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O ano de 2015 está prestes a ficar marcado como aquele em que nunca tantos carros foram levados por ladrões. Se for mantida a média da estatística divulgada na semana passada pela Secretaria de Segurança Pública (SSP), terão sido roubados 17.820 veículos até o fim de dezembro. Na soma com os crimes de furtos, 37.944 motoristas estarão entre os que tiveram seus veículos levados - os dois índices atingiriam o nível mais alto da história desde quando foi iniciada a contagem oficial, em 2002.
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O salto se revela nos dados do terceiro trimestre. Os números apontaram alta de 30% nos ataques com grave ameaça a condutores entre janeiro e setembro deste ano na comparação com o mesmo período de 2014. Foram 13.368 casos. A média mensal de roubos a motoristas ficou em torno de 1,3 mil. Mas em agosto atingiu 1,9 mil ocorrências e, no mês seguinte, 2,1 mil - período em que os servidores públicos tiveram seus salários parcelados em razão de dificuldades financeiras do Estado.
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A SSP reconheceu preocupação com os índices e creditou o aumento na conta da greve da Polícia Civil e da paralisação na Brigada Militar (BM). Mas a série histórica das estatísticas da própria secretaria mostra que o roubo de veículo tem acelerado no Estado há mais tempo.
O último pico ocorreu em 2007, quando 15 mil veículos foram roubados. No ano seguinte, iniciou-se sequência de quedas até 2010, último ano em que o delito andou em marcha a ré, com 10.552 casos. Daí em diante, a atividade dos ladrões embalou. O ex-comandante da BM coronel João Carlos Trindade, que esteve à frente da corporação entre 2008 e 2010, afirma que a aposta naquele período foi a de encurralar os assaltantes, espalhando constantemente barreiras pelas ruas das cidades com maior circulação:
- Não existe muito mistério. Para reduzir o roubos de carros, é preciso montar barreiras e aumentar o número de abordagens. Não pode deixar o bandido em paz.
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O atual subcomandante da BM, coronel Paulo Stocker, discorda de que o número de barreiras feitas hoje seja muito diferente do passado, e afirma que esse tipo de ação não é a melhor solução para o problema. Segundo Stocker, no segundo trimestre deste ano a corporação realizou, na Capital, uma operação de força tática 100% baseada em barreiras, e teve retorno extremamente negativo da população por estar trancando a cidade.
- Mudamos o modus operandi, mantendo barreiras nos locais e horários essenciais, ampliando o policiamento ostensivo. Nos meses de outubro e novembro, já estamos tendo resultados positivos que irão reduzir bastante os índices de todos os crimes - promete Stocker.
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O delegado Heliomar Franco, atual titular da 1ª Delegacia de Polícia e da Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento de São Leopoldo, também vivenciou a queda nos ataques a motoristas em 2010, quando esteve à frente da Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). De acordo com Franco, a prioridade era a prisão de assaltantes nas seis cidades com maiores índices.
Para isso, a investigação buscava que vítimas reconhecessem detidos por receptação também como autores de algum roubo, o que possibilitava mantê-los em prisão preventiva até o julgamento.
- Ele (assaltante) ganha pouco repassando o veículo. Então, repete o delito muitas vezes e, por alguma delas, acabava reconhecido. O foco era tirar o ladrão da rua - afirma.
O coronel Trindade relembra também que no último ano de sua gestão houve o ingresso de 5 mil policiais militares (PM), e que todos foram destinados ao policiamento ostensivo. Para o oficial, o corte de horas extras somado às paralisações pode ter agravado a já difícil situação da BM, cujo efetivo caiu em setembro para o menor patamar em 33 anos.
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- Destinávamos inclusive cotas de horas extras para batalhões com melhor produção. É preciso haver a decisão de prioridade com os meios que se tem - afirma Trindade.
O subcomandante Stocker reconhece que uma tropa maior tornaria o trabalho mais eficaz, mas rebate a leitura da própria SSP de que as paralisações tenham contribuído para elevar os índices criminais:
- O efetivo não ficou parado. A principal razão (para alta dos indicadores) foi a veiculação na imprensa de uma falsa paralisação da BM. Não tenho dúvida de que isso desinibiu os criminosos a saírem à rua.
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O chefe do Comando de Policiamento da Capital, tenente-coronel Mario Ikeda, lembra que em 2011, quando os roubos de veículos voltaram a crescer, também passou a vigorar a lei dos crimes afiançáveis, que inclui a receptação. Com isso, pessoas presas com carros roubados que não sejam reconhecidas pelas vítimas como autoras do assalto, pagam fiança e respondem em liberdade. Além disso, a legislação prevê condenação ao regime semiaberto para réus primários. Como não há vagas, esses também acabam livres para cumprir pena em casa, o que facilita a reincidência.
- Essa situação gera certa sensação de impunidade, porque a pessoa é solta rapidamente - afirma Ikeda.
Sem barreiras para a clonagem
Para o titular da Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos do Departamento Estadual de Investigação Criminal (Deic), delegado Luciano Peringer, a alta nos roubos de veículos reflete o aprofundamento da criminalidade. Conforme o delegado, aumentaram casos em que ladrões buscam meios de transporte para cometer outros delitos. Quadrilhas de contrabando de cigarros e de tráfico de drogas e armas têm se utilizado de carros roubados para trazer mercadoria de fora ou trocar o veículo por um dos produtos ilegais.
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- O número de veículos levados aqui e recuperados em Santa Catarina e no Paraná aumentou. (Os criminosos) compram um roubado por cerca de
R$ 2 mil, que se perderem em uma apreensão não é grande prejuízo - diz.
O delegado afirma ainda que a clonagem está cada vez mais especializada. Falsários que até algum tempo conseguiam copiar apenas a numeração de vidros e as placas, hoje são capazes de regravar numerações do chassi, do motor e de etiquetas identificadoras em diferentes pontos dos carros:
- Na internet, há gente oferecendo carro por 20% do valor. Tem quem caia em golpe por boa-fé. Mas muitos compram sabendo da origem ilegal.
Sem apresentar números, o delegado ressalta que o índice de recuperação dos bens gira em torno de 60%, e que o número de prisões da delegacia cresceu cerca de 70% entre janeiro e setembro, na comparação com 2014. Afirma ainda que investigações para identificar integrantes de quadrilhas são contínuas.
Novos limites sobre ferros-velhos
A grande aposta das autoridades para frear o crescimento de furtos e roubos de veículos são recentes mudanças na legislação para ampliar o controle sobre os desmanches. Em 20 de maio passado, entrou em vigor a Lei Nacional dos Desmanches, que deu prazo de três meses para o cadastramento de todos os ferros-velhos que tivessem interesse em legalizar a atividade. Atualmente, 202 estabelecimentos funcionam como Centro de Desmache Veicular (CDV) e outros seis como recicladores - as prefeituras estão autorizadas a fechar todos os demais, e a fiscalização dos CDVs é do Departamento Estadual de Trânsito (Detran).
Os cadastrados têm até 20 de agosto de 2016 para se adequar às exigências da nova lei que prevê, entre outras medidas, o registro e a etiquetagem com numeração de todas as peças no estabelecimento.
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- A intenção é dificultar a comercialização de material irregular, porque os CDVs terão de manter o registro da origem legal de cada item - diz o chefe da Divisão de Desmanches do Detran, Gerson Drevnovicz.
O efeito prático da iniciativa depende ainda da entrada em vigor de outra lei - estadual - que regulamenta o destino do material irregular localizado pela fiscalização.
- Com a nova lei, vamos poder apreender tudo do estoque que não tiver origem comprovada. Assim, o proprietário vai pensar 10 vezes antes de comprar peça ilegal - explica o delegado Luciano Peringer, titular da Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).
Aprovada na Assembleia Legislativa no último dia 10, a lei aguarda sanção do governador José Ivo Sartori.
Nos nove primeiros meses deste ano, os cinco municípios que tiveram mais veículos furtados...
1º Porto Alegre 3.133
2º Caxias do Sul 1.028
3º Canoas 859
4º Novo Hamburgo 813
5º Pelotas 659
... e os cinco que tiveram mais roubo
1º Porto Alegre 6.958
2º Canoas 842
3º Novo Hamburgo 774
4º São Leopoldo 570
5º Caxias do Sul 530
Fonte: SSP