Éramos não muito mais do que uma dúzia de renitentes antifoliões assistindo ao filme húngaro O Filho de Saul na carnavalesca noite de sábado. Na sala ao lado, lotada, passava O Regresso, com Leonardo DiCaprio no papel principal. Dor, angústia e um duelo permanente com a morte compõem a trama dos dois filmes que despontam como favoritos ao Oscar deste ano - o primeiro na categoria de filme estrangeiro. Todo esse sofrimento, por si só, não espanta o público do cinema, nem mesmo no Carnaval. Há dores que têm sobre o espectador um efeito catártico: a tensão atinge um limite máximo, mas se dissipa no desfecho. Desse mergulho no escuro saímos exaustos, mas de alguma forma destensionados. O Regresso parece ser um filme desse tipo. O Filho de Saul definitivamente não é.
A jornada de sobrevivência e vingança de um aventureiro do século 19 narrada em O Regresso se desenrola quase toda ao ar livre, em paisagens magníficas filmadas de forma grandiosa pelo diretor mexicano Alejandro Iñárritu. Já a ação de O Filho de Saul é claustrofóbica, revelando tão pouco do que acontece em volta do personagem principal, prisioneiro de um campo de concentração designado para cremar e transportar corpos de outros presos, que o espectador se sente como se estivesse ao lado dele, aprisionado em um ambiente opressivo e sufocante. Ainda assim, os dois filmes têm alguns curiosos pontos de contato.
Ambos são histórias que giram em torno de uma relação de pai e filho e tratam da sobrevivência em situações extremas e do confronto entre civilização e barbárie. O filme húngaro, porém, enfrentou o desafio de contar uma história que há décadas vem sendo explorada pela ficção e pela não ficção sem que nunca pareça suficientemente compreendida. Todos os diretores e escritores que se debruçam sobre o tema enfrentam os mesmos dilemas. Como traduzir em imagens o horror do Holocausto? Como expressar a náusea existencial que o assunto provoca? Em seu primeiro longa-metragem, o diretor húngaro László Nemes, de 39 anos, parece ter conseguido chegar bem perto de uma abordagem original, narrando de forma sensória e asfixiante a história de um pai obstinado em oferecer ao filho o privilégio impensável, dadas as circunstâncias, de uma cerimônia fúnebre. Quando o martírio extremo parece sugerir que as regras da vida em liberdade não fazem nenhum sentido no ambiente de desumanização total do campo de concentração, alguém condenado a morrer mais cedo ou mais tarde decide que a única forma de não conceder a vitória absoluta à barbárie é recusar-se a abandonar o que o torna humano - a família, o ritual, a fé.
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