Protocolado no Senado na terça-feira, o projeto para antecipar as eleições presidenciais em meio ao andamento do processo de impeachment de Dilma Rousseff abriu novo capítulo na guerra entre governo e oposição. A proposta de emenda à Constituição (PEC) assinada por parlamentares de 10 partidos prevê disputa pelo Palácio do Planalto em outubro deste ano simultaneamente à votação para prefeito e vereador.
O projeto ganhou força depois de a Câmara ter aprovado, com apoio da bancada do PMDB, a admissibilidade do processo de afastamento de Dilma. O grupo de seis senadores que encaminhou a PEC argumenta que, em caso de impeachment, faltaria legitimidade ao vice Michel Temer (PMDB) para envergar a faixa presidencial sem ter sido escolhido pelos brasileiros para o cargo. Os novos governantes eleitos teriam mandato de dois anos, até o fim de 2018, em uma tentativa de conciliar o país diante dos baixos índices de popularidade de Dilma e Temer.
– Essa PEC só tem sentido se houver apoio popular e se a presidente concordar em antecipar o mandato em dois anos em nome da unidade nacional – observa o senador Paulo Paim (PT-RS), um dos autores da iniciativa.
Leia mais:
"Quando o tempo chegar, terei gabinete na cabeça", diz Temer
Dilma vai aos EUA e Temer usa jornais estrangeiros para negar "golpe"
Após ser alvo de protesto, Temer muda de ideia e decide ir a Brasília
Diante da possibilidade de a proposta tomar corpo no Congresso, Temer, que já monta uma equipe de governo para substituir o grupo de Dilma, desencadeou uma operação para derrubar a possibilidade de antecipação do pleito. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) trabalha para retardar o avanço da PEC. Aliado do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o deputado federal Carlos Marun (PMDB-MS) classifica o projeto como "invenção" de petistas:
– Não há chance de essa PEC passar. Seria verdadeiro golpe, porque o impeachment é constitucional e prevê que o vice assuma.
Diante da crise política, nas últimas semanas, outros líderes passaram a defender novas eleições, entre eles as ex-candidatas Luciana Genro (PSOL) e Marina Silva (Rede) e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
Tema divide especialistas
Para além do debate político, a proposta de novas eleições presidenciais ainda neste ano impeliu discussão também no universo jurídico. Especialistas divergem sobre a legalidade do projeto protocolado no Senado. Há quem sustente que se trata de uma iniciativa inconstitucional porque alteraria as regras do jogo durante o seu andamento e atentaria contra o princípio republicano, que prevê a periodicidade de mandatos.
– Neste momento de crise, buscam-se alternativas e, uma delas seria ouvir novamente a sociedade por meio de eleições presidenciais diretas, mas a precondição para tanto seria a renúncia voluntária da presidente e do vice – aponta o professor titular de Direito Constitucional, Eduardo Carrion.
A proposta de renúncia coletiva, porém, não parece prosperar no atual cenário político. Enquanto Dilma luta para evitar seu afastamento temporário em votação no Senado, Temer já monta ministério e busca apoios no Congresso.
Encurtar o mandato de Temer, sucessor da presidente caso avance o impeachment, desrespeitaria ainda seu direito de cumprir o mandato pelo tempo para o qual foi eleito. No entanto, existem outros caminhos legais para a convocação de novas eleições ainda neste ano, entre os quais, a cassação de toda a chapa eleita em 2014 – processo em análise do Tribunal Superior eleitoral (TSE).
Não há unanimidade entre especialistas. O professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Direito Rio Thomaz Pereira defendeu, em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, a constitucionalidade do projeto. "É possível convocar novas eleições sem violar esse limite (de interferência entre Poderes) desde que se tenha o apoio do próprio Executivo. Idealmente, a proposta de emenda partiria da presidente, mas seu apoio formal a uma emenda já proposta pelo Legislativo também ajudaria a enfraquecer alegações desse tipo", escreveu.