
A sexta-feira 13 da França e do mundo ocorre no momento em que o Estado Islâmico sofre ofensivas por todas as frentes na Síria e no Iraque. O novo horror francês, 10 meses depois de Charlie Hebdo, segue a cartilha de terror escrita a sangue pelo grupo medieval, que, na manhã deste sábado, enfim emitiu comunicado assumindo a autoria já imaginada.
Atentados em Paris deixam ao menos 120 mortos e 200 feridos
A guerra contra a milícia chega a sua hora decisiva. Com o apoio aéreo dos Estados Unidos, guerrilheiros curdos avançam sobre o reduto do Estado Islâmico em Sinjar, no Iraque, uma cidade estratégica e montanhosa perto da fronteira síria. Por outra frente, o exército sírio, que conta com o apoio da Rússia, também vem conquistando terreno. Na madrugada de sexta-feira, drones americanos lançaram mísseis sobre um outro enclave extremista, em Raqqa. Entre os mortos, estaria o terrorista que ficou conhecido como Jihad John, britânico cujo nome verdadeiro é Mohammed Emwazi, o homem que aparece com frequência em vídeos da milícia, cortando cabeças de suas vítimas. Jihad John é a face mais visível dos milicianos e ícone de uma situação que embaralha as mentes de arapongas americanos, generais franceses e dos mais especializados serviços secretos: um cidadão europeu que, como outros cerca de 5 mil, segundo estimativas, deixou sua vida - nem sempre cômoda e feliz, como poderíamos supor - em seu país para lutar a Jihad que se volta, como cruzada, contra a própria Europa.
Confira a cronologia dos ataques terroristas em Paris
Seriam os atentados de sexta uma reação do terror ao xeque a que o grupo está submetido no tabuleiro de xadrez do front sírio-iraquiano? É possível. Mas não se engane, caro leitor. Uma operação como a que atingiu a capital francesa não é gestada em 24 horas. São meses de cooptação e infiltração de jihadistas, compra e desvio de explosivos, mapas de locais escolhidos a dedo. O horror estava desenhado havia tempo. Talvez Charlie Hebdo tenha sido um aperitivo cruel de um amargo 13 de novembro. Na sexta-feira obscura do mundo, o botão só foi apertado.
Nas palavras de um dos principais analistas brasileiros de assuntos militares, Nelson Düring, não se tratou de uma série de atentados terroristas, no sentido estrito da palavra.
- Foi uma operação militar, dada a complexidade dos ataques. Para atacar sete pontos simultaneamente, é preciso muitos homens. Foi uma operação estrategicamente montada para atingir pontos turísticos com o máximo de danos possível - avalia Düring, editor do site Defesanet.
Ataques em Paris ocorreram em seis pontos diferentes
Para o especialista, ainda que debilitado, o Estado Islâmico, por conta de sua formação desconexa, está longe de ser derrotado. Seguindo a característica das operações assimétricas, utilizadas por grupos guerrilheiros desde o Vietnã, a milícia jihadista não é composta por batalhões, como em um exército regular, o que dificulta sua neutralização. São grupelhos autônomos. Elimina-se um, surgem outros. As forças curdas também avançam desta maneira desconexa, com poucos resultados efetivos.
- Não conseguem se impor. Faltam recursos, estrutura. E os americanos vão lá, jogam bombas, fazem gravações pra CNN e vão embora - analisa Düring.
Ataques em Paris foram os mais mortais na Europa desde os de 2004 em Madri
Peshmerga é uma palavra curda que significa "aqueles que enfrentam a morte". É também o nome das forças curdas que combatem o Estado Islâmico. Atuam no chão do deserto. O problema é que escaramuças e eventuais bombas não quebram a espinha dorsal do terror. Para vencer a guerra, EUA e Rússia precisariam colocar tropas em terra - hoje apenas alguns poucos militares de forças especiais atuam na Síria. Lutar em terra implica sofrer baixas, algo que não passa pela cabeça de Barack Obama e de Vladimir Putin. Até que isso aconteça, será o Ocidente inteiro a enfrentar a morte.