A vista bonita da janela do 10º andar, já não agrada mais. A foto da filha, cartas na parede e o pôster do time do coração mostram um quarto de hospital transformado em lar, mas que não trazem mais a sensação acolhedora ao morador. Nove meses se passaram desde que Luiz Roberto Machado, 54 anos, autônomo aposentado por invalidez, deu entrada no Hospital de Pronto Socorro de Canoas, no dia 28 de novembro, após sofrer uma queda e machucar a cabeça. Após alguns dias internado, recebeu a notícia de que sua casa, no Bairro Mato Grande, tinha sido destruída por um incêndio. Mesmo curado, Luiz não conseguiu deixar o hospital por não ter para onde ir. Começava, então, um longo ano de espera por moradia.
Transferido para o Hospital Universitário da Ulbra, em Canoas, Luiz recebeu alta pelos médicos no início de dezembro. Sem casa e sem ninguém da família para acolhê-lo, ele acabou permanecendo na unidade médica, que cedeu um quarto privado e todo o serviço do hospital, esperando que a situação fosse provisória. Desde então, por estar sob os cuidados da instituição, até que ele decida deixar o local por conta própria, Luiz precisa viver 24 horas dentro das salas e corredores da unidade de saúde.
- Desde dezembro eu não sou mais paciente, esqueceram de mim aqui. Quero ir embora, quero que a prefeitura de Canoas me ajude a comprar ou alugar uma casa. Albergues aceitam apenas por dez dias, logo, não teria mais para onde ir e acabaria na rua - esclarece.
Moradia
De acordo com o aposentado, em fevereiro, o órgão público foi ao Hospital e inscreveu Luiz no programa do governo federal Minha Casa, Minha Vida. Segundo Luiz, na ocasião a prefeitura prometeu que, no máximo em seis meses, ele teria sua casa própria, mas, junto à prefeitura, a inscrição nunca foi realizada.
- Fiquei sabendo em julho que a documentação para o programa não tinha validade nenhuma. Me fizeram esperar para nada. Liguei muitas vezes para a Secretaria de Habitação, eles falaram que eu deveria esperar - conta Luiz.
O serviço de primeira linha do hospital, com direito a seis refeições por dia e, pelo menos, seis atendimentos médicos diários, também não são razões para fazer com que Luiz se conforme com a situação.
- Eu reconheço que tenho tudo aqui. O hospital está sendo maravilhoso, nunca fui tão bem tratado na vida. Graças a Deus tenho senso de humor e me dou bem com todo mundo, mas sei quantas pessoas estão no corredor, esperando por atendimento. Posso estar tomando o lugar de alguém - fala Luiz emocionado - Quero estar perto da minha filha, quero comprar um cachorro-quente, colocar saldo no meu celular, comprar meu jornal, ser livre!
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Segundo a coordenadora de acolhimento do Hospital da Ulbra, Paula Costa, o leito onde ele está não tira lugar do atendimento pelo SUS.
- Ele pode sair do hospital quando quiser, mas quando deixar a porta, não poderá voltar para dormir, apenas na condição de paciente. Quando ele encontrar um lar, pode assinar uma alta a pedido, informando que está deixando a unidade - explica.
Sem prazo para libertar Luiz
Segundo a prefeitura, as secretarias da Saúde, Habitação, Desenvolvimento Social e da Pessoa com Deficiência de Canoas estão estudando alternativas para solucionar o caso. De acordo com o órgão, "a Secretaria de Desenvolvimento Social, através de Centro de Referência Especializado em Assistência Social vai esgotar todas as possibilidades para que o Luiz volte ao convívio familiar". A prefeitura confirma que Luiz não está incluído no Minha Casa, Minha Vida, por "não atender aos requisitos para o benefício". A SMDS ressalta que o aposentado não está em situação de abandono ou vulnerabilidade, "se encontra lúcido, orientado e possui renda pessoal que o possibilitaria outras alternativas para deixar a unidade hospitalar".
De acordo com Luiz, representantes da prefeitura de Canoas estiveram no hospital na semana passada oferecendo a ele um quarto terapêutico, um tipo de quarto em uma clínica, que seria compartilhado com outros moradores. Outra opção foi uma casa na qual Luiz teria que pagar o aluguel com dinheiro próprio. Em resposta à prefeitura, o morador afirma que ganha R$ 343 por mês e que seria incapaz de pagar um aluguel, já que tem uma dívida de um empréstimo até 2017.
- Neguei as opções. Eu sou flagelado, deficiente físico e quero que a minha filha more comigo. Meu desejo é que cumpram a promessa de me colocar no Minha Casa, Minha Vida ou então ofereçam um aluguel social - pago pela prefeitura. Do contrário, vou para um quarto e vão esquecer de mim, de novo.
*Diário Gaúcho