu até o mês passado, quando se tornou oposição declarada, ciente do cerco da Lava-Jato.
Expectativa sobre pauta de votações
Rivais e aliados tentam projetar se o presidente manterá a hegemonia capaz de aprovar PECs do seu interesse, que dependem de 308 dos 513 votos do plenário.
As votações dos próximos dias são consideradas um termômetro. Petistas demonstram receio de que Cunha reforce a agenda das bancadas da fé e da bala.
- Temo que ele (Cunha), para manter a maioria, tenha de sucumbir ainda mais à pauta de interesse particular dos grupos que lhe dão sustentação - adverte Paulo Pimenta (PT-RS).
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Blindado por dominar a Mesa Diretora, a Corregedoria e o Conselho de Ética, Cunha tem apoio de nanicos e oposição. Ainda é senhor da bancada do PMDB e conta com defecções em outras legendas, incluindo o PT. Seus inimigos acreditam que, como auxilia no financiamento de campanhas de colegas, cobrará a conta agora.
Parlamentares de 10 partidos exigem o afastamento do peemedebista, porém calculam reunir pouco mais de 30 membros - uma eventual cassação necessita de 257 votos. Assim, a intenção é vencer Cunha no cansaço.
Aposta nos colegas do PMDB e na oposição
Para manter a hegemonia na Câmara e continuar a aprovar os projetos de seu interesse, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) aposta na fidelidade da bancada do PMDB e da coalizão de deputados de diferentes partidos contrários ao governo. Nesta aliança de oposição ao PT e favorável à queda da presidente Dilma Rousseff, destaque para PSDB, DEM e Solidariedade.
Com 67 parlamentares, a bancada do PMDB é liderada por um aliado fiel de Cunha, Leonardo Picciani (RJ), filho do atual presidente da Assembleia fluminense, Jorge Picciani. Aos 35 anos, Leonardo é deputado federal desde os 23, cumpre seu quarto mandato consecutivo.
O parlamentar foi escolhido graças a uma manobra de Cunha e do prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), que nomeou deputados como secretários por poucos dias, a fim de que suplentes tomassem posse com a missão de votar no herdeiro dos Picciani. A artimanha assegurou controle da bancada para o presidente da Câmara, que liderou seu partido até fevereiro.
Na prática, as posições do PMDB nas votações refletem as opiniões de Cunha - os deputados divergem apenas em questões pontuais. O apoio foi reforçado na quinta-feira, quando a bancada divulgou nota de apoio após a confirmação da denúncia no Supremo. O texto lembrou que "enquanto não se esgotarem todas as etapas previstas no rito da lei, não há culpados, mas acusados".
Depois de distribuir cargos importantes em comissões a parlamentares de oposição e de fomentar o impeachment de Dilma, Cunha cobra o empenho em sua defesa de PSDB e DEM, que adotam discursos moderados em relação ao afastamento do peemedebista.
- Não vou fazer um prejulgamento nem atuar para blindar qualquer que seja a pessoa - disse o líder do DEM, Mendonça Filho (PE).
Controlado pelo deputado Paulinho da Força (SP), o Solidariedade está fechado com Cunha. Na sexta-feira, a Força Sindical, ligada ao partido, recebeu o peemedebista em São Paulo com gritos de "Cunha, guerreiro do povo brasileiro".