
Tão logo chegou à sede do PT, em São Paulo, após três horas de depoimento a procuradores e delegados da Operação Lava-Jato, o ex-presidente Lula comeu uma pera, tomou uma garrafa d'água e fez troça dos companheiros que também haviam sido conduzidos a dar explicações à Polícia Federal. O semblante mudou pouco depois, diante de dezenas de jornalistas nacionais e estrangeiros que lotavam o auditório do partido. Cenho franzido, disse que havia se sentido prisioneiro durante o interrogatório e conclamou a militância petista, os sem-terra e as centrais sindicais a irem às ruas, em reação ao que chamou de "autoritarismo judiciário".
– Não vou baixar a cabeça. O que eles fizeram com esse ato de hoje é que, a partir da semana que vem, CUT, PT, sem-terra, PC do B, me convidem, que vou andar esse país – avisou.
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A diretriz lulista será seguida à risca. Já neste domingo, irão ocorrer mobilizações de desagravo ao ex-presidente nas principais capitais. O objetivo do PT é usar a condução coercitiva de Lula para contagiar a base do partido e, com uma demonstração de força popular, se antecipar às manifestações que a oposição organiza para 13 de março. Em outra frente, dirigentes partidários e parlamentares irão pressionar o Supremo Tribunal Federal, na tentativa de anular o depoimento e tirar as investigações sobre Lula das mãos do juiz Sergio Moro.
– Estamos vivendo estado de exceção. Há um golpe de estado sendo articulado pela República de Curitiba e nós não vamos permitir isso – reagiu o deputado Wadih Damous (PT-RJ).
Vestindo uma camisa com o buttom do PT, Lula não respondeu a nenhuma pergunta dos jornalistas – tarefa que delegou a um de seus advogados. Em contrapartida, desferiu ataques ao Ministério Público Federal, à Justiça e à imprensa. Embora tenha elogiado o comportamento dos delegados que foram à sua casa, disse que as autoridades "utilizaram a prepotência, a arrogância e um show de pirotecnia" ao cumprirem os mandados judiciais.
– Não tenho complexo de vira-lata. Sei muito bem o que fiz nesse país – disse, em tom de admoestação. Lula ainda pediu desculpas pelos transtornos à mulher, Marisa Letícia, e ao filho Fábio Luís – cuja casa também foi farejada pela Polícia Federal –, e reclamou de suposta perseguição, ao afirmar que "ser amigo do Lula hoje é uma coisa perigosa". Enquanto falava, uma multidão trancava a rua em frente ao diretório do PT, gritando palavras de ordem em apoio ao ex-presidente. Policiais militares interrompiam o trânsito nas cercanias e, do alto, pelo menos quatro helicópteros monitoravam a aglomeração no local.
Lá dentro, Lula continuava seu desabafo. Reclamou das perguntas dos procuradores sobre os pedalinhos dos netos no sítio de Atibaia, de uma lancha comparada por Marisa Letícia e dos vinhos que teria ganhado de presente nos tempos de Presidência.
– Não sei diferenciar um Miolo gaúcho e um Romanée Conti – comparou, em referência ao vinho mais caro do mundo, com o qual celebrou sua vitória na eleição presidencial de 2002.
Após um pronunciamento de 27 minutos, festejado por parlamentares e dirigentes petistas, Lula se recolheu a uma sala do diretório. Em seguida, deixou o prédio caminhando, ao encontro dos simpatizantes que o aguardavam na rua. Foi a senha para uma ovação geral, em meio à qual foi abraçado diante de militantes emocionados. Pouco antes, um deles havia se aproximado do deputado Wadih Damous, pediu para tirar uma selfie e sentenciou:
– Nós vamos quebrar tudo aqui em São Paulo – disse o petista, servidor do sistema prisional paulista. – Tá pensando que o Lula é o Jango? Vamos resistir – respondeu outro militante, citando o ex-presidente João Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964.
Entenda
A Polícia Federal deflagrou hoje a 24ª fase da Lava-Jato. Lula depôs por cerca de três horas no escritório da Polícia Federal no Aeroporto de Congonhas, zona sul paulistana. Depois do depoimento, o ex-presidente foi para a sede nacional do PT.
Lula foi levado de sua casa, em São Bernardo do Campo, na região do Grande ABC, sob um mandado de condução coercitiva, para o aeroporto. De acordo com o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), foram abordados diversos assuntos durante o depoimento, como as palestras que o ex-presidente concedeu após deixar o Palácio do Planalto e a ligação com um sítio em Atibaia, no interior paulista.
Além da condução coercitiva, foram expedidos mandados de busca em diversos endereços do ex-presidente, como parte da 24ª fase da Operação Lava-Jato. Segundo o procurador da República, Carlos Fernando Lima, há indícios de que Lula recebeu pagamentos, seja em dinheiro, presentes ou benfeitorias em imóveis das maiores empreiteiras investigadas na operação policial. De acordo com o procurador, foram cerca de R$ 20 milhões em doações para o Instituto Lula e cerca de R$ 10 milhões em palestras de empresas que também financiaram benfeitorias do sítio em Atibaia e de um apartamento triplex no Guarujá.
Em frente ao local onde Lula prestou depoimento, houve confusão após a chegada de um grupo de militantes do PT e da Central de Movimentos Populares que trocaram agressões e ofensas com manifestantes que criticavam o ex-presidente. Também houve tumulto no saguão do aeroporto. Além de xingamentos e agressões verbais, houve empurrões e bandeiradas. Ninguém ficou ferido.