
Está em jogo a biografia de um dos políticos mais populares da história do país. Recusar o convite para assumir um ministério e permanecer ameaçado pela hipótese de ser preso, sob a mira da Operação Lava-Jato, ou assumir o cargo, recuperar o foro privilegiado e transmitir a sensação de que tem culpa e está fugindo da Justiça?
Esse é o dilema do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acossado pelas investigações sobre o triplex do Guarujá, o sítio de Atibaia e pelo recebimento de R$ 30 milhões como pagamento por palestras de empreiteiras envolvidas em desvios de recursos da Petrobras.
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A pressão do PT para que ele assuma um cargo de ministro aumentou depois de o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) pedir a sua prisão preventiva. Embora as justificativas dos promotores para a execução da medida sejam consideradas frágeis por especialistas e até por membros da oposição, a detenção de Lula passou a ser vista como possibilidade real depois de a Lava-Jato obter autorização para tomar depoimento do ex-presidente sob condução coercitiva. Buscas e apreensões, inclusive de documentos e mídias, foram feitas no Instituto Lula e em outros endereços ligados ao petista. Investigadores chegaram a dizer, nos bastidores, ter encontrado provas de que ele seria o dono do sítio de Atibaia.
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É esse cenário que eleva o coro para que o líder político assuma cargo no primeiro escalão de um governo conduzido por uma presidente sem popularidade e ameaçada de um processo de impeachment. A Casa Civil é a alternativa mais citada. Com foro privilegiado, só poderia ser investigado no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele escaparia do juiz federal Sergio Moro. Quem tenta empurrar o ex-presidente pata dentro do governo entende que o cargo não seria somente uma blindagem. Pregam que Lula poderia liderar uma reação nos campos político e econômico para retirar o país da crise e derrotar o processo de impeachment.
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– Esse assunto está fervendo. E não é a primeira vez. No ano passado esse assunto começou, ainda incipiente. Cheguei a falar com ele sobre isso. As coisas têm crescido desde o último sábado. A militância acha que ele tem de participar desse momento. É um mobilizador nato, um fenômeno de comunicação – destaca o deputado Sibá Machado (PT-AC), líder do PT na Câmara em 2015.
Mas também há o grupo que faz ressalvas. No Planalto e no PT, corre a avaliação de que é melhor aguardar a decisão do pedido de prisão preventiva feito pelo MP-SP. O Planalto acredita que o pleito será recursado pela Justiça. Lulista, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) avalia que a nomeação do líder petista só será válida se promover uma revolução no governo de Dilma Rousseff.
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– Só vale entrar se for para mudar o rumo da política: botar a economia para crescer, proteger o emprego. Se for para continuar tudo igual, não vale a pena para o presidente.
Para algumas lideranças, Lula se prenderia demais a temas burocráticos ao ingressar na Esplanada. Teria menos liberdade para viajar pelo país. A nomeação feita por Dilma, que afirmou na sexta-feira que teria "orgulho" em ter Lula como ministro, poderia ser interpretada como obstrução à Justiça. Além de ofuscar a afilhada, o ex-presidente também poderia levar a sua crise pessoal para dentro do governo.
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– Ele tem dito que não aceitaria (ser ministro). Entendemos que ele pode ter um papel mais articulador com os movimentos sociais, mesmo de fora do governo – avaliou Humberto Costa (PT-PE), líder do governo no Senado.
CENÁRIOS
O QUE MUDARIA PARA LULA
Lula na Esplanada
Prós – O ex-presidente voltaria a ter foro privilegiado e os casos do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia virariam inquéritos no STF, investigados pela PGR. Ficaria blindado das decisões de Sergio Moro. O PT constrói discurso de que Lula viraria ministro para salvar o governo. Ele assumiria a coordenação política e tentaria influenciar a política econômica, com mais crédito no mercado interno. Seu maior desafio seria barrar o processo de impeachment. Em caso de sucesso, Lula ampliaria influência e fortaleceria uma candidatura ao Planalto.
Contras – Se Lula virar ministro e recuperar o foro, o ato seria interpretado como confissão das suspeitas de ter sido beneficiado por empreiteiras que participaram do esquema de desvios na Petrobras Ele ainda teria de lidar com as acusações de que estaria fugindo dos promotores e do juiz Sergio Moro. Ter o inquérito no STF não seria sinônimo de engavetamento da investigação contra Lula. Há o receio de que a Lava-Jato ampliasse a pressão sobre a ex-primeira-dama Marisa Letícia e seus filhos. Em um momento de fragilidade, o ex-presidente correria o risco de se empenhar e não conseguir impedir o impeachment de Dilma, afundando junto com a sucessora e o PT.
Lula fora do governo
Prós – Sem foro, Lula manteria o discurso de que não deve nada e de que é "perseguido" pelo MP-SP e pela Lava-Jato. Também ficaria livre para continuar com as críticas a Dilma, estratégia que tenta blindá-lo de desgaste caso o impeachment prospere. Sem as obrigações de ministro, Lula teria tempo para viajar pelo país e articular a base de esquerda, forma de pavimentar sua candidatura ao Planalto. Trabalharia nos bastidores para convencer o PMDB do Senado a permanecer no governo, evitando o impeachment.
Contras – O ex-presidente seguiria sem foro privilegiado, ou seja, poderia ser alvo na primeira instância de outros pedidos de prisão preventiva ou de condução coercitiva. Petistas consideram que seria uma humilhação para um ex-presidente ser preso. Sem um posto na Esplanada, Lula continuaria sem força para mudar a política econômica do governo. Há meses ele insiste na retomada dos investimentos e aumento de oferta de crédito no mercado interno, deixando o ajuste fiscal de lado.
O QUE MUDARIA PARA DILMA
Com Lula na Esplanada
Prós – Dilma receberia o reforço de um político hábil nas articulações e com trânsito entre os principais caciques do PMDB. Carismático, Lula poderia melhorar a relação do governo com a base, ponto fundamental para conter o impeachment. Alvo de muitas críticas dentro do PT, a presidente se reaproximaria do partido pela mão do padrinho político. O gesto tentaria reconquistar o apoio da militância de esquerda, insatisfeita com as medidas do ajuste fiscal.
Contras – A presidente correria o risco de ter sua influência esvaziada no próprio governo. Lula seria a principal estrela do Palácio do Planalto, uma espécie de "primeiro-ministro" ou de "chefe de governo". Dilma seria uma presidente decorativa. A presidente levaria um investigado na Lava-Jato, com suspeita de ter sido beneficiado por empreiteiras, para o coração do Planalto. O discurso de um governo que incentiva investigações seria questionado pela manobra executada para defender Lula.
Sem Lula na equipe ministerial
Prós – A presidente manteria o controle do seu governo na tentativa de reagir à crise. Evita passar a sensação de que não tem mais condições de governar sozinha, fragilizada e sem articulação para se manter no cargo. Dilma evitaria levar a crise pessoal pela qual passa Lula para dentro do governo. A presidente não é alvo de inquérito por suspeita de corrupção, mas estaria ao lado de um dos investigados. Ela enfrenta um pedido de impeachment com base na gestão das contas públicas.
Contras – Dilma continuaria com severas dificuldades de articulação no Congresso. A presidente depende do PMDB nas principais votações. O partido sinaliza que poderá desembarcar do governo, ponto que pesa a relação fria com o vice Michel Temer. Com alta taxa de reprovação, Dilma ficaria sem o reforço de um líder carismático e com boa capacidade de comunicação. A presidente não teria êxito na estratégia de se reaproximar do PT, considerada vital para sua sustentação nas ruas.