
Graças a uma emenda parlamentar incluída pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na nova Lei de Portos, um dos principais doadores de campanha do vice-presidente Michel Temer em 2014 obteve uma vantagem inédita para administrar uma área do Porto de Santos, em São Paulo.
Conforme reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, o Grupo Libra, conglomerado de logística que tem dívida milionária com o governo federal, foi o único beneficiário dessa brecha incluída na nova legislação, que permitiu a empresas em dívida com a União renovarem contratos de concessão de terminais portuários.
A renovação nos novos termos foi garantida por um outro aliado de Temer, o deputado Edinho Araújo (PMDB-SP), em seus últimos dias no comando da Secretaria Especial de Portos (SEP). A retirada do parlamentar do comando da pasta foi um dos motivos de desavença listados por Temer em carta cheia de queixas enviada à presidente Dilma Rousseff em dezembro.
Mesmo sendo candidato a vice, Temer criou em 2014 uma pessoa jurídica para receber doações eleitorais e repassá-las a candidatos a outros cargos públicos, como deputados estaduais e federais. Sua conta recebeu R$ 1 milhão de dois dos sócios do Grupo Libra, arrendatário de uma área de 100 mil m² no Porto de Santos há mais de 20 anos.
O contrato foi assinado em 1998, quando o grupo ganhou uma concorrência aberta pela empresa federal Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) para operar uma das áreas de mais fácil acesso rodoviário do terminal. A proposta do Libra era irrecusável: ofereceu pagar dez vezes mais pela área do que o aluguel previsto no preço de referência. Por causa do alto valor, a segunda colocada na disputa entrou com recurso para anular a concorrência, afirmando que a proposta da Libra era inexequível, mas a alegação não foi aceita pela Codesp e o contrato foi assinado.
Entretanto, poucos meses depois, a vencedora passou a contestar as faturas de cobrança alegando que recebeu área menor que o prometido, que havia concorrência não prevista e que não haviam sido feitas as obras necessárias para obtenção da produtividade esperada. Começou aí uma longa batalha judicial entre governo e Libra que se arrastou por mais de uma década, e o valor integral previsto na licitação jamais foi pago pelo grupo. A dívida acumulada até 2008, segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários, era de R$ 544 milhões - o que representa quase R$ 850 milhões em valores atuais.
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A situação só foi mudar quando, em 2013, a gestão Dilma enviou ao Congresso uma medida provisória que previa novas regras para a gestão de portos no País. Uma das principais novidades era a possibilidade de se renovar contratos de concessão de terminais em troca da promessa de novos investimentos.
O texto original da medida provisória, porém, vedava esse benefício a empresas inadimplentes. Mas, durante o processo de aprovação na Câmara, uma emenda apresentada por Cunha - e depois regulamentada pela presidente - permitiu a adesão de devedoras caso elas aceitassem decidir sobre a dívida antiga em um processo de arbitragem, em vez de na Justiça comum.
Com base nessa emenda, a adesão à arbitragem foi publicada no Diário Oficial no dia 3 de setembro. Por meio desse ato, o governo extinguia todas as ações na Justiça contra o Grupo Libra e as duas partes concordaram em aceitar a decisão de um árbitro eleito por acordo comum, que tem prazo de quatro anos para decidir quem deve quanto a quem.
Nesse mesmo dia, foi publicada a renovação do contrato por mais 20 anos em condições excepcionais para o Libra, que teria de pagar um aluguel ainda menor do que o negociado em 1998. Em contrapartida, a empresa se comprometeu a investir R$ 750 milhões. Esse foi o único caso em que a exceção sugerida por Eduardo Cunha foi usada em todas as seis renovações de contrato em terminais portuários feitas após a lei.
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Em nota emitida neste domingo, o vice-presidente negou que o Grupo Libra tenha sido beneficiado pela emenda à Lei dos Portos, já que o Grupo Libra só vai conseguir renovar seu contrato se quitar sua dívida. "Não há benefício à empresa, pois esta só conseguirá a renovação contratual se, ao fim de processo de arbitramento, pagar seus débitos junto à Companhia Docas de São Paulo (Codesp)", afirma o vice em nota. "Não existe dano ao erário. Não há prejuízo ao patrimônio público. Ao contrário, pois serão feitos investimentos de mais de R$ 720 milhões como contrapartida à renovação da concessão, se essa for obtida", informa o texto.
O jornal O Estado de S. Paulo comunicou que sustenta as informações publicadas. A renovação da concessão já foi publicada no Diário Oficial da União e não há garantia de que, ao fim do processo de arbitragem, a Libra vá pagar seus débitos e fazer os investimentos referidos. O Grupo Libra contesta a dívida com o governo federal e afirma que não está inadimplente com a União.
*Agência Estado
Outro ponto contestado pelo vice diz respeito à forma como ele teria recebido as doações eleitorais do Grupo Libra. Segundo o vice, a conta pela qual ele recebe doações é do PMDB, não dele. "É absolutamente falsa, errônea e equivocada a imputação feita no texto", diz a nota. "Foi em conta do PMDB para a campanha de 2014 que foram feitas as contribuições, transferidas a doze candidatos ao Legislativo pelo partido e a um diretório estadual do PMDB. Não houve doação a Michel Temer."
No entanto, como está publicado nos registros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), o repasse dos valores para os candidatos a deputado foi feito pela conta de campanha do próprio Michel Temer.