
Durante meses, Andressa Wagner teve de conviver com o estigma de ser suspeita de um crime. Ex-secretária do médico Leandro Boldrini, pai do menino Bernardo, morto em 4 de abril de 2014, ela teve o nome relacionado à morte de Odilaine Uglione, mãe do garoto, que se suicidou no consultório do marido em fevereiro de 2010. Uma perícia particular, contratada pela família de Odilaine, levantou, em 2015, a hipótese de Andressa ter escrito a carta de despedida da mãe de Bernardo. Essa possibilidade, porém, foi rechaçada em março deste ano, após nova investigação confirmar as conclusões da primeira, arquivada ainda em 2010.
Mas até o Instituto-Geral de Perícias (IGP) confirmar que a letra do bilhete era mesmo de Odilaine, o caso já tinha transformado a vida de Andressa. Com o nome envolvido na trama após a reabertura da investigação, ela teve de se mudar de Três Passos.
– Destruíram completamente a minha vida – conta a ex-secretária, que hoje mora com o marido e a filha de quatro anos em Dois Irmãos, no Vale do Sinos, e tenta reconstruir o próprio caminho, agora como manicure.
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Em entrevista para Zero Hora, Andressa falou sobre o caso:
Como a senhora recebeu a notícia de que uma perícia particular a apontou como autora da carta de suicídio de Odilaine Uglione?
Eu estava na minha residência, e o Jonas Campos (repórter da RBS TV) chegou para me entrevistar referente a isso. Eu não sabia de carta, de perícia, de nada. Eu simplesmente dei risada, disse que não havia escrito carta nenhuma e registrei um boletim de ocorrência. Foi injusto o que fizeram comigo, uma covardia. Decerto acharam que, fazendo isso, poderiam me amedrontar, como se eu soubesse de algo e pudesse falar. Mas eu nunca soube de nada. Sempre falei a verdade, todas as vezes que fui chamada pela Justiça e pela polícia.
A senhora acredita que houve má-fé dos peritos?
Sim. Eu acredito que houve má-fé porque foi injusto o que fizeram comigo. Foi muita covardia.
Por que eles teriam agido de má-fé?
Não sei. É o que gostaria de saber. Eu era apenas funcionária. Acho que a família da Odilaine queria reabrir o caso e não conseguia.
Depois, o IGP indicou que a carta havia sido escrita por Odilaine, e a Polícia Civil concluiu que ela havia se suicidado. Foi um alívio para a senhora?
Não um alívio, porque eu sabia que não tinha escrito a carta. Só lamento por não ter dinheiro para contratar um perito particular, porque a família da Odilaine tem dinheiro. Se eu tivesse, teria contratado um perito para dizer que a letra não era minha. Mas a Justiça no Brasil é correta. Pode tardar um pouco, mas não falha. Não foi um alívio, eu só estava esperando pela notícia.
O que ocorreu no consultório de Boldrini no dia da morte de Odilaine?
Eu estava na recepção, trabalhando, quando a Odilaine chegou. Ela perguntou se estava tudo bem e se o doutor Leandro já tinha chegado. Eu disse que não, que ele estava a caminho. Então ela disse que iria aguardar por ele lá dentro (na sala do médico) e que não era para avisá-lo. O doutor chegou, ele estava atrasado, entrou pela sala da recepção, que estava cheia, e foi para a sala dele. Não sei dizer se durou cinco minutos, vi a porta se abrindo, o doutor saindo, e o tiro. Corri para ver o que era, a Odilaine estava deitada no chão. Disseram para eu não mexer com ela e, nisso, já me tiraram de lá.
Houve suspeita de que a senhora teria recebido dinheiro de Boldrini para escrever a carta porque, oito meses depois da morte de Odilaine, a senhora investiu R$ 80 mil na construção de uma casa em Três Passos.
A minha casa foi financiada pelo programa Minha Casa Minha Vida e com recurso do FGTS que eu e meu esposo tínhamos. Eu tinha dois empregos na época. Isso está descrito na matrícula do imóvel, inclusive foi disponibilizada. Eu provei que fiz essa casa com o meu suor. Não ganhei nada, nunca. Nem um abraço do doutor Boldrini.
Como era a sua relação com Boldrini?
Eu conheci o doutor Boldrini quando trabalhava na farmácia do prédio em que ficava o consultório dele. A nossa relação era extremamente profissional. Ele era um patrão exigente, uma pessoa fechada, não dava muita abertura. Era bem profissional mesmo.
E como a senhora via a relação de Boldrini com o filho?
Eu pude perceber que ele se preocupava com o Bernardo, que ia bastante à clínica. Ele tinha amor pelo filho, isso era visível, mas o trabalho o consumia tanto, que ele (Boldrini) deixava de cuidar dele mesmo. Eu não frequentava a casa dele, mas creio que ele tenha deixado os cuidados da casa e da família com a mulher (Graciele). Ele nunca disse não para o trabalho. Não tinha dia nem horário.
Quando a senhora passou a ter contato com Graciele?
O doutor me apresentou a Kelly (como Graciele é chamada) como namorada dois meses depois do falecimento da Odilaine. Nunca tinha visto antes a Kelly na vida. Muitos dizem que eles eram amantes, mas eu nunca soube nada disso. Não tenho queixa nenhuma dela porque, para mim, ela sempre foi uma boa pessoa, atenciosa, querida. O problema dela era com o Bernardo.
Qual era o problema de Graciele com o menino?
Brigas, pelo que eu pude perceber na clínica. Ela pedia para o Bernardo não ir à clínica, para ele ficar em casa, para estudar, e ele dizia que não, retrucava. Mas nesses termos, assim. A Graciele dizia que, quando ele fosse à clínica, era para eu dizer para ele ir para casa. Mas isso eu jamais fiz, nunca expulsei o guri do consultório nem comentei com o doutor. Para não arrumar picuinhas, porque eu precisava do serviço. Até falei para o Bernardo que, quando ele aparecesse, era para fazer um sinal na porta que eu faria OK com o dedo para avisar se ela estava ou um não com a cabeça, e ele poderia entrar. A relação de Boldrini com Bernardo era boa. O Bernardo pedia dinheiro, e o doutor mandava eu dar. O conflito era entre ele (Bernardo) e a Kelly.
O que mudou na sua vida desde a reabertura da investigação sobre a morte de Odilaine?
Mudou praticamente tudo na minha vida. Eles destruíram completamente a minha vida.
Eles quem?
Eles eu digo de modo geral. A família da Odilaine e até o doutor Boldrini, porque, se eu não estivesse trabalhando com ele, nada disso teria acontecido. Destruíram a minha vida. Antes, eu tinha emprego fixo, construí a minha casa, mas o Caso Bernardo mudou da água para o vinho a minha vida. Perdi meu emprego, meu currículo foi manchado. Onde eu entreguei currículo depois, perguntavam se eu era a secretária "daquele médico que matou o filho". Essa é a impressão que todo mundo tem. Não consegui emprego, tive de mudar de cidade, fui malvista, julgada. Eu não podia sair às ruas, ir ao mercado, tive de tirar minha filha da creche. Foi um tormento. Caí em depressão profunda, uso medicação até hoje. Se não fosse a minha filha, acho que não estaria mais aqui, teria feito alguma bobagem com minha vida. Mudei de cidade, abri um negócio próprio. Estou tentando reconstruir a vida, graças à família.
Como a família agiu quando Bernardo desapareceu?
Foi um choque. A Kelly me ligou perguntando se o Bernardo estava na minha casa, porque ele tinha ido para a casa de um coleguinha e não tinha voltado. Eu disse que não. Naquela noite, eu liguei, e ela disse que ainda não o haviam encontrado. Ficaram procurando o guri toda aquela semana. Na segunda-feira, dia 14 (de abril de 2014), no dia em que foram presos, a Kelly pediu que eu fosse para a casa deles para cuidar da Maria (filha de Graciele e Leandro) porque eles tinham de achar o Bernardo. Fiquei durante o dia na casa deles cuidando da menininha e, daí, recebi a notícia de que haviam encontrado o corpo do Bernardo. Foi um choque, nem estava acreditando. Demora até cair a ficha. Tu trabalhas anos do lado de uma pessoa que tu não conheces, né?