Os governadores de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), e do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori (PMDB), passaram os primeiros 12 meses de mandato repetindo o mesmo discurso, de que as receitas para o período foram superestimadas e as despesas, subestimadas por seus antecessores - no caso, o tucano Antônio Anastasia (substituído pelo vice, Alberto Coelho, e o petista Tarso Genro. Terminaram o ano com déficit bilionário e aumento de alíquotas de ICMS e começaram 2016 cercados de dificuldades, sem ter como garantir o pagamento de salários do funcionalismo em dia. No comando de Estados que estão entre cinco maiores economias do país, ambos têm o desafio de buscar o equilíbrio financeiro para evitar ou reverter a paralisia em investimentos e nos serviços.
Assim como o Piratini, o governo mineiro lançou mão dos depósitos judiciais. Até dezembro, foram usados R$ 4,9 bilhões para custeio da Previdência e pagamento da dívida com a União. Mas a situação mais dramática ainda está por vir. Neste mês, Pimentel atrasou o pagamento de salários dos servidores e disse que o problema deve se repetir durante o ano. Na sexta-feira, o governo informou que vai parcelar os salários dos servidores em até três vezes. Apenas os que ganham até R$ 3 mil receberão o valor integral. A medida vale para os rendimentos a serem pagos até abril. A possibilidade de greve por parte do funcionalismo não está descartada.
Rio Grande do Sul é o terceiro Estado que mais sacou depósitos judiciais em 2015
Em setembro, ao divulgar o relatório do segundo quadrimestre, o secretário da Fazenda de Minas, José Afonso Bicalho, atribuiu o desempenho negativo das finanças ao pequeno crescimento da receita, avanço expressivo das despesas, devido aos aumentos salariais concedidos em 2014, e queda significativa nos repasses federais. Também houve crescimento das dívidas, em razão da variação cambial, pois todas as operações de crédito tomadas pelo Estado a partir de 2003 foram atreladas ao dólar.
Para o especialista em finanças públicas José Matias-Pereira, professor da Universidade de Brasília (UnB), o alto nível de endividamento é uma das explicações para a crise vivida pelos dois Estados. Rio Grande do Sul e Minas Gerais são as duas unidades da federação com a maior relação entre dívida consolidada líquida (DCL) e receita consolidada líquida (RCL), estabelecida na Lei de Responsabilidade Fiscal: 213,5% e 189,6%, respectivamente. A situação crítica também é reflexo, segundo ele, da política de incentivos fiscais do governo federal nos últimos anos, que fez encolher o repasse para Estados e municípios:
- Quem já estava no limite, com a chegada da crise e a redução da arrecadação, foi apanhado no meio do caminho. A solução passa por reforma estrutural e tributária profunda. Essa é uma questão vital, inclusive para a própria sobrevivência da federação. Se os municípios e Estado falirem, e estão caminhando para isso, para o país.
Na avaliação do economista Alfredo Meneghetti Neto, professor da Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS), embora os Estados estejam enfrentando dificuldades semelhantes, não é correto compará-los. Ele lembra que Minas tem quase o dobro de municípios do que o Rio Grande do Sul, além de crescimento nominal do PIB maior (de 2002 a 2013, o de MG cresceu 281,1%, e o do RS, 213,9%) e renúncia fiscal menor (o governo mineiro abre mão de 9% da arrecadação e o gaúcho, de 35,4%).
- A diferença entre o PIB de Minas e o do Rio Grande equivale a um Estado de Goiás, que tem PIB de cerca de R$ 150 bilhões. Para os mineiros, será muito mais fácil sair dessa crise, pois têm uma economia mais pujante e diversificada, que cresce mais do que a do RS - reforça.
Conforme Meneghetti Neto, a crise gaúcha é estrutural e tem mais de quatro décadas. Nos últimos 40 anos, o Estado só arrecadou mais do que gastou em sete e enfrenta quatro "problemas sérios", que envolvem clima, balança comercial, relações com o governo federal e, claro, o histórico desajuste das finanças públicas.
RS e RJ despontam como Estados com as piores crises econômicas do país
A tendência, diz o economista, é de o Rio Grande do Sul ser ultrapassado. Dados divulgados pelo IBGE em novembro mostram que o Paraná superou o Rio Grande do Sul e se tornou a quarta maior economia entre os Estados em 2013.
Quadro se agravou
Professor de Economia do Setor Público da UFRGS, Eugênio Lagemann avalia que o quadro nos dois Estados - que já era crítico - se agravou com um novo ciclo de endividamento a partir de 2011.
Não só Minas e Rio Grande do Sul, mas também São Paulo e Rio de Janeiro retomaram a lógica dos anos 1970, de se endividar para financiar infraestrutura, esperando reação positiva da economia, avalia:
- É uma forma desenvolvimentista de olhar as finanças públicas, de usar o mecanismo dos investimentos públicos para estimular a economia e, depois, obter receita tributária que pudesse equilibrar receitas e despesas. É um caminho possível, mas não assegurado. Tem de ter um diagnóstico correto e um pouco de sorte, porque, muitas vezes, na economia, a gente tem planos, mas o mundo tem de conspirar a favor.
Choque de gestão em xeque
Vitrine do PSDB, o chamado choque de gestão, implantado pelo ex-governador Aécio Neves, vem sendo questionado pelo governo Fernando Pimentel (PT). No balanço de 90 dias de mandato, o petista, que foi eleito após 12 anos de gestão tucana, apresentou dados de uma auditoria sobre as administrações anteriores. Na época, ele classificou a situação do Estado como "muito grave" e culpou a "ausência de gestão e gerenciamento" em anos anteriores. E atacou.
- Não estamos falando de uma gestão que ficou três, seis, oito meses. Estamos falando de uma gestão que vem de anos e se autoproclamava a melhor do Brasil e, talvez, a melhor do mundo - disse, na ocasião.
Os números divulgados na época indicavam que a dívida bruta havia saltado quase 80%, de R$ 52,1 bilhões, em 2007, para R$ 93,7 bilhões, em 2014. Além disso, apontavam perda da capacidade de investimento do Estado e crescimento acelerado, acima da receita, dos gastos de custeio. Pimentel disse ter assumido o governo com 497 obras paradas, déficit de R$ 1,5 bilhão na saúde e sucateamento das polícias Militar e Civil.
O PSDB mineiro rebateu as acusações afirmando, em nota, que o "governo do PT realizou um verdadeiro terrorismo para tentar justificar sua incapacidade de gestão".
De acordo com o professor de Contabilidade Governamental Thiago Bernardo Borges, do Ibmec de Minas Gerais, houve um "relaxamento no choque de gestão" a partir de 2008, quando o endividamento do Estado voltou a aumentar.
- O choque de gestão ficou desgastado, perdeu-se muita coisa da proposta inicial e acabou enveredando para gastos desnecessários, o que implica no aumento da nota do endividamento - avalia.
O atual governo projeta que Minas deverá alcançar reequilíbrio das contas em 2017. Com o aumento da alíquota de ICMS de alguns produtos e serviços, a expectativa é incrementar a receita anual em R$ 1,4 bilhão, ficando R$ 1 bilhão nos cofres do Estado e R$ 400 mil para os municípios.
Ações contra a crise
Rio Grande do Sul
- Corte de gastos com passagens, CCs, horas extras e diárias e congelamento de concursos e nomeações.
- Ampliação do saque dos depósitos judiciais de 85% para 95% do total acumulado.
- Aumento da alíquota básica do ICMS até 2018 e criação do sistema de previdência complementar para servidores.
Minas Gerais
- Auditoria na folha, corte de CCs e contingenciamento de gastos públicos.
- Aprovação da lei que permite uso dos depósitos judiciais para custeio de previdência, precatórios e dívidas com a União.
- Aumento da alíquota de ICMS de alguns produtos e serviços até dezembro de 2019.
A comparação
PIB em 2013
MG: R$ 487 bilhões
RS: R$ 331 bilhões
População estimada em 2015
MG: 20,87 milhões
RS: 11,25 milhões
Municípios
MG: 853
RS: 497
Déficit em 2015
MG: R$ 10 bilhões
RS: R$ 2,6 bilhões
Relação entre dívida consolidade líquida e receita consolidade líquida (junho de 2015)
MG: 189,58%
RS: 213,52%
Número de servidores do Executivo (ativos, inativos e pensionistas)
MG: 632 mil
RS: 348 mil
Custo da folha (em novembro de 2015)
MG: R$ 2,6 bilhões
RS: R$ 1,2 bilhão
Arrecadação de ICMS em 2015
MG: R$ 34,6 bilhões* (até novembro)
RS: R$ 28 bilhões
Fontes: IBGE, Tesouro Nacional, Secretaria da Fazenda de MG e Portal Transparência RS