Em um dia dedicado a entrevistas, o governador José Ivo Sartori garantiu, no início da tarde desta quinta-feira, que enviará à Assembleia, ainda em fevereiro, projeto de lei para transferir ao menos parte dos 400 PMs de setores administrativos para o policiamento das ruas. Ele também afirmou que pretende lançar até o fim do ano os primeiros editais do plano de concessões de rodovias.
Bem-humorado, o chefe do Poder Executivo recebeu ZH e Diário Gaúcho no gabinete da ala residencial do Palácio Piratini, após ter respondido a perguntas de profissionais da RBS TV e da Rádio Gaúcha. Questionado sobre o aumento dos índices de criminalidade e da sensação de insegurança no Rio Grande do Sul, reconheceu o problema, mas não apontou soluções definitivas para superá-lo. Limitou-se a afirmar que não é "milagreiro".
– Da mesma forma que você reconhece a violência, eu também reconheço. Não sou infalível. E nem sou aquele que tem a última palavra – afirmou.
Depois de um ano marcado por cortes de gastos e parcelamento de salários, Sartori admitiu que não tem condições financeiras, no momento, para ampliar o efetivo policial – mas não descartou a possibilidade de convocar aprovados em concurso da Brigada Militar ainda em 2016.
Como solução provisória, disse que utilizará PMs temporários para cobrir funções administrativas, já que pretende devolver ao policiamento ostensivo policiais que hoje trabalham em atividades burocráticas.
Ao longo de meia hora de conversa, o governador também falou sobre sua relação com os servidores públicos e afirmou ter sido mal interpretado ao brincar sobre o parcelamento da folha do funcionalismo, em entrevista concedida à TVE, nesta semana.
Sartori também adiantou que outros órgãos – além da Fundação de Esporte e Lazer do Estado (Fundergs), cuja extinção foi aprovada no Legislativo em dezembro – deverão ser alvo de tentativas de extinção neste ano, entre elas a Companhia Rio-Grandense de Artes Gráficas (Corag) e a Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos do Estado (FDRH).
A seguir, confira os principais trechos da entrevista.
O senhor é acusado pelos críticos do seu governo de estar promovendo o desmanche do Estado e a demonização dos servidores públicos. Como responde a essas críticas?
Minha resposta é o que nós fizemos. Desde o começo, procuramos trabalhar aquilo que vocês jornalistas sabem, que é preciso transparência e verdade. Procuramos apresentar a situação do Estado para toda a sociedade gaúcha. Não gosto de ficar falando do que os outros falam. Me garanto por mim, não pelos outros.
Mesmo em relação a quem diz que o senhor é excessivamente pessimista em relação ao Estado?
Eu sempre disse que não sou um falso pessimista nem um falso otimista, o que é pior ainda, porque esconde a realidade, esconde a verdade e cria ilusões. Eu não sou um criador de ilusões.
Em entrevista à TVE, nesta semana, o senhor fez uma brincadeira com o parcelamento de salários, e a repercussão foi péssima entre os servidores. O senhor não teme conflagrar ainda mais a relação com o funcionalismo?
Não, eu não falei isso. Eu fiz uma referência a uma pessoa que disse que o Gre-Nal não tinha dado 10 (a zero) porque o Sartori tinha parcelado (os salários dos servidores). Não fui eu que falei isso. Eu estava fazendo uma referência. Mas a maldade existe em todo momento, em toda a ocasião.
Então o senhor acha que foi mal interpretado pelo Cpers e pela Federação Sindical dos Servidores Públicos do Estado (ambos publicaram notas de repúdio)?
Ah, fui, mas eles têm o direito de se manifestar do jeito que acharem. Vou continuar do meu jeito, fazendo brincadeira quando precisa, mesmo que seja considerada inadequada. Vou continuar rindo e brincando. O meu jeito de ser é esse. Eu vim lá do Interior. Nasci na colônia. Não tenho isso de olhar para alguém que é dirigente sindical, que é dirigente de categoria, que é servidor, como se fosse adversário permanente. Digo isso de coração. Vou continuar a mesma pessoa simples. O governo não vai tirar a minha humildade, a minha maneira de ser.
Em 2016, o governo vai seguir tentando extinguir órgãos que considera desnecessários e revisando benefícios de servidores?
Não sei o que é revisão de benefícios.
O mesmo que o senhor fez com a licença-prêmio, por exemplo.
Ah, isso está na Assembleia para ser aprovado, mas não é revisão de benefício. O governo federal também fez isso. Queremos transformar a licença em formação, em preparação.
E as extinções?
Evidentemente estamos estudando. Recuamos em algumas propostas porque não havia sustentação política para modificar ou extinguir. Na verdade, vamos fazendo isso com muita naturalidade. Tem gente que gostaria que fizéssemos isso muito rapidamente, que fosse feito tudo numa tacada só. Como sou muito prudente e cauteloso, vou procurando fazer dentro daquilo que é possível, no tempo que é necessário. Isso é um processo, é uma caminhada, e essa caminhada vai ter de apresentar, é evidente, outras mudanças e alterações. Acho que o Estado tem de avaliar direitinho e saber aquilo que ainda é papel do Estado. O que não é papel do Estado, tem de deixar os outros fazerem.
Pode citar algum exemplo prático? A Companhia Rio-Grandense de Artes Gráficas (Corag) e a Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos do Estado (FDRH) podem ser extintas?
São essas organizações, que com certeza já estão discutidas publicamente. Alguns aceitam, outros não. A Cesa (Companhia Estadual de Silos e Armazéns) foi mais aceita, e foi aprovado retirá-la do processo de plebiscito. Outra que foi extinta é a Fundergs, que agora vai ser absorvida. E outras virão. Nós temos uma equipe que estudou órgão por órgão. Tem gente que vai dizer que estamos trabalhando para desmontar o Estado. Tem gente que vai dizer que queremos o Estado mínimo. Não, eu não quero nem o máximo, nem o mínimo. O que nós desejamos é o Estado necessário, para atender dignamente a população, especialmente os que mais precisam.
Noticiamos diariamente a guerra do tráfico, principalmente nas periferias, mas se sabe que a situação financeira do Estado é complicada e que dificilmente, em breve, vai se conseguir contratar mais policiais militares. O senhor, pessoalmente, sente-se seguro em Porto Alegre?
Eu sempre digo que sou uma pessoa normal, como todos, e todos nós sentimos este drama, vivenciamos este drama diariamente. Tem gente que não concorda comigo, mas isso também acontece nacionalmente, não é apenas no Rio Grande do Sul. Da mesma forma que você reconhece a violência, eu também reconheço isso. Não sou infalível. E nem sou aquele que tem a última palavra. Temos que criar as condições, temos uma legislação que será enviada para a Assembleia, logo agora nos primeiros dias de fevereiro, para trazer um bom número de PMs que estão em áreas administrativas.
Quantos PMs o senhor acredita que vai conseguir tirar das áreas administrativas e colocar nas ruas?
Acredito que um bom número.
O que é um bom número para o senhor?
Olha, seria o melhor termos o que pudéssemos garantir o sustento. Como é que eu vou chamar alguém, se eu não posso pagar quem está em atividade? Nós aqui temos a responsabilidade de gerir recursos que são públicos e de toda a sociedade. Infelizmente, hoje a limitação é grande. Como é que você faz quando tem uma folha de pagamento com 54% de aposentados? Vamos fazer aquilo que a gente pode para que amanhã a gente possa cuidar bem da segurança.
Então o senhor não vai convocar nenhum dos 2 mil PMs aprovados no concurso neste ano?
Nós estamos estudando isso com tranquilidade e serenidade, avaliando o quadro. Mais cedo ou mais tarde, isso terá que ser feito. Agora, é evidente que isso precisa de condições. Como é que eu vou colocar alguém pra trabalhar aqui se eu não consigo pagar quem está em atividade?
Até dezembro o senhor acha consegue chamá-los?
Eu acredito que sim, durante o ano. Em 2015, não chamamos ninguém, só abrimos uma exceção para educação.
São cerca de 400 PMs em áreas administrativas. O senhor acha que dá para trazer todos para atuar nas ruas?
Não, porque tem outra possibilidade. Pode-se chamar PMs temporários, que teriam ocupações menos perigosas e poderiam auxiliar.
Diante desse cenário que o senhor expôs, com dificuldade de contratar pessoal e tendo este efetivo reduzido, como fazer uma segurança melhor?
Temos 22 mil pessoas na área da segurança e há 20 anos tinha 26 mil.
Com o recurso que se tem agora, o que pode ser feito?
Aquilo que nós estamos fazendo. Neste ano, tivemos atitude da Brigada Militar e da Política Civil.
Por outro lado, os índices de criminalidade aumentaram, não?
Mas e por que isso? E a realidade econômica nacional, que está tirando todo mundo do emprego? A perspectiva é termos um aumento de desemprego de forma avassaladora no país durante 2016. E aí, por que aumenta a criminalidade? Não é algo particularizado do Rio Grande do Sul. O Estado sozinho não vai resolver todos os problemas de segurança pública.
O que o senhor diria para o cidadão que sente-se inseguro ao ir trabalhar, ao ir ao supermercado?
Olha, eu sempre disse que eu não vou fazer milagre nenhum. Eu não sou milagreiro. E essa situação não começou agora, ela vem de muito tempo, de muito longe. Essa estruturação, eu tenho que dizer para ele que, ou a gente se apodera das coisas e toma conta dos lugares que tem, ou aqueles que não praticam os bons gestos vão assumir o papel das pessoas de bem. É como uma pracinha, se a comunidade não se apoderar da praça, quem vai tomar conta? São os malandros. Temos que conviver com essa situação indo para frente.
Em dezembro, a Secretaria da Fazenda teve que usar recursos do caixa único para pagar os servidores em dia. O senhor reconhece que isso é um tipo de pedalada?
Você queria que nós não pagássemos os funcionários? Não é pedalada de jeito nenhum. O governo é um só. E não é do caixa único, é das organizações que estão ali, que permitiram por um tempo, e será devolvido. Da mesma forma como nós fizemos com o governo federal em determinados momentos, quando não pagamos a parcela da dívida. Existe uma realidade que está aí e sobre essa realidade temos que tomar uma atitude. Tenho certeza de que os servidores são testemunhas que desde o primeiro dia do governo fizemos de tudo para pagá-los em dia. Teve momentos em que não deu. E daí? Tem que compreender e entender que esta é a realidade que está aí.
Por que o governo demorou tanto para mandar o projeto das concessões rodoviárias para a Assembleia?
Se eu soubesse todas as coisas e como fazer rapidamente nós teríamos feito de forma mais ágil. Nós talvez não tenhamos a capacidade de formular tudo de uma vez só. Fizemos dentro da discussão, do debate, fomos ver experiências, situações que existem em outros Estados e até fora do Brasil. Fizemos acima de tudo com a cautela necessária.
Quando sairão os primeiros editais?
Eu dependo da aprovação (do projeto). Mas os editais vão sair muito antes do final do ano. Se fosse por nós (Poder Executivo), estaríamos lançando editais em fevereiro ou março.
A duplicação da ERS-118 está parada há mais de um ano. Tem alguma expectativa de retomada das obras em 2016?
É uma obrigação minha e uma prioridade. Nós estamos arrumando internamente, criando as condições, mas isso eu não queria adiantar agora. Não sei se no primeiro ou no segundo semestre, depende das condições ideais. A ERS-118 é não apenas uma obrigação. Quero resolver o problema da ERS-118 e nós vamos movimentar nossas forças para isso.
O senhor já disse que não gosta de dar nota ao seu governo, embora tenha sido professor. O primeiro ano foi mais para o vermelho ou para o azul?
É que eu fui professor de pré-vestibular e do supletivo, e não se dava nota. Quem tem de dizer isso é a população do Rio Grande do Sul.
Mas qual é a sua avaliação pessoal?
Não faço isso. Faço muita autocrítica comigo mesmo, mas me dar nota, nunca. Quem dá nota é vocês. Vocês que interpretam, julgam, levam para a sociedade. A sociedade vai dizer se está ruim, se está bom. Agora, independentemente de qualquer avaliação, vou continuar fazendo o que precisa ser feito para o Estado do Rio Grande do Sul um dia voltar a ter o equilíbrio financeiro que precisa ter para poder voltar atender à sociedade.
José Ivo Sartori também respondeu a duas perguntas do Diário de Santa Maria e do Pioneiro. Confira:
A Serra viveu durante anos a polêmica do pedágio entre Caxias e Farroupilha. Há outras estradas da Serra que devem receber pedágio, além da ERS-324 (entre Passo Fundo e Nova Prata)? A Rota do Sol (ERS-453) é uma possibilidade?
Não sei quem inventou isso. Se necessário for, vamos adequar à realidade. Mas não existe nada. Não sei de onde veio isso. Por enquanto não tem nada, até porque, mesmo a 324 depende de manifestação de interesse, de ter gente que vá fazer e do projeto.
Haverá dinheiro para o término da duplicação da Faixa Velha de Camobi (ERS-509), que depende de recursos do Estado para seguir em 2016?
Essa sim. Vai ser feita, está sendo trabalhada. Não sei com que tempo nem nada, mas há possibilidades. A ERS-516, que você também iria perguntar, com certeza, essa depende de recursos.