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Uma das primeiras medidas de Michel Temer como presidente interino do Brasil foi a extinção de oito ministérios, entre eles o da Cultura, o que repercutiu negativamente entre a classe artística. Como parte do projeto de cortes do governo provisório, a cultura acabou voltando-se a fundir ao Ministério da Educação, formando o Ministério da Educação e da Cultura.
Quem assumiu a pasta foi o até então deputado pernambucano José Mendonça Bezerra Filho (DEM), político com inexpressiva atuação no campo cultural. O novo ministro ainda não se pronunciou sobre seus projetos para a área.
– A extinção do ministério mostra bem o desprezo desse governo pela cultura – afirma o músico e poeta Jorge Mautner, em entrevista a ZH por telefone.
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Para o escritor Daniel Galera, "fundir o Ministério de Educação com o da Cultura dá sinal de que não se quer resolver os problemas de ambas as áreas, e sim que elas são consideradas secundárias":
– O corte do MinC mostra a visão da cultura como uma coisa acessória, um penduricalho – posiciona-se o autor.
A nomeação de Bezerra Filho para comandar o MEC destoa de um histórico relativamente recente de líderes ministeriais da área cultural. Nos governos de Lula e Dilma Rousseff, a pasta contou com nomes como Gilberto Gil e Juca Ferreira. Além de aumentar os investimentos, os governos do PT expandiram-nos ao redor do Brasil, desconcentrando a produção cultural, que antes ganhava ênfase no eixo Rio-São Paulo.
A medida de Michel Temer gerou repercussão entre artistas e produtores culturais brasileiros, a maioria negativa. Na manhã desta sexta-feira, o Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música (GAP), que conta com Ivan Lins, Leoni, Frejat e Fernanda Abreu, entre outros, e a Associação Procure Saber, formada por artistas brasileiros como Caetano Veloso, Chico Buarque e Djavan, além do próprio ex-ministro Gilberto Gil, escreveram uma carta aberta ao presidente interino na qual pedem que ele volte atrás em relação à extinção do Ministério da Cultura.
"Foi o MinC que conseguiu criar condições para que tenhamos hoje uma indústria do audiovisual dinâmica e superavitária. O mesmo está sendo feito agora com outros campos, como por exemplo o da música", diz o comunicado.
"É por tudo isso que o anunciado desaparecimento do Ministério da Cultura sob seu comando, já como Chefe da Nação, é considerado pela classe artística como um grande retrocesso. O Ministério da Cultura é o principal meio pelo qual se pode desenvolver uma situação de tolerância e de respeito às diferenças, algo fundamental para o momento que o país atravessa. A economia que supostamente se conseguiria extinguindo a estrutura do Ministério da Cultura, ou encolhendo-o a uma secretaria do MEC, é pífia e não justifica o enorme prejuízo que causará para todos que são atendidos no país pelas políticas culturais do Ministério. Além disso, mediante políticas adequadas, a cultura brasileira está destinada a ser uma fonte permanente de desenvolvimento e de riquezas econômicas para o país", completa a carta aberta.
Parceiro de Caetano e Gil na gênese criativa do movimento tropicalista, o músico e poeta carioca Jorge Mautner vê a iniciativa do governo interino como um "golpe contra a cultura". Mautner ressalta a importância do setor em um país como o Brasil, que, segundo ele, tem "a cultura mais impressionante do mundo".
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Por outro lado, alguns artistas saíram em defesa da medida de Michel Temer. Roger Moreira, guitarrista e vocalista do Ultraje a Rigor, tradicional oposicionista dos governos do Partido dos Trabalhadores, manifestou-se favoravelmente à extinção do MinC.
– Para mim, nunca teve diferença. Nunca dependi do governo para tocar ou me interessar por cultura. O povo tem muito essa coisa de o governo precisar fazer tudo. Eu sou a favor de um Estado mínimo, não tem por que a cultura ser dessa forma. A pessoa tem que ter um trabalho competitivo, de qualidade. Quanto à fusão com o Ministério de Educação, tá certo, cultura e educação são a mesma coisa.
Já o cineasta Fernando Meirelles prefere tomar um posicionamento mais cauteloso, evitando conclusões precipitadas. Meirelles discorda que cultura e educação sejam áreas distintas.
– Se esta junção vier a ser uma oportunidade para que a cultura seja incluída nos currículos e programas do sistema de ensino, ela pode ser bem vinda. Livros fazem parte da educação, circulam pelo país através do Ministério da Educação, porque não o cinema, peças de teatro, música ou artes plásticas? – reflete.
Confira a posição de artistas e produtores culturais sobre o assunto:
Contra
Jorge Mautner – músico e poeta
"É um golpe contra a cultura. A extinção do ministério mostra bem o desprezo desse governo pela cultura. O que me impressiona, já que o próprio Michel Temer se diz um amante da poesia. Ué, então poesia não é cultura?"
Daniel Galera – escritor
"Eu acho que é um retrocesso. Não é isso que vai fazer diferença para a necessidade do governo de cortar gastos. É uma sinalização de um caminho pesado em vários níveis a partir de agora. Problemas que se estendem à escolha da maioria dos ministros, com posições conservadoras. Fundir o Ministério de Educação com o Ministério da Cultura dá sinal de que não se quer resolver os problemas de ambas as áreas, e sim que elas são consideradas secundárias. O corte do MinC mostra a visão da cultura como uma coisa acessória, um 'penduricalho'. O recado que o governo provisório está dando é que, se o país tiver uma cultura sólida, vai ser bom, mas que isso não é essencial."
Dado Villa-Lobos - ex-guitarrista da Legião Urbana:
"Voltamos a viver como há 30 anos atrás. E a cada hora que passa envelhecemos 10 semanas."
Paulo Pasta – pintor:
"Quando se tira a autonomia das duas áreas, é uma prova do descaso do governo com a educação e a cultura. É uma regressão, um atraso, que remete à política do regime militar."
Milton Hatoum – escritor:
"O fim do MinC e do McT e a nomeação de políticos irrelevantes à frente desses e de outros ministérios não me surpreendem. Cultura, educação e pesquisa científica foram rebaixados. A pantomima continua. Numa crônica de 1949, Rubem Braga escreveu: 'Nossa vida política é, em seu jogo diário, de um nível mental espantosamente medíocre. Mental... e moral. Há uma cansativa tristeza, um tédio infinito nesse joguinho miúdo de combinação através das quais se resolve o destino da pátria'."
Ignácio de Loyola Brandão – escritor:
"Começou mal o período interino do vice-presidente. De cara, desaparece o MinC, sem que se saiba como será. Na verdade, governos jamais ligaram muito para a cultura. Nunca esperei nada de governos, de modo que para mim o que era ruim, ruim fica. Um projetinho aqui, um programinha ali, e pronto. Se alguém souber quando houve uma política cultural merece o prêmio Nobel ou a Mega-Sena. Nenhuma surpresa. Que o vice poeta tenha piedade."
Paulo Werneck – curador da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP):
"A fusão é mais um sinal do encurtamento de horizontes do país. Vai na contramão de uma tendência internacional de valorização da cultura como política de Estado. A Itália aumentou em 27% o orçamento para a cultura neste ano, com um bilhão de euros só para o patrimônio histórico. No ano passado, Portugal recriou o seu Ministério da Cultura e o México elevou a Conaculta, maior fomentadora de cultura do país, ao status de ministério. O consolo é pensar que, neste governo, a manutenção do ministério significaria apenas mais um cargo à espera de um bispo da Igreja Universal, como aconteceu com a Ciência e Tecnologia."
Neutros
Fernando Meirelles - cineasta
Nestes tempos rachados, antes preciso dizer que não votei no Temer e dificilmente votarei num candidato do PMDB num futuro próximo. Sei que a classe ligada a cultura tende a ser contra a junção dos ministérios e entendo as razões, mas discordo da tese que educação e cultura sejam áreas distintas. Pelo contrário, acho que cultura e ciência deveriam ser, se não a base, os eixos da educação. Talvez esportes poderia ser o outro eixo do tripé. Alunos que leem, que assistem filmes, que desenham, escrevem poemas ou tocam um instrumento serão cidadãos melhores dos que tiram nota alta em matemática. Acredito.
Se esta junção vier a ser uma oportunidade para que a cultura seja incluída nos currículos e programas do sistema de ensino, ela pode ser bem vinda. Livros fazem parte da educação, circulam pelo país através do Ministério da Educação, porque não o cinema, peças de teatro, música ou artes plásticas?
Os currículos hoje não interessam mais os alunos, uma reforma nesta direção, que aliás é o que propõe o programa de ensino da REDE, pode fazer com que escolas passem a ser mais interessantes tanto para os alunos quanto para os professores e portanto mais eficazes. Sob esta perspectiva a junção pode ser boa a longo prazo.
Não conheço este Mendonça e tudo pode ser posto a perder. Por hora o que posso fazer é ficar atento e torcer.
Se forem mantidas as Secretarias e as políticas públicas que tem dado resultado a mudança da burocracia pode não fazer grande diferença. A perda do status de um ministério só da Cultura? Bobagem. Ninguém ligava muito para ele de qualquer maneira. Na área do cinema espero que tenham o bom senso de manter o Manoel Rangel na ANCINE. Ele vem fazendo um ótimo trabalho, o audiovisual é das poucas áreas que deram certo nestes últimos anos.
Tudo que não precisamos é de um amigo de um deputado do DEM caindo de paraquedas ali na ANCINE.
Luís Terepins – presidente da Bienal de São Paulo:
"Acho que ter só um ministério pode garantir um status melhor, mas tudo vai depender do ministro, de como serão alocados os recursos. Não tem mesmo muito sentido manter vários ministérios."
Heitor Martins – presidente do Masp:
"Ainda não tenho claro para mim, mas o Ministério da Cultura teve um papel importante no resgate da Bienal durante o período 2009/2010. Pode funcionar dos dois jeitos, porque alguns países europeus adotam esse modelo de fusão. De qualquer modo, não é mesmo necessário ter tantos ministérios."
Eduardo Saron – diretor do Itaú Cultural:
"Se a fusão contribuir para o incremento dos recursos da Cultura, cujo orçamento é equivalente ao de 2008, acho positivo. É preciso encontrar um ponto de equilíbrio, pois a Educação sempre teve recursos mais expressivos. Nossos governantes têm de considerar que a cultura precisa se tornar central nas políticas públicas."
A favor
Paulo Ricardo – músico e vocalista do RPM:
"Independente dos desdobramentos, acho fundamental o corte nesse número absurdo de ministérios. Na minha opinião, o inchaço da máquina é um dos maiores desafios que temos que enfrentar. Há uma simbiose intrínseca entre Educação e Cultura. Se bem administrado, a fusão pode funcionar. Mas, a princípio, sou a favor e estou otimista."
Lobão – músico:
"Uma maravilha! O MinC sempre foi uma excrescência! Muito feliz pela fusão e pelo nome de Mendonça Filho no MEC!"
Roger Moreira – guitarrista e vocalista do Ultraje a Rigor:
"Pra mim, nunca teve diferença. Nunca dependi do governo para tocar ou me interessar por cultura. O povo tem muito essa coisa de o governo precisar fazer tudo. Eu sou a favor de um Estado mínimo, não tem por que a cultura ser dessa forma. A pessoa tem que ter um trabalho competitivo, de qualidade. Quanto à fusão com o Ministério de Educação, tá certo, cultura e educação são a mesma coisa."
João Barone – baterista do Paralamas do Sucesso:
"O Brasil, infelizmente, tem essa condição terrível de precisar desses insumos governamentais para a cultura. E, na verdade, a educação é que precisa muito mais do que além dessa merreca que acabam dando para a cultura. Se pararmos para analisar, a educação precisa de mais insumos, mesmo. A gente viveu durante esse período de vacas gordas uma certa ilusão de que a cultura seria levada a um outro patamar. Acho que fica todo mundo com pé atrás de que essas pequenas conquistas sejam melindradas com essa nova realidade. Espero que as discussões continuem e os avanços que foram feitos na cultura sejam mantidos."
* Com informações de agências