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Uma história de muitas

Em turma de 37 alunos, 27 já foram alvo de criminosos

A maioria já teve celulares, dinheiro, correntes, e a vida do primo, roubados

Marcelo Kervalt

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Quase uma turma inteira com as mãos para o alto. A cena, retratada na foto, é resultado de um questionamento feito por ZH. De forma aleatória, chegamos a uma turma de cursinho pré-vestibular de Porto Alegre.

– Quem já sofreu algum tipo de violência ou que tenha um familiar próximo que foi vítima da criminalidade? – perguntamos.

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Dos 37 estudantes presentes, 27 levantaram as mãos. Foram alvo de bandidos portando armas de fogo ou facas. Tiveram celulares,dinheiro, correntes, e a vida do primo, roubados. Os estudantes dizem que a violência está banalizada,sem local, horário ou dia para acontecer. Diante da possibilidade de uma abordagem criminosa a qualquer momento, utilizam as mais diversas estratégias para escapar: caminham em grupo, espalham os pertences por diferentes bolsos, deixamos celulares no silencioso e saem de casa apenas com o material da aula do dia. Nem sempre dá certo.

– Uma vez me abordaram na esquina de casa, quando chegava da aula. Tinha escondido o celular na meia, mas fiquei com medo de mentir e de ser morta. Preferi entregar o aparelho ao bandido que me assaltou. Não sei se saio com ou sem dinheiro. Se eu não tiver nada, são capazes de me darem um tiro só de raiva – diz uma estudante, que preferiu não ser identificada.

Para dar nome, sobrenome e voz além das estatísticas oficiais, o Grupo RBS inicia hoje a série de reportagens "Uma história de muitas", ouvindo o depoimento de vítimas fortuitas da violência em pequenos grupos, como a turma do cursinho pré- vestibular desta página, onde apenas quatro estudantes não passaram pelas mãos dos bandidos ao menos em tentativas de assalto.

TAMIRES ANTUNES DA SILVA
22 anos, assaltada no centro de Alvorada, há dois anos

"Estava voltando com a minha mãe de uma casa religiosa. De repente, um carro veio muito rápido e parou um pouquinho à frente. Desceu um cara armado pedindo que a gente entregasse todos os pertences. Via no rosto que ele estava drogado e em pânico. Ele chegou com a arma, apontando. Qualquer disparo, e a gente perderia a vida. Fiquei assustada e joguei as bolsas na direção dele com medo de que chegasse mais perto. Queria sair o mais rápido possível, com medo de que ele voltasse e fizesse alguma coisa conosco ao ver que não tinha dinheiro, só celulares e pertences."

RONALDO WIDMAR
21 anos, teve o mercado assaltado na Capital há dois anos

"Meu pai tem um estabelecimento comercial. Eu estava lá, quando chegou um rapaz bem novo, com uma arma e encostou na minha cabeça. Meu maior medo era por ele ser novo: estava com a arma tremendo na minha cabeça. A única coisa que pensei era em sair da mira dele. A gente já está acostumado com isso (ser assaltado), então só tentei sair da mira dele e entreguei o que tinha de entregar. Ele levou dinheiro, cigarro... O que ele queria mais era dinheiro. Jogou a bolsa em cima do caixa e queria dinheiro. Estavam ele e mais um gurizão de 15, 16 anos, sem capuz, sem nada. Eles não têm medo, né?"

LETÍCIA LOPES DA COSTA
20 anos, assaltada em parada da Capital, há dois anos

"Fui assaltada às 3 horas da tarde na parada perto de casa. O motoqueiro deixou a moto do outro lado da rua. Veio até mim e disse: “Passa o celular”. Eu disse: "Não tenho". Ando com o celular no silencioso e no bolso. Vi que ele não tinha arma. Então, pediu dinheiro. Quando eu ia pegar, ele retirou o capacete, e olhei para ele. Ele disse: 'Não olha para mim senão vou te dar um tiro'. Eu falei: 'Tu estás de brincadeira. Vai me assaltar às 3 horas da tarde, perto da minha casa e vai me dar um tiro?' Então, dei o dinheiro, e ele foi embora."

OS NÚMEROS

37 estudantes

27 foram assaltados àmão armada

3 sofreram tentativa de assalto

1 foi furtado

1 teve o primo assassinado

1 teve a casa arrombada

4 não sofreram violência

Disseram: "A gente só é ladrão, por isso não vamos matar vocês"

Assaltada três vezes, a estudante Jéssica Vargas da Luz, 20 anos, já esteve com faca e revólver apontados para si. Na ação mais violenta, há cinco anos, na Avenida Antônio de Carvalho, em Porto Alegre, um trio de motociclistas abordaram a jovem, o pai e um motoboy em frente à telentrega de pizzas da família. Dentro do estabelecimento estavam a madrasta e a irmã.

– Colocaram todo mundo para dentro. Um dos caras colocou a arma na minha cabeça. O outro colocou a arma na cintura do meu pai. Fiquei na sala de atendimento junto com um dos caras armados, que estava procurando dinheiro. O outro levou todo mundo para a cozinha – contou.

Os bandidos chegaram a ameaçá-los de morte, mas os pouparam. Antes de fugir com dinheiro, explicaram por que pouparam suas vidas:

– A gente não é bandido, a gente só é ladrão, por isso não vamos matar vocês.

Quando se viu livre dos assaltantes, a primeira sensação foi de alívio:

– Pensamos que íamos morrer, porque a gente nunca sabe o que está passando na cabeça deles.

Nas outras duas vezes em que foi assaltada, Jessica estava caminhando na rua e teve celular e dinheiro roubados. O telefone foi levado por dois homens em uma bicicleta:

– Estava voltando da escola, com fone de ouvido, descendo a (Avenida) Silva Só, quando chegaram dois caras de bicicleta. Um deles pediu para passar o celular para o cara de trás, e saíram em direção à Ipiranga.

Em outro momento, na Rua Ramiro Barcelos, uma moradora de rua segurando uma faca abordou Jéssica. Mandou que entregasse o dinheiro:

– Se não entregasse, ela ia me dar uma facada. A cidade estava bem vazia. Dei o que me pediu.



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