
Com os dentes e a língua empastados pelo barro, o corpo inteiramente coberto por feridas e o tornozelo esquerdo quebrado, Weslei Isabel, de 24 anos, ouviu do filho Nicolas, de 2 anos, que acabara de ser resgatado, a pergunta para a qual, dois dias depois, ainda não tinha resposta: "Papai, e a Manu?". Retirado da lama graças à ajuda de um amigo da família, o pequeno estranhava a ausência da irmã, Emanuele Vitória, de 5 anos.
- Acomodei a cabeça dele no peito e disse: está nas mãos de Deus.
O número desaparecidas caiu de 28 para 26, já que dois homens foram localizados em um hotel neste domingo. Destes 26, 13 são operários que trabalhavam para a Samarco e os outros 13 são moradores - o nome de Emanuele está na lista.
Deitado no leito de um hospital em Santa Bárbara, cidade vizinha a Mariana, o pai de Emanuele descreveu o desespero iniciado quando viu ondas enormes de lama, pedaços de concreto, carros, cercas, pedras e árvores o atingirem depois do rompimento das barragens de rejeitos e água. O auxiliar de serviços estava em casa com as duas crianças quando os três foram alcançados pela avalanche.
Weslei chegou a agarrá-los, mas viu os filhos escaparem dos braços depois de ser abatido por uma parede. Em meio à enxurrada, prendeu o fôlego uma, duas, três vezes ao ver as ondas de barro se aproximarem. Sabia que manter a calma era sua única esperança de sobrevivência. Só depois de conseguir se desvencilhar, ao ser lançado em um barranco, encontrou um amigo. Com dificuldade, caminhou durante meia hora às margens da área atingida. Então, ouviu o choro de uma criança.
- Não sei como, mas reconheci que era um dos meus filhos. O meu amigo resgatou Nicolas, eu pensei: Ai meu Deus, pelo menos consegui pegar um - disse o pai de Emanuele, que não havia sido localizada até o fechamento desta edição.
Antes mesmo que autoridades prestassem contas sobre o número de desaparecidos, um conjunto de nomes de pessoas ainda não localizadas era repetido com aflição pelos moradores de Bento Rodrigues. Entre os abrigados em hotéis, ouvia-se sobre a mulher que desaparecera logo depois de fazer as unhas e as sobrancelhas na manicure, da senhora atingida enquanto tentava fisgar carpas e tucunarés no lago de um sítio de parentes, do idoso conhecido por passar horas cuidando de galinhas e cachorros.
A Defesa Civil, no entanto, negava ter encontrado qualquer corpo no local do acidente e, embora a tragédia esteja completando 72 horas, as equipes de resgate afirmaram que ainda é possível encontrar pessoas com vida.
Essa esperança, no entanto, diminui a cada hora que passa para o operário Marcelo Felício, de 30 anos. Felício trabalhava sobre a barragem que se rompeu apenas 25 minutos antes do acidente. Acabou liberado pelo chefe mas ouviu pelo rádio da empresa quando os colegas começaram a gritar pedindo por socorro e dizendo que a barragem estourara.
- Estava no caminho de casa e sem crédito no celular para avisar à minha mãe - conta Felício.
Maria das Graças Celestino da Silva, a Gracita, de 64 anos, estava na rua de casa quando soube do acidente. Havia dado folhas de mandioca a uma vizinha, ido à manicure, parado para comprar algo em um bar. Nessa hora, ouviu da vizinha Marcelina Xavier que a lama estava vindo e que ela deveria correr. As duas senhoras acabaram engolfadas pelo barro. Marcelina foi resgatada com uma fratura na perna:
- A primeira coisa que ela disse foi: "Peguem a Gracita, ela estava logo atrás de mim". Mas ninguém nunca mais a encontrou. E eu estou mergulhado em um arrependimento enorme de ter sido malcriado com ela quando era adolescente. Espero que Deus tenha guardado um bom lugar para ela e que ela possa me perdoar - disse Felício, olhos mareados.
Enquanto tenta se acomodar com a mulher em um dos hotéis em que está abrigado, Felício se debate em meio a boatos de que o corpo de sua mãe foi encontrado. Na manhã de ontem chegou a ir ao necrotério e pediu para ver os corpos. Nenhum era o dela. Seu desejo agora é apenas poder dar-lhe um velório digno. Ironicamente, ele deve voltar a trabalhar no lugar que selou o destino da própria mãe.
A dona de casa Esdra de Santos Ribeiro, de 70 anos, viu a sobrinha Maria Elisa Lucas, de 60, ser lançada pela enxurrada no lago onde pescava.
- Eu achei que era um sonho. Mas não dava para fazer nada, a não ser correr - lamenta a senhora, internada numa policlínica.
Maria chegara na véspera, à procura de alguns dias de descanso no sítio de 15 hectares, onde eram criados porcos, gado e galinhas. Há uma década, uma vez por ano, ela deixava marido e filho na capital mineira por um punhado de dias para buscar a tranquilidade do arraial.
Nas ruas do vilarejo, Antônio Prisco de Souza, de 70 anos, era conhecido apenas como senhor Totó. O idoso miúdo de olhos muito pretos não andava bem da cabeça desde que foi obrigado a se privar da cachaça há 20 anos, conta a irmã Judite Souza Caetano, de 67 anos. Desde então, ela avalia, ficou "meio abobado", mas era unanimidade entre os vizinhos, que o viam passar horas cuidando de animais.
- Não sabemos o que aconteceu com ele. Quando disseram que a água ia chegar, ele disse: "Isso não vai acontecer, sô". A gente não sabe se ele ficou embarrancado dentro da casa ou foi por água abaixo. Não sei se dá para ter esperança com o arrasto que teve lá.