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Em seu primeiro dia já tratando das dificuldades do combate à criminalidade, depois de anunciado como novo chefe da Polícia Civil, o delegado Emerson Wendt, 42 anos, já teve reduzidas as horas de sono: foram só quatro na virada de quarta para quinta-feira. Os desafios são muitos, a começar pela montagem de sua equipe em departamentos e diretorias, e do direcionamento de efetivo (hoje, já escasso) para áreas mais delicadas e que necessitam de resposta urgente.
Wendt disse que ainda precisa fazer diagnósticos para então anunciar medidas, com base no que o próprio secretário Wantuir Jacini, titular da pasta da Segurança, lhe pediu diretamente. E promete levar para toda a polícia o dinamismo de trabalho que deflagrou no Denarc, isso sem aumento de recursos. A seguir, trechos da entrevista que concedeu a Zero Hora no final da manhã desta quinta-feira:
O senhor acaba de sair do Denarc e a Secretaria de Segurança Pública informou ontem, em nota, que o foco para 2016 é o enfrentamento do tráfico e de crimes conexos, como os homicídios, que em uma década tiveram alta de 70%. O combate às drogas é mesmo a melhor aposta para reduzir a epidemia de mortes?
Precisa haver equilíbrio entre combate ao tráfico e o combate a outros delitos. Isso que vamos procurar fazer. Não adianta só combater o tráfico e não combater os outros delitos. Não adianta o tráfico estar lá em cima e o combate ao furto e roubo, lá embaixo.
O combate ao tráfico já tem algum reflexo nos crimes conexos?
Tem relação direta com a questão dos homicídios. Estudo feito mostra que das vítimas de homicídios, mais de 70% têm antecedentes, mais da metade passou pelo sistema prisional. Tem essa vinculação forte.
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O próprio secretário já destacou que a maior parte dos mortos tem antecedentes. Mas essa violência do tráfico é munição, impulsiona outros crimes. Hoje, tem o caso de uma morte na Lomba do Pinheiro em que o corpo foi exposto. Há mais ousadia dos criminosos?
A gente percebe que o criminoso atual está despudorado, ou seja, não tem pudor no combate ao seu contra ou no enfrentamento da polícia.
O criminoso perdeu o respeito pela polícia?
Respeita, mas não da mesma maneira que respeitava anteriormente.
Por que isso mudou?
É a questão financeira. O tráfico rende muito dinheiro. Pontos de tráfico importantes em Porto Alegre são disputados pela questão do dinheiro. A quadrilha do Xandi movimentava por mês em torno de R$ 600 mil, R$ 700 mil só com o tráfico de drogas. E era uma quadrilha bem organizada.
Por que a polícia demorou tanto para sufocar uma organização como a do traficante Xandi, que há anos era investigado, nunca chegou a ser condenado e conseguiu montar uma estrutura como a que se viu, milionária, lavando dinheiro em diversas atividades e com articulações no poder público e na prestação de serviços, como de táxi?
Posso responder pelo o que a gente fez (ele, enquanto diretor do Denarc). A gente correu atrás, buscou provas, quebrou sigilo, trabalhou com ordem judicial, em conjunto com o Ministério Público, com apoio do Poder Judiciário, que foi importante. Esse é o modelo de trabalho na questão de lavagem de dinheiro. Não adianta combater o tráfico, no sentido de organização criminosa, sem trabalhar a lavagem de dinheiro.
Isso só em relação ao tráfico ou com outros crimes?
Outros, sim. Pode ser feito (o trabalho sobre lavagem) com crimes contra a administração pública, como a Lava-Jato, em crimes de roubo, e outras situações.
Podemos ter hoje outros "Xandis" se articulando com o grau de organização e dinheiro do grupo dele?
Talvez até maior.
E o que a polícia está fazendo?
No tempo oportuno vamos dar a resposta.
A situação dos quadros da polícia foi considerada desesperadora pelo seu antecessor, mas as contratações esbarram nas dificuldades financeiras e nos limites de gasto com pessoal pela Lei de Responsabilidade Fiscal. De maneira objetiva, o que pode ser colocado em prática para atacar a insegurança? O senhor teve promessa de mais recursos?
Vamos direcionar recursos, manter o número de horas-extras que se tem hoje, de diárias e avaliar o redirecionamento de efetivo para essas áreas em que se precisa dar uma resposta mais efetiva.
Que áreas são essas? O senhor citou que precisa definir a atuação a partir do que o secretário Jacini lhe pediu. O que foi?
Crimes conexos.
Quais?
Fazer uma revisão da estratégia em relação aos homicídios, um aprimoramento. Está um percentual bom (de resolução de crimes), mas precisamos trabalhar isso para que dê uma resposta em tentativa de diminuição efetiva em relação a isso. E a questão dos crimes patrimoniais.
Como avalia a percepção geral de que a atual gestão da segurança estadual é apática?
Sempre trabalhei de maneira transparente, séria, equilibrada, de falar no momento certo. Pretendo dar transparência em relação a essa atividade de investigação policial. Ou seja, não só focar em operações do Deic ou do Denarc, mas em outros setores da Polícia Civil que têm feito trabalhos importantes e que precisam ser melhor colocados à imprensa para que possa absorver e avaliar. Esse é nosso objetivo, mesma metodologia de divulgação que já se tinha no Denarc.
Por que a polícia não consegue fazer frente ao roubo de carros?
O roubo aumentou 32% em um ano, e furto de veículo, 8%. É um diagnóstico que preciso buscar internamente nas próximas horas, a gente sabe que tem a questão da legislação, do prende-e-solta. Mas quero sentar com os policiais e avaliar: o que a gente, mesmo com essas dificuldades, pode fazer.
A grande aposta da SSP tem sido na lei dos desmanches. Vai resolver?
A lei tem um caráter mais administrativo. A gente precisa colaborar com isso, trabalhar junto porque é importante, muito passa por essa seara do estabelecimento comercial correto, com tudo registrado. Mas a gente sabe que o trabalho de investigação é importante. O senhor quer focar na parte criminal. Esse é o produto que a Polícia Civil vende.
O delegado Wondracek disse que a polícia mandou mais inquéritos para Justiça em 2015, prendeu mais. Isso não se reflete nos números da criminalidade. Qual a fórmula então?
É uma diagnose que tem de ser feita. Pegar por delitos. Remetemos mais inquéritos, mas que tipo de inquéritos? Quantos de furto e roubo de veículos, quantos de crimes patrimoniais, quantos de homicídios? A resolução dos crimes de homicídio tem aumentado bastante, mas também quero saber daqueles inquéritos que estão lá há dois, três anos sem apuração de autoria, ou seja, o passivo em relação a crimes graves me preocupa.
O governo fala muito no problema do prende-e-solta. É uma estratégia para compartilhar com a Justiça os problemas da criminalidade? O senhor tem um plano de se aproximar mais dos juízes?
Sim. É importante essa aproximação, principalmente com o Ministério Público num primeiro momento. Isso ficou bem evidente no nosso trabalho no Denarc, essa aproximação com Judiciário e MP é importante. O delegado de polícia quando remete uma representação por cautelar (um pedido de busca ou prisão, por exemplo), é importante no contexto investigativo ir conversar com promotor e com juiz, quando este puder atendê-lo para colocar a circunstância do caso, não somente aquilo que está no papel.
O poderio financeiro do tráfico dificulta em quanto o trabalho da polícia?
É uma investigação mais complexa e demorada. Quando assumi o Denarc ano passado me cobraram (sobre o grupo do Xandi). Disse que teriam uma resposta e tiveram. Um inquérito de lavagem não nasce de uma hora para outra.
Que áreas o senhor vai reforçar com efetivo?
Toda a polícia perdeu efetivo, por isso, precisamos sentar, conversar com as pessoas que podem colaborar para definir isso.
Quanto tempo devem levar os diagnósticos que o senhor quer fazer?
Sem prazo.
O senhor conversou com o delegado Wondracek (chefe de polícia demitido) depois do anúncio da troca?
Assim que recebi a confirmação de que o governo tinha aceito minha indicação, eu conversei com o doutor Ênio, subchefe de polícia, e o doutor Wondracek, e agradeci pela confiança depositada em mim. Foi conversa amistosa.
O senhor atuou muito tempo em áreas de inteligência. Esse será um foco de reforço?
Trabalhei 10 anos em inteligência, certamente, terá um destaque. A Polícia Civil precisa crescer usando mais o serviço de inteligência policial judiciário. Inteligência como fator preponderante para auxiliar na busca e formação de provas. Não é que vai produzir provas, mas vai auxiliar, dar o caminho.