
O relógio passava das 22h de sexta-feira quando Adriana Adamczuk, 43 anos, ouviu um tiroteio na avenida onde mora e possui uma padaria, no bairro Menino Deus, em Porto Alegre. Estava fechando o estabelecimento, de onde saiu às pressas após ouvir os disparos. Queria verificar se o marido, que passeava com os dois cães da família, estava bem.
Moradores de rua entregam carta à família de empresário
Viu apenas um dos cachorros correr em sua direção, solto da coleira. O outro estava parado ao lado do dono, Elvino Nunes Adamczuk, 48 anos. Atingido por uma bala perdida no abdômen, o empresário estava desacordado. Ele foi socorrido pela Brigada Militar e encaminhado ao Hospital de Pronto-Socorro, onde morreu por volta das 6h45min desta terça-feira.
- Tiraram meu companheiro, meu único namorado, com quem vivi 28 anos. Tínhamos planos de envelhecer juntos - lamentou Adriana.
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Em frente à padaria da família, localizada na Avenida Getúlio Vargas, próximo à Praça Garibaldi, a viúva recebeu abraços de familiares e amigos na tarde desta terça-feira, entre eles clientes da padaria. Todos foram ao local dispostos a dar apoio à família, querida por todo o bairro. Adamczuk era conhecido pela simpatia, bom humor e dedicação ao trabalho.
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Entre as manifestações de força, estava uma carta assinada por moradores de rua, que costumavam receber comida de Adamczuk. Toda manhã, eles faziam fila fora da padaria, para receber doações do empresário. "Nós moradores de rua gostaríamos muito de mandar um grande abraço e mil pêsames para uma pessoa que sempre esteve junto a nós(.) Muito obrigado por tudo e que Deus o tenha, descanse em paz", dizia a homenagem, assinada por 18 pessoas.
- Nessa hora de dor, só o carinho dos amigos nos conforta. Eles e todos os clientes são nossos amigos - completou Adriana.
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Além da mulher, com quem era casado há 26 anos, Adamczuk deixa três filhos: William, 26 anos, Wagner, 24 anos, e Rafaella, 12 anos. Era proprietário da padaria Santo Antônio há 14 anos, e morava em frente ao local.
O empresário acordava diariamente às 4h para abrir o empreendimento às 7h, onde era responsável pelo setor de padaria. Trabalhava ao lado da mulher, responsável pela confeitaria, e dos filhos. Fechavam o local ao público às 19h, mas costumavam trabalhar até as 22h.
Adriana abraça a filha Rafaella
Foto: Lauro Alves, Agência RBS
- Como pode um trabalhador ser morto enquanto passeava com os cachorros? Hoje foi o Elvino, amanhã pode ser outro. Se o governo não melhorar a segurança, não vamos mais poder sair de casa - desabafa a comerciante Rosane Alves Pereira, 52 anos, amiga de Adriana há mais de uma década.

- Vamos para cima do governo para pedir mais segurança. Há poucos policiais, faltam viaturas e não fazem nada - acrescenta a viúva.
Adamczuk foi baleado pouco antes de partir com a família para Tramandaí, onde passariam o feriadão. Os planos eram voltar apenas na segunda-feira, para reabrir a padaria.
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A notícia da morte do empresário espalhou luto pelo bairro, que motivou uma nota de pesar do "Movimento S.O.S. Menino Deus" (leia na íntegra abaixo).
- Desde a sexta-feira, a família têm recebido o apoio de toda a comunidade, que fez corrente de orações e campanha para doação de sangue enquanto ele estava no hospital - informa Rosane.
Agradecida pelo empenho dos funcionários do HPS em salvar o marido, Adriana faz um apelo: para que o banco de sangue fique aberto nos feriados. Segundo ela, mais de 25 pessoas que foram ao local para doar sangue em nome do marido encontraram as portas fechadas na segunda-feira.
- As enfermeiras me disseram que eles tiveram de buscar sangue em outros hospitais, enquanto várias pessoas estavam dispostas a doar.
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O velório de Adamczuk será realizado a partir das 20h desta terça-feira, na capela B do Cemitério São Miguel e Almas. O enterro está marcado para às 10h de quarta-feira, no mesmo local.
- Não está tudo bem em um Estado onde há 40 assassinatos em um final de semana. Alguma coisa tem de mudar. O governo tem de equipar e valorizar mais a polícia, e os deputados têm de mudar as leis - completa Rosane.
Nota de Pesar do Movimento S.O.S. Menino Deus
"É com sentimento de muito pesar, dor e lástima, que o movimento S.O.S. Menino Deus recebe a notícia do falecimento do comerciante Elvino Nunes Adamczuk, proprietário da Padaria Santo Antônio, situada no coração da Avenida Getúlio Vargas. Nosso movimento, composto por moradores, varejistas e trabalhadores do Bairro Menino Deus, há tempos alerta para a constante e crescente violência que toma conta da região, bem como, para a igual inércia dos nossos governantes quanto a essa triste realidade.
Elvino, assim como muitos outros, foi vítima da indiferença e falta de ações quanto aos problemas que assolam não só o nosso Bairro, mas o Rio Grande do Sul inteiro. Entretanto, o Menino Deus se tornou alvo preferencial, em virtude da facilidade de acesso ao tráfico de drogas no Morro Santa Teresa, que potencializa o número de vítimas desse grande problema social que não é combatido com a eficácia necessária. Por sua vez, o vício cria outros problemas sociais ainda mais graves, e o principal é a violência imposta aos demais cidadãos, que não conseguem mais ter paz e são obrigados a conviver com a morte, ameaça e o medo constante.
Gostaríamos de prestar nossas homenagens e solidariedade aos familiares e amigos de Elvino e desejar um voto de apreço neste momento muito difícil".
Marcelo Machado
Coordenador do movimento S.O.S. Menino Deus
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