Pondo fim a 17 anos de hegemonia chavista, a oposição assumiu nesta terça-feira o comando do Parlamento em uma Venezuela mergulhada em severa crise econômica e convulsão política, abrindo uma etapa de choque de Poderes que complica ainda mais a governabilidade do país.
Após a cerimônia de posse, os deputados chavistas abandonaram o recinto alegando que a Casa estava "violando" o regulamento interno e de debates.
Diosdado Cabello, presidente em final de mandato da Câmara e número dois do chavismo, disse que o abandono do recinto se deveu a que o novo presidente do Legislativo, Henry Ramos Allup, "violou o regulamento" ao abrir os debates.
No lado de fora do recinto, Cabello assinalou aos jornalistas que pela norma da casa, nesta terça-feira deveria ser realizado apenas o ato de posse, sem discursos dos parlamentares.
Segundo o dirigente chavista, Ramos Allup concedeu a palavra e o acesso à tribuna a oradores como o opositor Julio Borges, no caso "como prêmio de consolação" por sua derrota na eleição para a presidência da Câmara.
"Deploro que os colegas da bancada do Partido Socialista da Venezuela tenham abandonado o recinto em um momento tão importante e solene como este", disse Ramos Allup em seu discurso na Assembleia.
"Terão que se acostumar porque nestes próximos cinco anos haverá liberdade de opinião e todos vão respeitar as opiniões discrepantes e divergentes", acrescentou o parlamentar.
Devido a uma sentença da Justiça suspendendo, temporariamente, a nomeação de três opositores e de um governista, apenas 163 dos 167 deputados da Assembleia Nacional tomaram posse. Os quatro restantes aguardarão a decisão judicial sobre sua impugnação apresentada pelo chavismo por supostas irregularidades na eleição.
O novo Parlamento é controlado pela oposição, que tem 109 deputados.
Antes do juramento, Diosdado Cabello alertou que qualquer ato aprovado com os votos dos quatro dirigentes impugnados seria ilegal.
"Qualquer coisa que se faça com a participação destas pessoas começará com caráter nulo. Decisões tomadas sem que as pessoas estejam legitimamente autorizadas para tal fim carece de qualquer validade e a diretoria da Assembleia entraria em desacato a uma decisão do TSJ", destacou.
O clima é de tensão era claro desde cedo, em meio a gritos e acusações mútuas dentro do Congresso, e com marchas de seguidores de ambos os lados do lado do lado de fora da Casa. Nas ruas e praças de Caracas, multidões se reuniram para apoiar chavistas ou opositores.
O Palácio Legislativo foi cercado por um forte esquema de segurança.
O veterano Henry Ramos Allup, 72, assumiu um compromisso com a legalidade ao prestar juramento ao cargo: "juro cumprir bem e fielmente a Constituição e as leis da República e todos os deveres e obrigações inerentes ao cargo".
Aberta a sessão parlamentar, em um Congresso lotado de deputados chavistas e opositores, lideranças da oposição, do governo, diplomatas e jornalistas, revisaram-se as credenciais dos novos legisladores. A comissão encarregada da transferência de poder, presidida por um legislador chavista - o mais velho da Casa -, aceitou apenas 109 nomes da oposição e 54 do chavismo, acatando uma sentença judicial.
Com a ausência dos três deputados opositores, a MUD perderá, pelo menos provisoriamente, a maioria qualificada de dois terços (112 de 167 cadeiras) conquistada nas urnas.
Sob gritos de "viva Chávez", por parte dos simpatizantes do governo, e de aplausos da oposição, foi juramentada a nova junta diretora do Parlamento, presidida pelo antichavista ferrenho Ramos Allup.
"Dará tudo certo, porque vamos fazer o que sabemos fazer. Sou deputado. Vão me ver aqui. Serei irritante", declarou mais cedo, ao chegar, Diosdado Cabello.
Uma crise, dois modelos
A governabilidade e a tranquilidade do país dependerá da maneira como o chavismo vai superar sua derrota, e a oposição administrará sua maioria legislativa e divisões internas, afirmou o economista Luis Vicente León. Segundo ele, disso também dependerá se a crise vai se aprofundar, ou se começará a se resolver em 2016.
O país com as maiores reservas de petróleo do mundo sofre com a queda dos preços da commodity - fonte do 96% de suas divisas - um déficit fiscal de 20% do PIB, 200% de inflação, severa escassez de alimentos e uma contração econômica de 6% em 2015, segundo cálculos de institutos privados.
Esgotados das filas para comprar comida e da insegurança crescente no país, os venezuelanos estão na expectativa, alguns com esperança, e outros, pessimistas, diante da confrontação vista nas últimas semanas.
Para a oposição, hoje começa "a mudança". Para Maduro, é o início da luta de dois modelos: o "do povo, que quer preservar as conquistas sociais da revolução" e "o neoliberal da burguesia, que quer privatizar tudo".
Na véspera da mudança de legislatura, Maduro promulgou uma reforma para retirar do Parlamento o poder de eleger o presidente do Banco Central. Ele considera apresentar, em breve, um "plano de emergência" para a reativação econômica e disse esperar que a maioria opositora não o "sabote".
Golpe contra golpe
Na que deve ser uma das primeiras batalhas no Congresso, a MUD planeja aprovar uma anistia para 75 políticos presos, entre eles o opositor radical Leopoldo López, condenado a quase 14 anos de prisão. López é acusado de ter estimulado a violência nos protestos de 2014. Maduro antecipou que vetará qualquer medida nesse sentido.
"Anistia já", lia-se em um cartaz de convidados da oposição presentes no Congresso, entre eles a mulher de López, Lilian Tintori.
A MUD anunciou ainda que vai oferecer, em no máximo seis meses se o governo resistir às reformas econômicas, uma via "democrática, constitucional, pacífica e eleitoral", segundo Ramos Allup, para buscar uma saída antecipada do presidente. Maduro foi eleito para um mandato de seis anos, em abril de 2013, após a morte de Hugo Chávez.
"Há planos para me atacar como presidente", denunciou Maduro, advertindo que os deputados terão imunidade, mas não impunidade, se "conspirarem" com um "golpe parlamentar".
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