O descontrole nas cadeias gaúchas não se resume à falta de vagas. A Superintendência dos Serviços Prisionais (Susepe) se perdeu na contabilidade das contas-pecúlio de apenados. Presos ganharam dinheiro a mais, outros ficaram sem receber e existem R$ 8 milhões que não se sabe a quem pertencem.
Um inquérito civil público aberto pelo Ministério Público (MP) investiga a irregularidade e tenta localizar os donos do dinheiro ou, em caso de morte, seus herdeiros. Estimativa da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado indica que são milhares de beneficiários, grande parte com direito a receber valores irrisórios de até R$ 10, mas há casos de quantias mais polpudas como R$ 20 mil.
O preso trabalhador tem retido 20% do ganho em uma poupança, a conta-pecúlio, cujo valor ele pode sacar ao final da pena. Essa deveria ser a regra, mas até o início de 2014, não vinha sendo respeitada. Os recursos ingressavam no sistema contábil da Susepe e até estagiários tinham acesso.
Eles podiam alterar valores que seriam repassados aos presos, sem que o sistema registrasse o nome de quem fez a operação, assim como não havia condições de rastreamento. Quantias diminuíam ou aumentavam sem qualquer controle.
O resultado disso foi uma balburdia financeira, com duplicidade de correção em alguns casos, permitindo saques indevidos que somaram R$ 817 mil, segundo aponta o inquérito civil do MP. Em contrapartida, de outros apenados o dinheiro sumiu, ficando com saldo negativo. Auditoria do Tribunal de Contas do Estado apontou a irregularidade.
- O preso trabalha na expectativa de ter uma poupança e quando tem direito a ela, descobre que não tem nada - lamenta o juiz-corregedor Alexandre de Souza Costa Pacheco.
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O mecanismo de gerenciamento dos pecúlios foi modificado pela Susepe em abril de 2014, criando contas individuais para cada preso, com indicação de número de CPF e melhorando a segurança no controle das verbas. Mas, mesmo assim, ainda há problemas de gestão nas contas.
- É um sistema muito burocrático. O dinheiro passa por vários órgãos antes da liberação aos presos, demorando de três a seis meses - afirma Pacheco.
Em novembro, uma reunião entre juízes, promotores, representantes do Banrisul e da Susepe discutiu o assunto sem chegar a um consenso. Por causa desses problemas, o Conselho de Supervisão dos Juizados de Execução Penal (Consep) do TJ decidiu que magistrados poderão suspender o recolhimento dos 20% para poupança, autorizando que os presos recebam salário integral a cada mês. Na Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre, essa medida será adotada a partir deste mês.
O que é
A conta-pecúlio é prevista no artigo 29 da Lei de Execução Penal que abrange a remuneração do trabalho prisional. Determina que uma parcela do valor pago ao preso seja reservada a um pecúlio, em caderneta de poupança, para ser entregue a ele quando obtiver a liberdade.
As empresas que contratam presos no Rio Grande do Sul repassam 20% do salário para a Susepe, que depois transfere para o Banrisul. Quando termina de cumprir a pena, o preso é autorizado a sacar o dinheiro para recomeçar a vida fora da cadeia.
A falha
Por erros de gestão, a Susepe perdeu o controle sobre as contas, permitindo saques a mais por alguns presos e deixando outros com saldo a menos e até negativo, além de não saber a quem pertencem R$ 8 milhões.
O problema ganhou maior dimensão à medida que a Susepe cada vez menos atende às necessidades nas cadeias, como roupas, calçados, materiais de higiene e medicamentos, forçando o Judiciário a autorizar saques não só para os detentos que ganharam liberdade, mas também para presos trabalhadores ainda encarcerados.
O que diz a Susepe
Por meio da assessoria de comunicação, a superintendência informou que se manifestaria a partir desta segunda-feira.