Kakay ao lado de Vinícius, umdos três filhos. Por gostar de comer e beber, também virou dono de restaurantes
Foto: Osvaldinho/Arquivo Pessoal
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Em mais de três décadas de carreira, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, se tornou habitué nos casos de repercussão com políticos, empresários ou celebridades. Defendeu o ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira, o banqueiro Salvatore Cacciola, a atriz Carolina Dieckmann e o publicitário Duda Mendonça. Contabiliza ainda a defesa de mais de 70 governadores e uma penca de senadores. Aos 58 anos, três filhos e quatro relacionamentos, este mineiro não preza pela discrição. Chama atenção dentro e fora dos tribunais. Contador de causos, é proprietário de restaurantes frequentados pela corte do poder em Brasília, coleciona obras de arte e fotos com famosos.
Com a Operação Lava-Jato e os inquéritos solicitados pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, Kakay ganhou clientes. Em seu escritório, no 12º andar de um edifício no coração da capital federal, o criminalista recebeu ZH para uma entrevista, dividida em quatro partes.
No trecho da conversa reproduzido abaixo, Kakay comenta seus casos de maior repercussão:
Em 2000, como foi lidar com a fuga de Salvatore Cacciola, após lhe conseguir um habeas corpus?
Tecnicamente, ele não fugiu. Foi solto, não havia restrição para viajar e, como entendia que a prisão era injusta, foi para Itália. Depois, caracterizou fuga porque ele não voltou quando saiu a nova prisão. Fui à Itália e disse para ele que ia deixar o caso. Quando você entra com hábeas no Supremo, de certa forma empresta a credibilidade de seu nome.
Leia outros trechos da entrevista:
"Conheço as delações e sei que todas são mentirosas"
"Falar em impunidade no Brasil é uma falta de visão"
"Se você burla a regra com um senador, vai burlar com o dono do botequim"
A fuga abalou sua credibilidade?
Não. Jamais oriento cliente a fugir e político a renunciar. É decisão de foro íntimo. Defendi Ricardo Teixeira na primeira CPI do Futebol (2000-2001), ele ia renunciar e voltou atrás.
Incomoda o rótulo de advogado de inimigos públicos?
No início incomodava, hoje instiga. No mensalão, defendi Duda Mendonça (em parceria com o criminalista gaúcho Luciano Feldens). Um dia, eu tomava cerveja na fila para ver um jogo da Copa e gritaram: "Advogado de mensaleiro". Voltei e disse que meu cliente tinha sido absolvido. É a espetacularização do Direito. É ruim quando ministro (do STF) vira herói, porque haverá um anti-herói. O Judiciário não pode se curvar a esses arroubos.
É mais difícil defender empresário, político ou celebridade?
A vantagem da celebridade é que a imprensa fica ao seu lado. No caso Carolina Dieckmann, estive em oito edições do Jornal Nacional com opinião pública a favor, fiquei até bonito. É diferente de quando você bota a cara para defender o inimigo público, com a imprensa contra. Sugiro aos clientes que contratem um assessor de imprensa, e digo: o melhor assessor é aquele que te tira da imprensa. O processo fica técnico, facilita para o advogado.
Mas o senhor avalia se o cliente é inocente ou culpado?
Não sou Deus nem juiz. Se o cara me procura e vejo uma defesa técnica, topo. Não pegaria caso de quem molestou criança, de estuprador. Sou procurado com propostas de honorários mirabolantes em casos de tráfico internacional de drogas, e não pego. Agora, se sentir que a prisão é ilegal, posso atuar apenas na reversão da prisão.
O advogado deve desconfiar que a fonte do pagamento do honorário é ilícita? Márcio Thomaz Bastos defendeu o bicheiro Carlinhos Cachoeira.
O Ministério Público investiga o cara dois anos para denunciá-lo, o cara está preso e procura um advogado, que vai ter de investigar se o dinheiro é licito ou não? Isso é um retrocesso.
E nos casos notórios? Cachoeira é um bicheiro.
Não existe caso notório. O cara que, na visão do público, obteve dinheiro de forma ilícita não pode ter advogado? Ou o Estado vai nomear um defensor pago com dinheiro público? Aí, o Estado vai cometer algo imoral. É um moralismo tacanho.
Qual o perfil do seu escritório?
Prefiro escritório pequeno, somos cinco advogados. Uns 30% dos casos são atendidos de forma gratuita, me emociono com uma história e topo, sem mídia. Defendi alunos da UnB (Universidade de Brasília) que brigaram com um professor, ganhei o caso, o professor teve de pagar os honorários de R$ 3,2 mil, peguei o dinheiro e fui com os alunos para o Beirute (bar popular de Brasília). Gastamos tudo em cerveja.
Ser bem relacionado auxilia?
Não é fundamental, mas há uma grande vantagem em ser ouvido. Por isso, dou palestras e entrevistas. E tenho coragem para falar. Com STF e STJ, trabalho de forma reservada e técnica, estudo jurisprudência. Falo com ministro distribuindo memoriais ou da tribuna.
Em Brasília, fala-se que os embargos auriculares (tentativas de advogados de influenciar juízes em conversas informais) são decisivos. Verdade ou folclore?
Isso é coisa de quem não conhece os tribunais e desrespeita os ministros. Jamais trataria de um assunto profissional em um restaurante ou residência. Ninguém advoga 35 anos em uma Corte Suprema sem se dar o respeito. Isso tudo é um pouco de história. Aí, é aquela coisa: fama de rico, pegador e valente a gente não desmente.
Por que resolveu comprar o Piantella, restaurante considerado um templo da política em Brasília?
Sempre fui boêmio, sempre gostei de comer e beber. Ia muito ao Piantella, então, ficou mais barato comprar a casa do que continuar gastando. Também sou dono do Piantas, um bistrô que considero o mais charmoso do país.
Carolina Dieckmann foi chantageada, diz advogado
O senhor advogou para Carolina Dieckmann no caso do vazamento de fotos. Surgiu uma lei com o nome da atriz, que pune invasão de aparelhos eletrônicos. Resolveu?
Foi uma homenagem pela coragem que ela teve de enfrentar o caso. Ela queria deixar claro que um hacker pegou as fotos que ela tinha o direito de mandar para o marido. Sempre que existe um crime com publicidade, a tendência do Congresso é criar uma lei "mais dura". A saída não é aumento de pena, redução de maioridade penal. São pessoas que vivem na direita penal ou no direito penal do terror. No caso da Carolina, foi interessante vir uma lei para preencher uma lacuna legal, mas legislar no calor da discussão não é o ideal.
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No caso das biografias, Roberto Carlos não foi atendido no STF. Como assimilou a derrota?
Ganhei a causa, as pessoas que não entenderam. Desde o início, argumentei que autorização prévia é uma espécie de censura, mas que o cidadão tem direito de ir ao Judiciário quando se sentir ultrajado. Esse direito, de buscar eventual reparação, ganhei na causa. A biografia é diferente da liberdade de expressão, é uma pesquisa que deve ter certa fidedignidade.
"Não esperava unanimidade, a corte surpreendeu", diz autor da biografia de Roberto Carlos
E se alguém fizesse uma biografia sua, qual seria o título?
Nenhum problema. Se o cara publicar que sou atleticano, vou processá-lo, porque sou cruzeirense. O título que queria me foi roubado pelo Pablo Neruda: Confesso que Vivi. Pensei em Confesso que Bebi, mas o Jaguar me levou. Então, o título seria Vi, Ouvi e Vivi: Intensamente e sem Culpa.
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