
Ao aprovar um parecer de apoio ao processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, na semana passada, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se alinhou a um número crescente de entidades civis e associações de classe que vem se engajando na discussão sobre o mandato presidencial em todo o país. Organizações empresariais, comerciais, de trabalhadores, de estudantes e movimentos sociais se alinham em fileiras opostas para acompanhar o rito do possível afastamento de Dilma e fazer campanha por sua saída ou pela continuidade do governo petista.
O conselho federal da OAB ainda vai determinar de que forma encampará o impeachment. A assessoria de comunicação da entidade confirma que há três caminhos: defender o processo já em andamento, sugerir alterações ao texto ou propor nova ação.
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Não foi informado prazo para essa definição. Entidades como a própria Ordem e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) estiveram na origem do processo que culminou com a deposição do ex-presidente Fernando Collor em 1992. Ambas subscreveram a denúncia apresentada ao Congresso (leia quadro ao lado). Pouco mais de duas décadas depois, a investigação envolvendo a atual presidente ganhou fôlego na Câmara mesmo sem a participação significativa dos representantes da sociedade civil – até agora.
Nos últimos dias, a voz de um número crescente de associações começa a fazer coro para exigir a cassação ou a continuidade de Dilma. Além da OAB, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se manifestou publicamente sobre o destino do principal cargo político do país. Embora o mais recente documento divulgado pelos religiosos não condene abertamente a abreviação do mandato, os principais dirigentes da CNBB criticaram a hipótese de impeachment.
– Pelo que temos como informação do Supremo Tribunal, não há indício de algum ato que possa justificar qualquer denúncia quanto à presidente da República – declarou o presidente da CNBB, cardeal Raymundo Damasceno Assis, no dia 12 de março.
Até o momento, as fileiras dos grupos que apoiam o afastamento de Dilma incluem em sua maioria entidades empresariais e comerciais como a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), cuja sede, na Avenida Paulista, costuma ostentar a frase "Impeachment já!" e se transformou em ponto de referência para protestos antigoverno – a federação é presidida por Paulo Skaf, que foi candidato ao governo paulista em 2014 pelo PMDB. Reunidas na sede da Fiesp na quinta passada, outras federações e associações empresariais decidiram se unir ao movimento.
No Estado, instituições do comércio apoiam processo
No lado oposto, estão tradicionais aliados do PT como CUT, MST e UNE. Esses movimentos deram demonstração de união em favor da presidente ao se reunirem para marcha contra o impeachment em dezembro, em São Paulo. A UNE, que lutou pela perda do mandato de Collor, agora se empenha em garantir a continuidade da gestão petista.
– Entidades tradicionais, que já tiveram papel decisivo em vários momentos da história, como no impeachment do Collor, têm autoridade para perceber quando há um processo legal e quando é forjado. Agora não há indícios de corrupção contra Dilma – afirma a presidente nacional da UNE, Carina Vitral.
No Rio Grande do Sul, a Federação do Comércio de Bens e de Serviços (Fecomércio-RS) decidiu defender publicamente a saída da presidente, e uma série de outras organizações, como Federasul e Fiergs, deverão realizar reuniões para decidir que rumo tomar nesta semana. O presidente da Fecomércio, Luiz Carlos Bohn, sustenta que a federação decidiu apoiar a saída de Dilma em razão da conjuntura econômica do país.
– Temos a percepção de que falta capacidade de liderança para a presidente realizar as alterações na economia de que o país precisa. Não temos mais nenhuma esperança de que a situação melhore com ela no poder – afirma Bohn.
*Colaborou Caio Cigana
ENTREVISTA: Bruno Lima Rocha, cientista político
“Há mais em jogo do que a permanência de Dilma”
Para o cientista político Bruno Lima Rocha, professor da Unisinos e da ESPM, a discussão sobre o impeachment de Dilma mobiliza entidades civis com objetivos mais amplos do que apenas abreviar ou prolongar o mandato presidencial por razões legais.
O que significa o crescente engajamento de organizações contra ou a favor do impeachment?
Quando as federações empresariais se manifestam, em geral atuam a partir de interesses objetivos. Quando apoiam o impeachment, defendem elementos que, segundo acreditam, virão com o afastamento e que são bandeiras de suas diretorias. A Fiesp critica a carga tributária, por exemplo, e apoia o projeto que altera condições de trabalho. As entidades empresariais têm mais independência de classe do que as entidades sindicais. Agem mais conforme seu interesse do que conforme o acordo político de curto prazo. Os setores que apoiam o impeachment foram muito bem durante o governo Lula. Mas, em algum momento, houve a ruptura do pacto de classes.
E como fica o movimento sindical nesse cenário?
É mais complicado porque, em geral, partidos de esquerda e de centro-esquerda têm ligação entre o interesse político-partidário e o político-sindical. No Fora Collor, além de tirar o presidente, não havia outra dimensão substantiva, disputa programática. Agora tem. Por quê? Porque o pacto de classes foi quebrado. Havia uma certa aliança entre capital-trabalho e Estado-agentes econômicos que foi sendo quebrada por alguns motivos. Um deles é que o cobertor ficou curto.
O senhor se refere à crise econômica e a falta de recursos para atender às demandas de todos?
Isso. E não tem dinheiro porque um setor econômico abocanha tudo, que é o capital financeiro. A maior despesa corrente líquida do Brasil é a dívida pública interna. Está batendo ao redor de 49% no orçamento de 2015. O cobertor ficou curto porque em nenhum momento, nos governos de Lula ou Dilma, diminuiu-se substantivamente o peso da dívida no orçamento da União. Agora, as entidades empresariais e os sindicatos estão se alinhando em lados opostos. O auge da tensão da relação capital- trabalho foi em 1964, com as reformas de base. Havia dois projetos bem distintos. Há muito mais em jogo do que a permanência da presidente Dilma no cargo.
As entidades terão papel importante no processo?
Acho que não. Estamos em um momento muito delicado em que existe o que chamamos, em Ciência Política, de insulamento. É como se fossem formadas ilhas. Há um certo insulamento do Judiciário, agindo por regras próprias, e uma autonomia do Legislativo também.