
11:12
Quarta-feira, 16 de março. O juiz federal Sergio Moro assina um despacho em Curitiba (PR). O documento determina a suspensão das interceptações telefônicas de Lula, no âmbito da Operação Lava-Jato.
Depois de dois anos à frente da força-tarefa, responsável por 93 condenações criminais realizadas e penas que somam 990 anos, Moro estava prestes a ver a possibilidade de prender e condenar Lula – aquele que seria o grande troféu, o coroamento de atuação – escapar-lhe. Transformado em ministro,o ex-presidente da República obteria foro especial. Não poderia mais ser investigado e julgado por um magistrado da primeira instância. O caso passaria para a alçada do Supremo Tribunal Federal.
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Depois de assinar a suspensão do grampo telefônico, Moro repassa o despacho a sua secretária, Flávia Blanco.
Às 11h44min, ela informa à Polícia Federal que as escutas tinham de ser suspensas. Às 12h20min, Moro envia um ofício à operadora Claro determinando o fim das interceptações.

11:22
O deputado federal José Guimarães (CE) dá em primeira mão, por meio de um tuíte, a informação, aguardada há dias, que colocaria o Brasil em convulsão: "Ministro Wagner no dia de seu aniversário mostra grandeza e desprendimento ao deixar a Casa Civil! Lula novo ministro da pasta!".
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia entrado no Palácio da Alvorada, em Brasília, duas horas antes, para um café da manhã que tinha como principal opção no menu a oferta do ministério. Na noite anterior, Lula já discutira o assunto durante quatro horas com a presidente Dilma Rousseff. Para aceitar o prato, o que certamente desencadearia reações acaloradas no país, por ser entendido como uma forma de escapar às garras da Lava-Jato, ele exigia poderes amplos e uma mexida na economia.
A batida do martelo ficou para o encontro matinal. Lula disse que sim.
No salão verde da Câmara, o líder do PT, Afonso Florence (BA), apresentou a versão oficial:
– Temos um ministro chefe da Casa Civil com larga experiência para ajudar o Brasil. A decisão de Lula na Casa Civil decorre do compromisso com o país, única e exclusivamente imbuído do propósito de ajudar o país a sair da crise.
13:32
Toca o celular de Valmir Moraes da Silva, segurança que acompanha Lula há mais de uma década. Ele estaria com o ex-presidente no aeroporto de Brasília, à espera do embarque para São Paulo. Uma mulher falou do outro lado da linha:
– Moraes, boa tarde, é Maria Lúcia, aqui do gabinete da presidenta Dilma.
A funcionária informa que a presidente da República queria falar com Lula. O segurança pede que aguarde um instante, que levaria o celular até ele. Quando o líder petista foi colocado na linha, Maria Lúcia realizou a transferência da ligação. Durante algum tempo, o ex-presidente ficou a ouvir a gravação de uma melodia.
Finalmente, ouviu-se a voz de Dilma.
– Lula, deixa eu te falar uma coisa.
– Fala, querida.
– Seguinte, eu tô mandando o Messias junto com o papel, pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?
– Tá bom. Tá bom.
– Só isso, você espera aí, que ele tá indo aí.
– Tá bom, eu tô aqui, eu fico aguardando.
Apesar da determinação de Moro, a interceptação das conversas de Lula não havia sido encerrada. O telefonema da presidente estava sendo gravado.

13:49
Um quarto de hora depois, a conta do Palácio do Planalto no Twitter recebia a primeira atualização desde as 9h. "OFICIAL: Lula é novo ministro da Casa Civil". "OFICIAL: Dilma acaba de cometer crime de responsabilidade", respondeu, de pronto, um internauta.
Naquele momento, a máquina das repercussões já funcionava a pleno vapor. Enquanto os governistas celebravam, a oposição reagia com fúria. Aécio Neves, o candidato do PSDB derrotado em 2014, divulgou nota para definir como "absolutamente condenável" a nomeação de Lula.
Também houve espaço para o bom humor.
– "Dilminha, sobe", repetiam petistas, às gargalhadas.
Era uma referência ao gabinete que Lula ocuparia no Planalto, no quarto andar, um pavimento acima da sala ocupada por Dilma. Quando o presidente era Lula, ele costumava chamar sua chefe da Casa Civil com as palavras: "Dilminha, desce". Agora, os cargos estariam invertidos, mas os petistas gracejavam que a batuta voltaria a estar com o ex-presidente.
Um pemedebista entrou na brincadeira:
– Agora, vamos direto para o quarto com todo prazer.

15:37
O áudio e a transcrição da conversa telefônica entre Dilma e Lula são anexados no sistema da Justiça Federal, duas horas após o diálogo. Passados 44 minutos, às 16h21min, Moro retira o sigilo de todas as interceptações telefônicas feitas nas últimas semanas. As gravações ficam disponíveis para quem quiser.
É uma decisão tomada aos 45 minutos do segundo tempo. Se não liberasse as escutas naquele momento, Moro não poderia mais fazê-lo, porque o caso passaria para o STF.
16:09
Quando ainda não havia nenhum áudio divulgado, Dilma faz uma aparição pública diante dos microfones de dezenas de jornalistas. Surge tensa, mas logo está à vontade para defender a nomeação do antecessor, definido como um "grande ganho" ao governo.
– O presidente Lula, no meu governo, terá os poderes necessários para ajudar o Brasil.
A presidente também contesta que a nomeação tinha como finalidade isentar Lula de responder à Justiça.
– O STF é a suprema corte do país. Não é impedir investigação, é fazê-la em determinada instância e não em outra.
A troco de que eu vou achar que a investigação do juiz Sergio Moro é melhor do que a investigação do Supremo?
Do lado de fora, manifestantes revoltados com o ato eram mantidos à distância do Palácio do Planalto pelo Batalhão de Guarda Presidencial. O deputado federal Darcísio Perondi (PMDB-RS) entra em conflito com um funcionário do palácio:
– Fascista!
– Pelego!

Encarregado de reconstruir as relações do governo com a classe política, de forma a recuperar a estabilidade do governo, Lula começa a fazer contatos. Durante a tarde, telefona ao vice-presidente Michel Temer (PMDB) e ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Pede-lhes que agendem uma reunião sobre a crise no governo.
A conversa com Temer, visto quase como um quinta-coluna da oposição dentro do governo, foi rápida. Com Renan, teria sido mais produtiva. Terminada a ligação, o alagoano comunicou os aliados:
– Lula quer falar com a gente.
18:00
O foco das atenções volta-se para a mobilização de manifestantes defronte à rampa do Palácio do Planalto, em um ato convocado pelo Movimento Brasil Livre e que já reunia centenas de pessoas.
– Lula ladrão, seu lugar é na prisão – gritam.
Nas imediações, um grupo pró-governo tenta responder:
– Fora, coxinhas. Não vai ter golpe.
Diante de um princípio de confronto, a Polícia Militar interveio usando spray de pimenta.
18:50
O canal Globonews é o responsável pelo momento mais atordoante do dia. Apenas cinco horas depois de ter ocorrido, a conversa telefônica entre Lula e Dilma sobre o "termo de posse" vai ao ar.
Para os investigadores da Lava-Jato, a conversa demonstraria que a nomeação de Lula tinha como objetivo impedir que ele fosse preso. A liberação do áudio foi reforçada por um comunicado de Moro: "Rigorosamente, pelo teor dos diálogos degravados, constata-se que o ex-presidente já sabia ou pelo menos desconfiava de que estaria sendo interceptado pela Polícia Federal, comprometendo a espontaneidade e a credibilidade de diversos do diálogos".
19:00
Uma edição extra do Diário Oficial da União vem a lume. Traz o decreto com a nomeação de Lula, assinado por Dilma. Na prática, a publicação oficializa a posse. Lula passa a contar com foro especial.

19:15
A divulgação dos grampos já coloca o plenário da Câmara em polvorosa. Deputados chamam Lula de "ladrão" e exigem a renúncia de Dilma.
– Ambos não merecem outro lugar que não seja a prisão – decreta Rubens Bueno (PPS-PR).
– A casa caiu. A presidente faz obstrução à Justiça. Vamos pedir a renúncia – discursa Pauderney Avelino (DEM/AM).
Na frente do Planalto, as posições ecoam entre manifestantes contrários ao governo, em número cada vez maior.
Os atos começam a se espalhar pelo país. Em São Paulo, descontentes com a nomeação de Lula se reúnem na Paulista. A estudante Isadora Schautte, 18 anos, tenta defender o PT e é agredida a pontapés pelos manifestantes. Seu namorado, Lucas Brasileiro, 21, tenta defendê-la e também apanha.
Em Porto Alegre, o protesto começa a ser mobilizado nas imediações do Parque Moinhos de Vento, o Parcão.
20:00
Dilma está reunida no Alvorada com assessores e equipe jurídica para decidir se o governo terá alguma reação. Um assessor direto revela que colaboradores da Presidência consideram a crise "gravíssima" e que Lula havia reagido com irritação. O advogado Cristiano Zanin Martins, que defende o ex-presidente, se pronuncia: Moro agiu para estimular a "convulsão social".
20:30
Panelaços convocados nas redes sociais causam estardalhaço quando o Jornal Nacional entra no ar. Em Porto Alegre, São Paulo e várias partes do país, bandeiras, cartazes e buzinaços ganham as ruas.
Na capital paulista, Lula deixa o instituto que leva seu nome e é hostilizado por manifestantes. Sua mulher, Marisa Letícia, havia passado mal e fora levada ao hospital.
21:00
A Brigada Militar estima em 2 mil os manifestantes presentes na Avenida Goethe.
Em Brasília, os participantes do protesto anunciam:
– Não vai ter posse!
Com a frente do Planalto tomada, funcionários têm de deixar o palácio por uma saída subterrânea.
21:55
Ocorre uma tentativa de invasão do palácio. Manifestantes tentam subir a rampa e são dispersados pela polícia com bombas e spray de pimenta.
22:00
Na reunião com assessores, Dilma decide divulgar uma nota sobre o telefonema polêmico. Segundo ela, a conversa com Lula teve "teor republicano", enquanto a ação de Moro representava uma "afronta aos direitos e garantias" da Presidência.
A versão da presidente é que havia dúvida sobre se o líder petista compareceria à cerimônia de mudança do ministério, na manhã seguinte (uma vez que Marisa Letícia estaria doente). Por essa razão, Dilma resolvera encaminhar o termo de posse para que ele assinasse, que seria usado apenas na ausência de Lula. O governo apresenta uma cópia do termo de posse que havia sido firmado por Lula no começo da tarde, no aeroporto. Dele, não consta a assinatura de Dilma.
22:15
Ao tornar públicas as escutas, motivando uma convulsão política, Sergio Moro havia destapado uma intensa discussão jurídica sobre a pertinência e legalidade de sua iniciativa e teve de se explicar.
Em um comunicado, fala em "obstrução da lei" e defende que "o interesse público e a previsão constitucional de publicidade dos processos impedem a imposição da continuidade de sigilo sobre autos". Vai além: "A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando esses buscam agir protegidos pelas sombras".
22:30
Manifestantes tossem e lacrimejam por causa dos sprays de pimenta usados pela polícia na Praça dos Três Poderes, em Brasília.
Na capital gaúcha, os manifestantes seguem em marcha para o Centro, onde vão se concentrar diante do Palácio Piratini. Para a Brigada Militar, os participantes são 10 mil. Pouco depois, a estimativa já está em 25 mil.

23:11
As notícias continuam a surgir, frenéticas. Cada nova escuta revelada pela imprensa gera interpretações, repercussões, opiniões díspares. Os protestos prosseguem em diversas cidades pelo país.
Às 23h11min, em Brasília, policiais carregam um ferido. Passam-se mais 15 minutos e torna-se pública a informação de que a gravação da conversa sobre o termo de posse, entre Dilma e Lula, havia ocorrido depois de Moro já ter determinado o fim do grampo.
A situação faz a Polícia Federal, que divulgara a escuta, lançar também uma nota, minutos antes da meia-noite. De acordo com o comunicado, a companhia telefônica havia gravado ainda algumas chamadas no período entre a notificação de que deveria interromper os registros e o momento em que efetivamente o fez – razão pela qual a conversa de Dilma e Lula teria sido flagrada.
1:00
O dia 17 começa com manifestantes ainda na rua. Em Brasília, teriam chegado a
10 mil. Em São Paulo, foram 5 mil que resolveram fazer uma vigília na Avenida Paulista. Moradores de Rio de Janeiro, Vitória, Goiânia, Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, Salvador, Curitiba, Manaus, Florianópolis, Maceió, Cuiabá e Campo Grande também protestaram na rua.
9:00
Ao amanhecer, o clima ainda é de conflagração. Um pequeno grupo ligado ao Movimento Brasil Livre (MBL) concentra-se diante da sede da Polícia Federal em Porto Alegre, para apoiar as investigações e atacar o governo.
No Centro, às 10h, a Frente Brasil Popular realiza uma manifestação de apoio a Dilma e Lula.
10:00
A cerimônia em que são empossados Lula (Casa Civil), Eugênio Aragão (Justiça), Mauro Lopes (Aviação Civil) e Jacques Wagner (Gabinete Pessoal da Presidente) começa no Palácio do Planalto.
Não havia certeza se Lula estaria presente em Brasília, mas ele surge no salão negro ao lado de Dilma, provocando o entusiasmo da massa de presentes. Mal a presidente começa a se pronunciar e ouve-se uma voz a gritar:
– É uma vergonha! É uma vergonha.
Trata-se do deputado Major Olímpio (SD-SP). A manifestação solitária gera tumulto. O parlamentar é vaiado e hostilizado. Uma integrante de movimento social tapa sua boca. Olímpio é retirado pela segurança presidencial.
Apesar do clima efusivo, Lula parece abatido. Dilma faz um discurso duro, em que ataca Sergio Moro:
– Convulsionar a sociedade brasileira em cima de inverdades, métodos escusos e práticas criticáveis viola princípios e garantias constitucionais e os direitos dos cidadãos. E abre precedentes gravíssimos. Os golpes começam assim.
A presidente aproveita para apresentar de novo a versão do Planalto sobre o telefonema do "termo de posse". Faz questão de exibir o papel, sem sua assinatura.
Em alguns momentos da cerimônia, é possível escutar o som dos manifestantes favoráveis e contrários à nomeação do novo chefe da Casa Civil, que chegam do lado de fora.
Vinte e quatro horas depois do anúncio do "sim" ao convite de Dilma, Lula é ministro.

11:50
A condição ministerial do ex-presidente dura pouco. Logo depois da cerimônica, dá-se uma reviravolta. O juiz federal de Brasília Itagiba Catta Preta Neto, um simpatizante do PSDB que vinha participando de manifestações contra o governo, concede liminar suspendendo o ato de posse, sob a alegação de que há suspeita de crime de responsabilidade por parte de Dilma. Na montanha russa da política nacional, o carrinho estava mais uma vez de cabeça para baixo, e a respiração dos brasileiros, suspensa, à espera de um desenlace.