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Um dos maiores especialistas brasileiros nos meandros das cúpulas do clima, o astrofísico Luiz Gylvan Meira acredita que as metas oficiais para limitar o aumento da temperatura do planeta em 2ºC já fazem da COP de Paris - que será realizada de 30 de novembro a 11 de dezembro - um sucesso. Ex-vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), ele concedeu a seguinte entrevista a Zero Hora.
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O terrorismo vai ofuscar a questão ambiental na COP?
Estava lendo um texto de um amigo meu, Fábio Feldman, que foi deputado federal e secretário do Meio Ambiente de São Paulo. Ele diz: a mudança do clima é a verdadeira arma de destruição em massa, porque vai destruir espécies e afetar a humanidade em massa, em grandes números. A prazo mais longo, a mudança do clima causará conflitos sérios, porque, se você mexer com a produção de alimentos no mundo e com a questão água, isso causa distúrbios sociais. A agenda não vai ser ofuscada pelos ataques terroristas porque são escalas de tempo diferentes. As duas questões são importantes, mas uma é em uma escala de tempo imediata, você precisa combater o terrorismo. E a mudança do clima é um problema para as próximas décadas.
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Mas não se fala em outro assunto na França, que está em estado de emergência e muito preocupada com a segurança. Não seria mais adequado ter adiado a COP?
De jeito nenhum. Eu trabalhei no setor aeroespacial, trabalhei em Le Bourget, é um local onde há muitas feiras de foguetes, aviões e satélites. Há uma segurança muito grande no local. Você imagina uma exposição onde EUA, Rússia e Europa trazem os seus aviões de guerra, de altíssima tecnologia. Nunca houve problemas, porque é praticamente uma base aérea. Não é como se fosse em um palácio no centro de Paris.
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Do ponto de vista das negociações, o senhor está otimista?
Nessa COP, as coisas foram feitas com calma. A regra do jogo é que os países apresentassem suas metas. Cada país já apresentou por escrito uma promessa, uma declaração formal do que pretende fazer com suas emissões de CO2 no futuro. E é isso que precisava ser feito. Até porque, para evitar que o clima continue mudando, você só pode emitir a mesma quantidade que a natureza consegue tirar da atmosfera. Como quase todos os países já mandaram um documento dizendo o quanto irão emitir, é fácil fazer as contas e ver o que falta para que se consiga segurar o clima abaixo de 2ºC. Está ficando séria a discussão. Sob esse ponto de vista, a COP de Paris já é um sucesso.
Mas em Copenhague também havia otimismo.
Acho uma injustiça. Foi em Copenhague, em 2009, que, pela primeira vez, colocou-se um número à mesa. Foi lá que o mundo disse: "Vamos segurar a mudança do clima em 2ºC". Antes, na convenção, se dizia apenas: "Precisamos estabilizar a concentração de gases causadores do efeito estufa na atmosfera em um nível que evite a interferência antrópica perigosa sobre o sistema climático". A frase é muito bonita, mas não tem nenhum número no meio. Em Copenhague que foi dito: "Vamos traduzir essa frase? Traduzindo: 2ºC, todo mundo topa?" Aí, toparam. Não foi fácil, porque, em 2007, em uma reunião, a União Europeia propôs um pacto para limitar a mudança do clima em 2ºC, e o mundo não topou. EUA não toparam, China e Brasil também não.
A meta brasileira de reduzir as emissões de gases em 37% até 2025 não é muito ousada?
Acompanhei a declaração brasileira e acho que foi bem feita. A Presidência encarregou a ministra Izabella Teixeira (do Meio Ambiente), e ela trabalhou muito bem. Em vez de chamar a televisão, trabalhou quieta, falou com quem tinha de falar - com os ministros da Agricultura, da Indústria e Comércio, das Relações Exteriores, de Minas e Energia e da Fazenda. E somente com esses, porque são eles que têm responsabilidade com essa questão. Ela foi muito habilidosa e criou um consenso. Não é uma coisa fácil dentro do governo, porque são ministérios muito fortes. Ela criou consenso sem alarde. O Brasil deve conseguir cumprir, mas isso passa por manter a taxa anual de desflorestamento baixa, parar de carbonizar a matriz energética, voltar a limpá-la. E a agricultura deve continuar o processo de modernização porque, com ela, você consegue produzir mais com menos.
*Zero Hora